quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CNJ busca qualificar decisões dos juízes para combater as máfias da saúde




Cirurgias desnecessárias, internações fraudulentas e até mesmo pedidos de remédios para pessoas que sequer estavam doentes. Essas são algumas das demandas que, diariamente, batem à porta do Judiciário e aumentam, a cada dia, o processo de judicialização da saúde. Enquanto muitos cidadãos procuram seus direitos para garantir a própria vida, a atuação de máfias desafia os juízes e expõe fragilidades do sistema de Justiça brasileiro.
 
Diante desse preocupante cenário, ganha força a ideia da necessidade do fortalecimento da estrutura de apoio aos magistrados que se deparam cotidianamente com esses pedidos. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem assumido papel protagonista ao acompanhar de perto o problema e propor ações efetivas no auxílio dos magistrados. “Estamos oferecendo ferramentas para o fortalecimento desse sistema. O juiz precisa de suporte para deferir ou não um pedido com a mais absoluta tranquilidade”, afirma o conselheiro Arnaldo Hossepian, supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área da saúde é uma das iniciativas do Conselho. Por meio de um termo de cooperação assinado entre o CNJ e o Ministério da Saúde, os tribunais ou Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-JUS) vão ter à disposição o suporte técnico-científico dos Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (NATS) para a produção de notas técnicas que possam aperfeiçoar o julgamento das demandas.
 
O objetivo é aprimorar o conhecimento dos juízes para a solução dessas ações. “Nossa ideia é que, em até 72 horas, seja possível dar uma resposta ao juiz, que poderá ou não seguir o parecer. É possível que a demanda seja temerária e ele, desamparado de conhecimento técnico, tenda a atender o pleito, por tratar-se da vida de alguém”, avalia Hossepian. Com mais informação, além de respaldo científico, o juiz e os próprios tribunais podem, inclusive, identificar a ação de máfias.
 
Denúncias - Ao longo da última década, a ação desses grupos criminosos foi denunciada em várias unidades da Federação. Os prejuízos aos estados e ao Distrito Federal são incalculáveis. “A atuação de tais máfias não é adequadamente monitorada, embora há anos a questão já represente preocupação constantemente externada por vários dos atores que compõem os comitês do Conselho Nacional de Justiça”, confirma o defensor público Ramiro Sant´Ana, integrante do Comitê Executivo do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Em 2008, a polícia paulista investigou funcionários da indústria farmacêutica que, com ajuda de médicos, usavam laudos falsos para permitir que pacientes entrassem na Justiça para solicitar medicamentos para tratar psoríase e vitiligo, ambas doenças dermatológicas. Esquemas semelhantes se utilizaram da Justiça para conseguir a internação de pacientes em leitos particulares de UTIs, assim como para a realização de cirurgias.
 
Iniciada em 1º de setembro deste ano pela Polícia Civil do Distrito Federal, a operação Mr. Hyde desarticulou um grupo criminoso formado por hospitais, médicos e empresas fornecedoras de órteses, próteses e materiais especiais. De acordo com o Ministério Público do DF, os indícios mostram que profissionais de medicina produziam relatórios técnicos fraudulentos para dar respaldo às liminares. Caso as suspeitas se confirmem, planos de saúde e magistrados podem ter sido enganados.
 
Mobilização - Pesquisa realizada pelo CNJ entre 2013 e 2014 apontou queda da judicialização em municípios após a instalação dos NATs-JUS. Isso porque os núcleos também agem na prevenção ao ingresso de processos judiciais pela solução administrativa dos conflitos e no suporte à gestão, ao mapear os pleitos mais comuns. “Os núcleos podem fornecer aos Comitês Executivos de Saúde do CNJ informações sobre demandas reiteradas de tratamentos com duvidosa evidência científica. Conseguir identificar com eficiência a reiteração de pedidos dessa natureza permitirá investigar de forma mais eficiente e direcionada organizações mafiosas. Trata-se de uma importante medida de racionalização da judicialização da saúde”, destaca Ramiro Sant´Ana.
 
Desde 2009, quando foi realizada a primeira audiência pública para debater a judicialização da saúde, o Conselho Nacional de Justiça acompanha o tema. De lá para cá, o CNJ editou resoluções sobre o assunto, criou o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde e passou a realizar as Jornadas de Direito da Saúde, em que são aprovados enunciados com informações técnicas para subsidiar os magistrados na tomada de decisões em ações judiciais sobre direito à saúde.
 
Modelos – Em alguns estados, os tribunais de Justiça já adotam medidas para identificar a atuação de grupos criminosos que buscam a Justiça para garantir lucro em demandas ligadas à saúde. A Corte do Rio Grande do Sul, por exemplo, assumiu papel de vanguarda ao compor, em 2012, o Comitê Executivo Estadual da Saúde, que luta pela redução do número de processos judiciais nessa área.
 
O colegiado, formado por representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, de representantes da rede de saúde estadual, atua trocando informações e estabelecendo exigências mínimas para o ajuizamento de ações. Em um primeiro momento, foi estabelecido um protocolo para a solicitação de remédios. Desde agosto deste ano, as internações hospitalares passaram a ser o novo foco do comitê.
 
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais é outra corte pioneira. Em 2012, o Comitê Estadual de Saúde de Minas Gerais estabeleceu uma parceria com o Hospital das Clínicas para um grupo de médicos emitir notas técnicas antes de o juiz decidir sobre a concessão da liminar nas ações que pleiteiam tratamentos de saúde ou medicamentos. “Tudo ocorre de forma eletrônica e o parecer é dado em, no máximo, 48 horas após o ajuizamento da ação. A nota técnica dos médicos qualifica bastante o magistrado para suas decisões”, diz o coordenador do Comitê Estadual de Saúde de Minas Gerais, desembargador Renato Dresh, que também é membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Cresce o número de denúncias contra médicos no Piauí; 2016 já teve 47 casos

As denúncias englobam erros médicos causados por negligência, imprudência ou imperícia
 
 
(Foto: Ciete Silvério/A2IMG/ Fotos Públicas)
 
 
Nos últimos anos, o aumento do número de denúncias contra médicos em todo o país têm sido motivo de preocupa- ção. No Piauí, essa realidade também é presente. Em 2014, o Conselho Regional de Medicina (CRM) abriu 54 processos ético-profissional, contra médicos que atuam no estado. Em 2015, o número de processos subiu para 70. Já em 2016, até o mês de agosto, 47 processos ético-profissional já haviam sido abertos pelo Conselho. 
 
As denúncias englobam, em grande parte, erros médicos, causados por negligência (falta de cuidados exigidos), imprudência (falta de responsabilidade) e imperícia (falta de habilidade ou conhecimento). Além disso, o Conselho também acolhe denúncias de má conduta ética, e problemas na relação com pacientes e familiares. 
 
“Nos últimos anos, o número de médicos que estão se formando está crescendo muito em todo o país. O Piauí, por exemplo, já possui curso de Medicina em três municípios. Evidentemente, a tendência é que haja um aumento no nú- mero de atendimentos, e, por consequência, mais denúncias aparecem”, avalia o chefe da Assessoria Jurídica do Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM), Ricardo Cury. 
 
Algumas condições podem potencializam o aumento de casos de denúncias contra médicos. Entre elas, a falta de tempo, instalações inadequadas, deficiência na comunicação entre o médico e paciente, anotações malfeitas sobre o tratamento e as condições de saúde e decisões tomadas às pressas. 
 
Ricardo Cury também esclarece que, independente da justificativa dada pelo profissional, todas as denúncias que chegam ao órgão são devidamente apuradas. “Qualquer denúncia, que esteja devidamente identificada, é acolhida pelo Conselho, que vai abrir um processo de sindicância contra o médico para apurar os fatos”, esclarece Ricardo Cury, ao destacar que após abertura do processo, o médico acusado vai a julgamento pelo pleno do CRM. 
 
Dependendo da gravidade do caso, o andamento do processo ético-profissional pode levar até dois anos. Nesse período, documentos como prontuários e receitas são avaliados pelo Conselho, bem como testemunhas, que podem ajudar na elucidação dos fatos, são ouvidas. Assim como em um julgamento tradicional, o acusado tem o direito de apresentar a sua defesa, para contrapor as informações apresentadas pela parte de acusação. 
Após o processo de sindicância e julgamento, caso não sejam confirmadas as acusações, o médico é absorvido e o processo arquivado. Caso o médico seja considerado culpado, o Conselho Regional de Medicina prevê cinco punições, aplicadas de acordo com a gravidade do caso. 
 
“Após o julgamento, o mé- dico pode sofrer: advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão do exercício profussional, e cassação do registro de médico. Essas penas são aplicadas de acordo com a gravidade do ato cometido pelo médico”, explica Ricardo Cury. 
 
Qualquer pessoa pode denunciar no CRM-PI 
 
Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia no Conselho Regional de Medicina (CRM). O primeiro passo é redigir um documento detalhado relatando o ocorrido, com o local do atendimento, data e horário, e, se possível, incluir o nome do Médico. O site do Conselho Regional de Medicina do Piauí (crmpi.com.br) disponibiliza um formulário para denúncias. 
 
O segundo passo é anexar ao formulário cópias de documentos pessoais, como carteira de identidade e comprovante de endereço, e documentos relacionados ao caso, como exames, receitas, fotos, laudos, e tudo que possa contribuir com as investigações. 
 
Esses documentos devem ser encaminhados via correio ou entregue pessoalmente por qualquer pessoa, aos cuidados do Presidente do CRM/ PI. Para que a denúncia seja recebida, é imprescindível que esteja assinada, conforme o artigo 6º do Código de Processo Ético-Profissional para os Conselhos de Medicina. 
 
O Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM/ PI) fca localizado no seguinte endereço: Rua Goiás, 991 – Ilhotas– Teresina/PI. Os usuários podem esclarecer dúvidas sobre o procedimento de denúncias através dos telefones: (86)3222-932 3223-0264.
 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

A difícil escolha do melhor hospital

Até quando o Ministério da Saúde vai negar aos brasileiros o direito à informação sobre os indicadores de qualidade das instituições de saúde?
 
imagem internet
 
 
No início de cada semana, tenho uma única certeza: até o final dela, algum leitor ou colega pedirá a indicação de um bom médico ou de um bom hospital. Não me surpreendo quando vários pedidos surgem no mesmo dia. Acontece com todo jornalista da área de saúde.
 
Tento ajudar da melhor maneira possível, mas lamento não poder me guiar por parâmetros objetivos. A escolha de médicos sempre será subjetiva, mas é inadmissível que a seleção de hospitais também seja.

Até quando o Ministério da Saúde vai negar aos brasileiros o direito à informação sobre os indicadores de segurança e desempenho dos hospitais? Podemos escolher hotéis e restaurantes a partir de critérios técnicos, mas somos impedidos de comparar as diferentes instituições de saúde.
 
Qual é o índice de infecção do hospital A? E as taxas de complicação do B? Qual é a sobrevida de quem faz uma cirurgia cardíaca ou um transplante aqui ou ali? Esses dados existem -- pelo menos no grupo de hospitais privados que passam por longos processos de avaliação internacional para receber selos de qualidade.

As informações seguem guardadas a sete chaves. Ainda que um hospital divulgue um ou outro parâmetro (em geral, o mais favorável a ele), o cliente não pode comparar as diferentes instituições.
 
Meu sonho de consumo é um ranking. Uma ferramenta que me permita escolher o melhor hospital a partir de critérios que realmente façam diferença quando o assunto é saúde.

Enquanto essas informações não se tornarem públicas, os pacientes continuarão a escolher hospital da forma mais idiota que existe: pela decisão (muitas vezes, mal informada) das celebridades, pelo piso de mármore e pela decoração elegante.

Saúde é o mais precioso dos bens. Não pode ser delegada a qualquer um. Há coisas que os hospitais não contam, como revelamos nesta reportagem de capanesta outra coluna.
Os brasileiros precisam acordar para isso e exigir o respeito ao seu poder de decisão. “De forma geral, os pacientes ainda são muito passivos”, diz Antonio Lira, superintendente técnico-hospitalar do Sírio-Libanês, em São Paulo. “Precisamos educar a população para que ela nos vigie mais e nos ajude a melhorar aquilo que não vai bem.”

Não sonho com algo impossível. Nos Estados Unidos, o governo criou um site para ajudar a população a avaliar os indicadores de segurança e qualidade de 3.300 hospitais. O cidadão seleciona hospitais de interesse em determinada região e o sistema fornece gráficos com a comparação das instituições com base em indicadores como “complicações cirúrgicas”, “óbitos”, “reinternações” e “infecção hospitalar”.

Enquanto as autoridades brasileiras não atendem a essa necessidade, cabe aos hospitais levar a sério o discurso da transparência. O Sírio-Libanês é um dos que passaram a divulgar alguns indicadores importantes, mesmo quando eles são desfavoráveis à instituição.

Ao acessar o site, o cliente pode ver o desempenho do hospital em relação a metas internas de qualidade e em relação aos índices recomendados internacionalmente. Fica sabendo, por exemplo, que o índice de infecção hospitalar piorou ligeiramente no ano passado em relação a 2013.

“Não dá para brincar de ser transparente e mostrar só o que é favorável à instituição”, afirma Lira. Segundo ele, os fatores que levaram ao aumento dos casos de infecção hospitalar estão sendo investigados. “Talvez isso tenha ocorrido porque recebemos mais pacientes já infectados com bactérias resistentes aos medicamentos”.

Se um hospital disser que tem índice zero de infecção ou de erros cirúrgicos ou de medicação, fuja dele correndo. É mentira - ou a instituição não está registrando e investigando as ocorrências.

Por mais zeloso que um hospital seja, erros acontecem. Um paciente do Sírio-Libanês procurou a instituição para fazer um checkup. Um tumor inicial no rim foi descoberto e a cirurgia, agendada.

Lira conta que todo o ritual de cuidados preconizados pelo hospital para garantir uma cirurgia segura foi realizado. Quando abriu o paciente e olhou o rim, um cirurgião dos mais experientes não observou lesão alguma. Pediu para ver a imagem do exame e, surpreso, notou que o tumor era no outro rim – o esquerdo.

O que deu errado? O cirurgião havia se guiado pelo laudo do radiologista (e não pela imagem) para fazer o corte. Só que o laudo estava errado. Por que o radiologista errou? Mais um caso de falha induzida pela alta tecnologia...

O software sofisticado permitia ao radiologista rodar a imagem do exame na tela para observar o órgão em detalhes antes de escrever o laudo. O radiologista rodou a imagem e saiu da sala. Quando voltou, esqueceu que havia feito a inversão e escreveu o laudo como se o tumor fosse no rim direito – exatamente como o enxergava na tela do computador. Um pequeno deslize que expôs o paciente a um risco desnecessário e o hospital, a um enorme constrangimento.

O resultado: o corte foi fechado e o paciente voltou para o quarto. A equipe, orientada por Lira, explicou a falha ao cliente e assumiu o erro. O caso levou à mudança do software e à adoção de uma dupla conferência da imagem e do laudo antes das cirurgias.

Um mês depois, a operação no rim certo foi feita no próprio hospital. O paciente se recuperou e, a convite de Lira, contou sua história publicamente num congresso de tecnologia e cuidados hospitalares.

“Precisamos falar sobre nossos erros para nunca esquecermos que somos falíveis”, diz Lira. “A questão não é tentar ser infalível. Todo mundo erra. A questão é como devemos agir depois de uma falha”.

Ouvir isso de um médico que ocupa um alto cargo na gestão de um dos maiores hospitais privados do país é sinal de uma louvável mudança cultural. Muito mais ainda precisa acontecer nas instituições de saúde para que a transparência deixe de ser apenas um discurso conveniente.
 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Hospital sem infecção? Conta outra

O consumo mundial de antibióticos cresceu 30% em uma década. Por que isso é um problema para as instituições de saúde e para todos nós
 
(Foto: Thinkstock/Getty Images)
 
 
Se algum hospital disser, todo orgulhoso, que não teve casos de infecção no último ano, saia dali correndo. É mentira ou sinal de vigilância precária. Problemas ocorreram, com certeza. Só que ninguém estava encarregado de investigar e registrar.
 
Hospitais são ambientes propícios ao desenvolvimento de superbactérias, aquelas criaturas terríveis que conseguem resistir até aos antibióticos mais modernos. Depois de pegar carona nas mãos e nas roupas de funcionários e visitantes, elas ganham as ruas. Deixam de ser um problema familiar para se tornar uma ameaça coletiva.  
 
Não estaríamos vivendo a crise atual de ineficácia dos antibióticos se tivéssemos feito bom uso deles. O consumo irracional dessas drogas é grave e tende a piorar, segundo um relatório mundial, divulgado na semana passada pelo The Center for Disease Dynamics, Economics & Policy, uma instituição com sede em Washington, nos Estados Unidos, e em Nova Délhi, na Índia.
 
Entre 2000 e 2010, o consumo global de antibióticos cresceu mais de 30%. Passou de 50 bilhões de unidades para 70 bilhões, segundo dados de 71 países. O consumo per capita é maior nos países ricos, mas a maior elevação foi observada nas economias médias.

O consumo total de antibióticos cresce de forma acentuada nos chamados BRICS. Em uma década, o aumento foi de 68% no Brasil, 19% na Rússia, 66% na Índia, 37% na China e 219% na África do Sul.

Grande parte desse crescimento tem relação com o excesso de remédios na produção de carne. Os antibióticos são usados não apenas para tratar infecções nos animais, mas também para promover o crescimento – uma aplicação controversa e disseminada.
 
A ideia é matar as bactérias intestinais que vivem naturalmente no organismo para reduzir a competição por energia. Com isso, o animal absorve mais nutrientes da comida, cresce rápido e vale mais.

O problema, novamente, é de todos nós. O mundo quer ser alimentado, mas essa prática tem consequências que não podem ser ignoradas. As bactérias resistentes a antibióticos são encontradas no ar e no solo das fazendas, na água, na carne e no frango processados. Se levadas para a cozinha, podem contaminar outros alimentos.      

O Brasil foi o terceiro país do mundo com maior uso de antibióticos na criação de animais. Foram 5 mil toneladas em 2010. Os Estados Unidos usaram 7 mil. A China, 15 mil. Segundo as projeções do relatório, o Brasil estará usando 8 mil toneladas em 2030, menos que os Estados Unidos (10 mil) e a China (33 mil).

A pecuária é um capítulo importante da história da resistência bacteriana, mas é preciso assumir que grande parte da crise é desencadeada pela farmacinha de casa. De 20% a 50% do uso total de antibióticos é considerado inapropriado.

Isso acontece em três situações:

• Quando a pessoa toma antibiótico sem nenhum benefício. Para tentar curar uma gripe, por exemplo. Antibiótico existe para matar bactérias. Não tem nenhuma serventia quando a doença é causada por vírus.
• Quando o antibiótico não é o ideal para determinada doença ou quando o paciente não segue as orientações médicas (deixa de tomar todas as doses e não respeita os intervalos recomendados)
• Quando a pessoa toma remédio por conta própria ou usa os comprimidos receitados para outra pessoa.

Cerca de 80% dos antibióticos são usados fora dos hospitais. Nessas instituições, alguns cuidados simples reduzem o risco de infecção. Lembre-se deles quando precisar visitar alguém:

• Lave as mãos antes e depois da visita. Oitenta por cento das infecções hospitalares são evitadas com a higiene das mãos
• Evite levar comida ao paciente. Prefira presentear a pessoa com um livro, uma revista ou um brinquedo
• Se estiver resfriado ou com alguma lesão na pele, adie a visita. Bactérias corriqueiras podem provocar graves danos ao doente
• Não sente na cama do doente. As roupas dos visitantes têm bactérias que não devem se misturar com as do hospital
• Evite ir ao quarto de outros doentes. Você pode virar um veículo de disseminação de germes de um paciente para o outro
• Se o paciente voltar para casa infectado por uma bactéria resistente, lave as mãos muito bem antes e depois de atendê-lo

Gostou das dicas? Repasse aos amigos e ajude a construir uma cultura de uso racional de antibióticos. Cada irresponsabilidade individual contribui para o surgimento de bactérias duras na queda. Um dia elas podem se tornar invencíveis. Não é ficção científica. É natureza pura.

Se alguém toma um antiinflamatório de forma errada, o problema é dele. Quando faz isso com um antibiótico, o problema é nosso.
 

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

" Intercorrência é o eufemismo que os médicos usam para não assumir erros"

A luta do presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo para acabar com o silêncio em torno das cirurgias inseguras
 
 
Ilsutração: Cecília Andrade
 
 
Há duas semanas, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma declaração assustadora durante um evento sobre segurança do paciente na Califórnia. “O sistema de saúde americano mata mais gente de eventos adversos a cada ano do que o câncer de mama, o de próstata e o de pulmão”, afirmou. Eventos adversos são descuidos, muitas vezes fatais, ocorridos em clínicas e hospitais. É aquilo que antigamente era chamado de “erro médico”.

O conceito foi ampliado para englobar todo tipo de dano à saúde ocorrido em instituições pagas para cuidar dela. Os erros de diagnóstico ou de medicação, o uso de material inadequado, a falta de segurança em cirurgias e outros procedimentos são alguns dos problemas que provocam 400 mil óbitos por ano nos Estados Unidos.

O Brasil, além de não dispor de bons registros de eventos adversos, convive com o silêncio que favorece a omissão. Falar abertamente sobre erros ocorridos em hospitais (leia a reportagem) é um tabu entre os profissionais de saúde. Uma das vozes dissonantes é a do médico Enis Donizetti Silva, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp). Há 15 anos, Silva coordena os anestesistas do Hospital Sírio-Libanês. Em 2009, coube a ele o desafio de manter o vice-presidente José Alencar (1931-2011) anestesiado durante 22 horas em uma das mais complexas cirurgias às quais ele foi submetido durante a longa batalha contra o câncer.

À frente da Saesp, Silva está empenhado em fazer um mapeamento dos eventos adversos ocorridos nos hospitais públicos e privados paulistas e de outros Estados. Para isso, convidou os 3,6 mil associados da entidade e anestesistas de outras regiões do país a registrar os casos anonimamente num banco de dados. Silva também prepara o lançamento, previsto para agosto, da Fundação de Segurança para o Paciente. Nesta entrevista, ele conta o que os profissionais e instituições de saúde não costumam assumir.
 
ÉPOCA - Os hospitais privados são mais seguros que os públicos?

 Enis Donizetti Silva -
Não tenho nenhuma dúvida de que a segurança do paciente está em risco tanto nos hospitais públicos quanto nos privados. Não sei onde está pior. Enquanto as pessoas não reconhecerem a existência desse problema, vamos continuar no jogo de cena de sempre. Precisamos criar uma consciência coletiva. Não podemos fingir que está tudo bem e ficar esperando que novas tragédias aconteçam. As sociedades de especialidades médicas se esconderam durante anos e anos. É hora de mudar.
 
ÉPOCA - O paciente não dispõe de nenhum recurso para saber se um hospital é mais ou menos preocupado em garantir a segurança dos procedimentos. Qual é a realidade que os anestesistas conhecem?

 Silva -
Muitos deles não dispõem dos instrumentos necessários para cuidar do doente com segurança. O Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Anestesiologia estabeleceram critérios mínimos de monitorização que deveriam ser seguidos em todo o país. Se você deitar numa mesa de clínica ou hospital para ser anestesiada (mesmo que seja uma sedação leve), a sala precisa ter um cardioscópio (aparelho que permite a observação eletrocardiográfica contínua durante uma operação), um oxímetro de pulso e um aparelho de pressão. Se for anestesia geral, é necessário também um aparelho chamado de capnógrafo. Ele fornece informações sobre os padrões de respiração e a eliminação de gás carbônico.
 
ÉPOCA - Os hospitais não seguem essa norma?

 Silva -
Fizemos uma enquete informal com membros da diretoria e da comissão científica da Saesp. Por alto, detectamos que mais de 30% dos hospitais onde eles trabalham ou que eles conhecem não têm requisitos mínimos de segurança. Isso ocorre tanto em hospitais públicos quanto nos privados. É um absurdo. Estou falando de um estado onde a medicina é desenvolvida e de um grupo mais próximo da elite. Imagine o que vamos encontrar se pudermos pesquisar o que acontece em hospitais pequenos e em clínicas.
 
ÉPOCA - Como o paciente pode se proteger?

 Silva -
As pessoas precisam se informar. Os pacientes são muito passivos. Eles precisam saber que têm direito a uma consulta pré-anestésica. Não é consulta feita no corredor, quando o paciente já está na maca a caminho da sala de cirurgia. O anestesista encontra o paciente na maca e pergunta se ele está de jejum ou se tem alguma alergia. Isso não basta. Em vários hospitais em São Paulo, mesmo no circuito da Avenida Paulista, o paciente entra no centro cirúrgico sem ter sido visto pelo profissional responsável pela anestesia.
 
ÉPOCA - Não basta o paciente preencher aquele questionário antes da cirurgia?

 Silva -
De jeito nenhum. Isso aconteceu com a minha mulher na Avenida Paulista. Não foi no interior do Piauí. Mandaram o formulário de consentimento informado para ela assinar no quarto. Perguntei pelo anestesista e deram aquela enrolada. Informei que ela era mulher do presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo e disse: “Pede para o anestesista dar uma olhadinha nela aqui no quarto antes da cirurgia, por favor?”.
 
ÉPOCA - Isso é imprudência, imperícia ou negligência?

 Silva -
Para mim, é negligência. Não tenho dúvida. O paciente precisa conhecer todos os riscos que ele pode enfrentar ao entrar num hospital. O meu papel como presidente da sociedade é decodificar a linguagem médica e fazer com que ela chegue ao maior número possível de pessoas. A saúde suplementar tem a obrigação de suprir informação. O governo tem o dever de fazer isso. O Ministério da Saúde não pode pegar 7% dos milhões que ele gasta por ano com comunicação e falar sobre segurança do paciente? Não pode colocar um alerta claro nos maços de cigarro do tipo: “Cuidado, podem operar a sua perna errada”. Todo mundo já sabe que cigarro dá câncer. Por que não usar os maços para colocar outras informações de saúde? Há mil formas de fazer isso. Falta disposição para assumir o problema. Se o registro dos danos causados ao paciente não é exigido, não temos a informação. Se não temos a informação, parece que o problema não existe. Fica tudo camuflado.
 
ÉPOCA - O governo americano publicou os indicadores de segurança e de desempenho de milhares de instituições. A população entra num site e escolhe o melhor hospital a partir de critérios objetivos. Qual é a chance de termos uma medida semelhante no Brasil?

 Silva -
Se a sociedade civil trabalhar para isso, ela consegue. O legislador pode até criar uma obrigação, mas ninguém vai cumprir. O consumidor que percebe que o hospital vende gato por lebre pode exigir a mudança. A pessoa entra num hospital privado achando que vai ser bem tratado e operam a perna errada. Ou dão Novalgina apesar dele ter avisado que era alérgico. Se o consumidor ficar consciente de que entrar num hospital é hoje algo muito inseguro, ele vai exigir garantias antes do procedimento. Vai perguntar ao anestesista: “O sr. vai mesmo ficar ao meu lado o tempo todo ou vai ficar em três salas de cirurgia ao mesmo tempo?”.
 
ÉPOCA - O sr. acredita que os hospitais podem reagir de forma positiva à pressão dos clientes?

 Silva -
Se o consumidor tiver consciência desses direitos e passar a exigir o cumprimento deles, o mercado responde. O mercado é capitalista. Antigamente, só havia carro ruim no Brasil. Quem aceita hoje pagar caro por um modelo sem cinto de segurança, airbag e tantos outros equipamentos? O consumidor ficou mais exigente. O mercado tomou consciência de que o cliente não aceitaria mais qualquer coisa. Na saúde, o nível de exigência do consumidor brasileiro ainda é muito baixo. Esse é o problema.
 
ÉPOCA - Em outros países, a discussão sobre os danos provocados pelos tratamentos de saúde é muito mais clara e direta?

 Silva -
Sem dúvida. Enquanto não temos sequer o registro dos eventos adversos (antigamente chamados de “erros médicos”), os americanos discutem isso há muito tempo e de forma transparente. Em janeiro, estive num evento sobre segurança do paciente em Irvine, na Califórnia. O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, estava lá e fez um discurso muito claro. Disse que o sistema de saúde americano mata mais gente de eventos adversos a cada ano do que o câncer de mama, o de próstata e o de pulmão. No final da década de 80, os eventos adversos eram a sétima causa de morte no país. Hoje é a terceira. São cerca de 400 mil óbitos por ano.
 
ÉPOCA - No Brasil, quando a família aponta um erro é comum o médico alegar que foi uma intercorrência. O que isso significa?

 Silva -
Antigamente, quando o paciente morria, os médicos diziam que ele não havia resistido à anestesia. Durante anos, essa era a desculpa clássica. Depois, passaram a dizer que o doente teve uma reação alérgica. Agora dizem que houve uma intercorrência. São eufemismos que a classe médica e os hospitais usam para dizer que um erro foi uma fatalidade. O cliente ouve essa desculpa e pensa: “Coitadinha da mamãe, ia mesmo acontecer isso com ela”.
 
ÉPOCA - Qual é a principal causa desses erros?

 Silva -
Quando fazemos uma análise de um evento adverso qualquer, encontramos o mesmo fato: de 60 a 70% deles ocorrem por falhas humanas. Ponto final. O índice é semelhante na indústria nuclear e na aviação. Só que na aviação, ocorre um acidente grave a cada 100 milhões de decolagens. Na saúde, temos muito mais que uma parada cardíaca provocada por um erro a cada 100 milhões de pacientes. O vice-presidente americano disse que as mortes por eventos adversos equivalem à queda de 33 a 37 Boeings por dia. Se a aviação convivesse com a quantidade de mortes provocadas por erros que temos na saúde, o sistema entraria em colapso. Nenhum avião seria autorizado a levantar voo. Enquanto isso, as cirurgias inseguras continuam acontecendo. Se nos Estados Unidos, a tragédia é desse tamanho, podemos imaginar que no Brasil o problema é bem mais grave. Calculamos que aqui ocorra uma parada cardíaca a cada 3 mil cirurgias. No Brasil, temos o dado de uma pesquisa realizada nos hospitais-escola. A média é de uma parada cardíaca ocorrida a cada 4 mil cirurgias. Em instituições que não são referência de ensino, o índice deve ser muito pior.
 
ÉPOCA - Por falar em ensino, como as falhas de formação médica comprometem a segurança dos pacientes durante a cirurgia?

 Silva -
A formação deficiente dos médicos e a falta de atualização são dois dos maiores problemas. Terminei a residência em anestesia em 1989. Se de lá para cá eu não tivesse feito nenhum curso, nenhuma atualização, ninguém iria me impedir de trabalhar. Nem os hospitais nem as entidades de classe como o Conselho Federal de Medicina me obrigam a prestar contas sobre os cursos que fiz durante todos esses anos. A quantidade de conhecimento produzida na área médica dobra a cada cinco anos. Muitas das coisas que aprendemos na faculdade e na residência vão cair no vazio. Deixam de ter sustentação científica. Se o médico passa 20 anos sem se atualizar, como ele pode continuar habilitado a trabalhar? Quem sofre é o paciente.
 
ÉPOCA - O Conselho Regional de Medicina de São Paulo divulgou na semana passada o resultado da prova aplicada aos médicos recém-formados no estado. Dos 2,9 mil novos médicos, 55% não acertaram mais 60% da prova de múltipla escolha. Uma pneumonia em bebê não foi diagnosticada por 67%. A formação dos anestesistas é igualmente ruim?

 Silva -
Os programas de residência, na grande maioria, estão dissociados da realidade. Alguns desses programas foram criados há 35 anos e nunca passaram por uma revisão. A parte teórica do programa de formação de especialista em anestesiologia cabe em três brochurazinhas. São três cadernos fininhos. O obrigatório é só isso. A parte prática é a chamada supervisão médica. Estou lá fazendo o meu procedimento e o residente fica olhando. Isso não atende às necessidades atuais da medicina porque hoje lidamos com pacientes mais idosos e fazemos procedimentos mais complexos.
 
ÉPOCA - O ensino médico brasileiro precisa passar por uma completa revisão, a exemplo do que aconteceu em outros países?

 Silva -
Sim e o quanto antes. Na década de 40, os Estados Unidos chegaram a ter mais de 400 escolas médicas. Era um descalabro. Fizeram uma ampla revisão no programa de ensino e fecharam mais de 50% das escolas. De lá para cá, a formação médica passou por quatro reformulações profundas nos Estados Unidos. No Brasil, não houve nenhuma desde a fundação da Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira do país, em 1808.

ÉPOCA - E a Fundação para a Segurança do Paciente? Qual será o papel dela?

 Silva -
Vamos levantar o problema no Brasil. Dar todas as informações, publicar os dados disponíveis. Quem se interna num hospital precisa saber, entre outras coisas, que erros de medicação são frequentes. Se um paciente passar sete dias internado, ele sofrerá, em média, de três a sete erros de medicação. Dose errada, horário errado, medicação que era para outra pessoa. Toda vez que alguém vier injetar alguma coisa na veia do paciente, ele precisa perguntar: “Que remédio é esse”, “Que dose é essa?”, “Tem certeza que é para aplicar na veia mesmo?” Quero colocar essas informações não apenas num site. Vou colocar em outdoors, dar visibilidade ao problema. Se o prefeito deixar, vou botar um letreiro na Avenida 23 de Maio para todo mundo ver. Vamos mostrar os casos de sucesso de hospitais brasileiros que conseguiram melhorar a segurança do paciente.
 
ÉPOCA - Com que dinheiro a Fundação será mantida?

 Silva -
Vamos receber doações de empresas e de pessoas físicas e garantir a transparência de todas as movimentações financeiras. Se gastarmos R$ 500 para comprar um computador, vamos ter nota fiscal. Tudo estará declarado no site para quem quiser checar. Vamos ver se assim conseguimos influenciar pessoas, melhorar as práticas nos hospitais e evitar tantas mortes. Se a sociedade civil se organizar, vamos conseguir.

DÚVIDAS SOBRE ANESTESIA? TEMOS AS RESPOSTAS

O que é anestesia ?
É um conjunto de medicamentos que geram um efeito de sedação no seu corpo, permitindo a ausência de dor e de outras sensações durante uma cirurgia ou exame. É importante dizer que esse resultado é obtido por meio de drogas que possuem efeitos colaterais.

Quais são os tipos de anestesias? Existem basicamente três tipos:
• Geral: usada em cirurgias mais longas, deixam o paciente totalmente inconsciente
• Regional: atinge apenas a região a ser operada, como no caso da ráqui, em uma cesárea
• Sedação: apresenta diferentes níveis de intensidade. Desde ficar acordado e tranquilo até profundamente sonolento. É usada em um exame de endoscopia, por exemplo.

Quanto tempo dura uma anestesia?
O tempo de duração de uma anestesia depende da necessidade do trabalho do cirurgião. Ou seja, o tempo suficiente para que seja feito o procedimento, permitindo também que o paciente não sinta dor no pós-operatório.

Quem aplica a anestesia?
O responsável pela anestesia é o médico anestesista. Ele é quem aplica a anestesia e também controla a sua pressão arterial, o seu ritmo cardíaco, a sua temperatura e outras funções orgânicas durante e após a cirurgia. Além de cursar seis anos da Faculdade de Medicina, esse médico precisa estudar mais três anos de especialização.

Quem pode esclarecer minhas dúvidas sobre anestesia?
Quem pode tirar as suas dúvidas sobre o procedimento é o médico anestesista, que é o profissional capacitado para esclarecer qualquer questão que não esteja bem entendida. Existem muitos mitos, histórias a respeito de anestesia. Por isso, procure o médico anestesista e tenha a informação correta para sua própria segurança.

Devo informar se uso algum medicamento, antes de uma cirurgia?
Sim. Qualquer tipo de medicamento, mesmo os chamados naturais, fitoterápicos ou homeopáticos. Eles parecem inofensivos, mas possuem efeitos anticoagulantes e, em caso de cirurgias, há riscos de ocorrerem sangramentos prolongados.

Há riscos envolvidos com a anestesia?
Sim. De modo geral, os riscos estão concentrados em dois momentos da cirurgia. No início, na chamada fase de indução da anestesia e quando o paciente é acordado. A incidência de situações adversas nessas etapas pode ser maior em razão do quadro clínico e do histórico do paciente. Daí a importância de uma consulta pré-operatória com o anestesista.

Há diferença de risco entre um paciente e outro?
Crianças e idosos constituem os grupos mais suscetíveis a complicações durante a anestesia. Por isso, recomendamos que as cirurgias nesses dois casos sejam feitas apenas em caso de real necessidade.

Em que momento devo consultar um médico anestesista?
Quando seu médico indicar uma cirurgia com data marcada, você deve procurar um médico anestesista em seu hospital. Analisando seu prontuário médico, ele também, se necessário, irá indicar exames e avaliará se o seu corpo está em condições de ser submetido a um procedimento cirúrgico. Essa consulta é muito importante. A avaliação de suas condições de saúde pelo anestesista contribuiu para o aumento da segurança da cirurgia.
 
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Polícia investiga envolvimento de 3º médico no Einstein


Fachada do Hospital Israelita Albert Einstein, localizado no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo (SP)


A investigação policial sobre a suspeita de dois cardiologistas do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, receberem pagamentos e favorecerem uma empresa fornecedora de próteses cardíacas avança sobre um terceiro médico e a existência de contas bancárias abertas em paraísos fiscais pelo grupo. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, os documentos entregues pela direção do hospital à polícia indicam uma espécie de sociedade entre os médicos Marco Perin e Fábio Sandoli Brito Júnior – denunciados pelo Einstein na semana passada – e o também cardiologista Alexandre Antônio Cunha Abizaid.
 
Em um dos e-mails corporativos recebidos pela polícia, os médicos discutem a divisão de recursos em partes iguais. “Se somarmos os 3 valores e dividirmos igualmente por 3, o total que cada um deveria receber seria de 141.470,00 reais”, diz trecho da mensagem obtida pela Folha. No entanto, não há informações no e-mail sobre qual seria a origem dos recursos mencionados.
 
Em outras mensagens, Perin (ex-chefe do centro de cardiologia do Einstein) indica suas contas bancárias para recebimento de repasse de pessoas ligadas à CIC Cardiovascular. “Carlos [nome do contador da CIC], pode colocar na minha conta, como sempre”, diz o médico em uma das conversas.
 

Paraíso fiscal

 
Entre as mensagens de e-mail trocadas entre o trio de médicos em 2012 está a tratativa para a abertura de uma holding no Reino Unido ou no Caribe com um suposto sócio da Suíça .Os médicos discutem valores e qual o melhor país para a instalação da holding, que seria, segundo as mensagens, uma espécie de guarda-chuva de empresas dos investigados.
 
A polícia está apurando se a empresa foi aberta ou não, já que essa informação não consta nos documentos recebidos. Os investigadores devem pedir a quebra de sigilo dos suspeitos. Se as transações internacionais se confirmarem, parte das investigações, que hoje está com a Polícia Civil –  deve ser repassada à Polícia Federal.
 

Linhas de investigação

 
Segundo policiais ouvidos pela reportagem de Folha, uma das linhas de investigação é saber se os médicos são sócios ocultos da fornecedora CIC –que tem como representante uma ex-enfermeira do Einstein. E, também, se criaram offshore no exterior para facilitar o recebimento de recursos.
 
O delegado responsável pelo caso disse à VEJA na semana passada que a polícia trabalhava com duas linhas de investigação: se houve a realização de cirurgias desnecessárias e se os médicos receberam pagamentos para favorecer a compra de stents da CIC Cardiovascular, fornecedoras supostamente envolvida no esquema. De 2012 a 2015 essa empresa teve aumento de 740% nas vendas de stents (tubos para regular o fluxo sanguíneo) para o Einstein.
 

Médicos negam

 
Como Brito Júnior e Perin, Abizaid é um renomado médico do Hospital Albert Einstein, além de ser diretor do hospital Dante Pazzanese, hospital público referência na cardiologia do país. Segundo ele, os valores discutidos referem-se a um empréstimo que ele e seus colegas fizeram empréstimo à Fátima Martins – ex-enfermeira do Einstein e sócia da CIC Cardiovascular – para ajudá-la a criar a empresa em 2012. A intermediação do financiamento, afirma, foi feita por Perin. “Ele perguntou quanto eu poderia emprestar.”
 
“Eu nunca me senti obrigado a usar determinado stent. Nunca na minha vida, você pode vasculhar, recebi benefício para usar um stent versus outro. Ou qualquer tipo de relação espúria”, afirmou.
 
Abizaid diz ter emprestado R$ 170 mil, divididos em 24 vezes, mediante pagamento de juros, “à pessoa física” de Fátima (e não à empresa) para não se envolver com a “indústria”. O médico não soube informar o valor exato do juros, dizendo que foram “juros mais ou menos dentro do mercado, ou talvez um pouquinho mais” – em torno de 2%/mês. Mas afirmou ter recebido R$ 250 mil da ex-enfermeira.
 
Embora tivesse de posse de uma série de documentos durante entrevista à Folha, o médico não apresentou cópia do contrato de empréstimo com Fátima.
 
Sobre a divisão de recursos com os colegas do Einstein descrita em e-mail (no valor de R$ 141.470), ele nega que tenha vindo de fornecedores. Disse que são recursos de procedimentos feitos no Einstein – com aval do hospital– em sistema que os pacientes pagam diretamente aos médicos. A divisão seria igualitária porque o trio forma uma espécie de sociedade informal para essas intervenções.
 
Em relação à intenção de abertura da holding, o médico disse que a empresa seria usada para receber por trabalhos internacionais, como palestras e consultorias, mas o projeto não vingou em razão de custos. Disse ainda que chamou Perin e Brito Jr. para o projeto por gratidão pelo emprego no Einstein, além da capacidade profissional de cada um.
 
O cardiologia Fábio Sandoli Brito Jr. preferiu não se pronunciar. Na semana passada, ele havia negado qualquer tipo de irregularidade. Marco Perin também não quis se manifestar. À direção do hospital, ele também disse ter emprestado recursos à CIC e afirmou que os repasses eram a devolução desse dinheiro. Fátima Martins não foi localizada.
 

Einstein

 
A assessoria do Hospital Albert Einstein informou em nota que “Abizaid continua a prestar serviços na área de cardiologia intervencionista sem ocupar cargo de liderança”.Sempre agindo com diligência e zelo pelo paciente, o hospital aguarda as conclusões da investigação policial para tomar outras eventuais providências, caso sejam necessárias”.
 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Paciente ou palhaço?

A maioria dos médicos ganha mal, trabalha demais e é pressionada a cumprir metas em condições desfavoráveis ou vergonhosas. Fazer piada dos doentes não é a solução
 
(Foto: Thinkstock/Getty Images)
 
Um colega de Brasília, sofrendo com o clima seco da cidade, procurou um hospital privado. Era uma daquelas instituições estreladas que podem descuidar de tudo, menos da decoração. Reclamou do incômodo no nariz e na garganta e saiu com uma receita. Só depois ele se deu conta de que alguma coisa estava fora do lugar.
 
Meu amigo passou por duas médicas sem que nenhuma tocasse nele. Nada de mandar abrir a boca, examinar a garganta, fazer um exame clínico minimamente razoável. Conversa rápida, receita e tchau. Sabemos que esse não é um caso isolado.
 
É uma lástima que os princípios básicos da medicina tenham saído de moda. Como diz o professor de clínica médica Antonio Carlos Lopes nesta reportagem, nada substitui a linha de raciocínio e o contato olho no olho, a conversa, a palpação bem feita, a ausculta cuidadosa. “A pior coisa da medicina é tecnologia de ponta nas mãos de médico ruim”, diz ele.

Não seria justo responsabilizar apenas os profissionais pela má qualidade da medicina exercida atualmente em grande parte no Brasil. A maioria dos médicos ganha mal, trabalha demais e é pressionada a cumprir metas em condições desfavoráveis ou vergonhosas.

Isso tudo é fato, mas o doente não tem culpa das distorções do sistema. Onde quer que esteja o paciente (no SUS, no serviço indicado pelo convênio, na clínica particular), ele merece ser atendido como gente e não como número. Merece qualidade e respeito – e não um nariz de palhaço.

Tenho curiosidade de entender em que ponto da formação e do percurso médico as boas intenções se perdem. Os garotos que ralam para passar num vestibular de medicina, as famílias que se esforçam para bancar longos e caros estudos, os bons professores universitários não investem tanto tempo e energia com o objetivo de fazer o mal ou de prestar um serviço de quinta categoria.

Claro que não. É bonito ouvir de um adolescente que começa a se interessar por medicina que ele escolheu a carreira porque quer aliviar o sofrimento humano e fazer o bem. Os calouros chegam à universidade, cheios de idealismo, e são deformados pelos maus exemplos ensinados por quem exerce o poder. Sabe a história do “manda quem pode, obedece quem tem juízo?”.

Esse aprendizado informal ajuda a moldar o tipo de médico que ele será. O debate sobre as consequências do chamado “currículo oculto” tem ganhado força nas melhores faculdades de medicina do mundo.

Um dos comportamentos vergonhosos, aprendidos e perpetuados nos cursos de medicina, é o hábito de rir dos pacientes. Um dos melhores estudos sobre o assunto foi realizado com 58 estudantes da Northeastern Ohio University. Os autores promoveram discussões em grupo para entender que tipo de paciente costuma ser alvo de chacota.

Os mais ridicularizados são os pacientes que sofrem de doenças que, para os desavisados, seriam resultado de falta de força vontade. Os obesos, os deprimidos, os fumantes...Durante a pesquisa, um dos estudantes americanos fez o seguinte comentário:

“Se estar naquela situação é culpa dele mesmo, então podemos tirar um sarro. Se alguém está andando na rua e é atingido por um carro, jamais faríamos isso.”

Os pesquisadores investigaram como os estudantes se sentem autorizados a fazer piada dos doentes. Quando um dos alunos explicou a regra, vários outros balançaram a cabeça em sinal de aprovação.
“Se o gelo foi quebrado por alguém que ocupa uma posição superior, então não há problema em dizer coisa alguma.” Ou seja: se a piadinha parte do residente, do preceptor ou do astro do pedaço, liberou geral.

Esse tipo de deformação do caráter precisa acabar. Os jovens médicos devem reconhecer que esse comportamento é inaceitável, ainda que ensinado informalmente pelos colegas mais experientes.

É o que o grupo do carioca Marco Antonio de Carvalho-Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vem conseguindo demonstrar com grande sucesso, como já contei nesta outra coluna.
Faz parte da natureza humana usar o humor para lidar com uma situação difícil. Os médicos enfrentam, todos os dias, enorme pressão física e psicológica. É compreensível que adotem esse recurso para suportar a carga emocional que outros profissionais não suportariam.

A arte está em saber se colocar no lugar de quem sofre. “Há uma diferença entre rir do paciente e rir com o paciente”, diz Carvalho-Filho. “Sou muito brincalhão. Outro dia eu estava conversando com uma paciente sobre as metas do tratamento dela. Fiz uma piada e acabamos rindo juntos daquela situação”, afirma.

Incluir o paciente na brincadeira, nas situações em que isso for aceitável, é uma forma de não perder de vista o limite entre a graça e a grosseria. “Está na raiz do nosso samba”, diz Carvalho-Filho. “A letra é triste, mas a melodia é alegre.”

Nariz de palhaço? Só se for no Carnaval.
 
 

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Paciente com braço amputado por falha em serviço médico será indenizado





O juiz Airton Pinheiro, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Natal, condenou o Estado do Rio Grande do Norte ao pagamento de indenização a título de danos morais, no valor de R$ 20 mil e a título de danos estéticos no montante de R$ 20 mil, a uma cidadã em razão de falha na prestação do serviço médico fornecido pelo Estado. As quantias serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.

A paciente informou na ação judicial que, em 27 de janeiro de 2011, foi internada no Hospital Santa Catarina, em razão de estar acometida por pneumonia. Afirmou, ainda, que a partir do 6º dia de internação começou a queixar-se de fortes dores no braço esquerdo, pensando ser decorrente da excessiva aplicação de soro glicosado (cerca de 30 bolsas), no entanto, o médico informou que deveria ser um problema cardíaco, encaminhando-a para a realização de uma ressonância.
 
Com o resultado, os médicos alegaram que havia ocorrido a formação de um coágulo advindo do coração. Em continuidade, alegou que após a realização de um eletrocardiograma, verificou-se que estava tudo normal, não existindo qualquer problema cardíaco, no entanto, as dores continuaram e aumentaram o que levou a autora a ser transferida para o Hospital Walfredo Gurgel, onde, diante da situação já avançada em que se encontrava, teve que amputar o seu braço esquerdo.
 
Assim, a autora da ação atribui a perda do seu membro à negligência médica, uma vez que teriam sido ministrados de forma intravenosa uma média de 30 bolsas de soro glicosados e mesmo diante dos relatos de grande dor e escurecimento da pele do braço esquerdo nada foi feito em relação a esse problema no Hospital Santa Catarina, tendo chegado no Hospital Walfredo Gurgel já em estágio avançado, perdendo a possibilidade de "salvar" o membro.
 
Quando analisou os autos, o magistrado verificou realmente ficou comprovado que a paciente foi internada no Hospital Santa Catarina em 27 de janeiro de 2011, com diagnóstico de pneumonia, tendo sido transferida para o Hospital Walfredo Gurgel no dia 07 de fevereiro de 2011, em razão da detecção de ausência de circulação adequada em seu braço esquerdo, oportunidade em que, devido ao estado já avançado em que se encontrava a obstrução de sua artéria umeral, submeteu-se a cirurgia de amputação do membro.
 
Da análise dos prontuários médicos referentes ao atendimento realizado no Hospital Santa Catarina, o juiz percebeu que consta nos dados de enfermagem anexados aos autos foi relatado já no dia 01 de fevereiro de 2011 falta de movimento na mão esquerda, seguindo-se nos dias 03, 05 e 06 daquele mês a descrição do aparecimento de edemas, hematomas e cianose no membro superior esquerdo.
 
“No mais, encontra-se demonstrado, igualmente, o dano indenizável pela perda de uma chance e o nexo causal, uma vez que o diagnóstico precoce da oclusão arterial é fator determinante para a possibilidade de reversão do quadro ou, pelo menos, minoração das sequelas”, concluiu.
 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Agressão sexual e racismo na sala de cirurgia

Uma revista médica americana decidiu revelar dois crimes cometidos contra pacientes anestesiadas em hospitais universitários. A onda de sinceridade chegará ao Brasil?
 
 
 
 
O que fez a revista científica Annals of Internal Medicine, do Colégio Americano de Medicina, ao receber o relato de dois crimes horríveis (agressão sexual e racismo) cometidos contra pacientes anestesiadas em hospitais universitários?
 
Cedeu ao corporativismo médico e recusou o texto, sob o argumento de que ele mancharia a reputação da categoria? Varreu o artigo para o fundo da gaveta e os crimes para baixo do tapete? Nem uma coisa nem outra.
 
Depois de uma intensa discussão, os editores decidiram checar a história e publicar, na semana passada, o corajoso ensaio  produzido por um professor.
 
O título não poderia ser melhor: “Nossos segredos de família”.  Para evitar a exposição das pacientes, dos estudantes e dos profissionais envolvidos, a publicação optou por omitir os nomes verdadeiros. Se os casos serão investigados e punidos, é uma questão para a justiça.
 
Para os médicos responsáveis pela revista, o mais importante é abrir a discussão sobre modelos negativos de comportamento. Numa profissão extremamente hierarquizada, eles tendem a deformar o caráter e a prática dos futuros médicos. É uma discussão da maior relevância. 
 
Ainda que os casos relatados sejam exceção, eles precisam ser conhecidos. Acompanhe comigo:
Um aluno de medicina entrou numa sala de cirurgia para assistir a uma remoção de útero (histerectomia) numa universidade americana. O cirurgião responsável preparava a vagina da paciente para o procedimento. Com uma pinça estéril, mergulhou bolas de algodão em um antisséptico. Técnica correta. Comportamento desprezível.

Enquanto o médico limpava e esfregava os lábios vaginais e a face interna das coxas, ele olhou em direção ao aluno, deu uma piscadinha e disse:
“Aposto que ela está gostando disso”. Em seguida, caiu na gargalhada.

A covardia desse abuso sexual de uma paciente anestesiada só veio à tona porque um professor de humanidades propôs uma reflexão inusitada aos estudantes do quarto ano de medicina.

Numa aula sobre a virtude do perdão, ele perguntou se algum dos estudantes precisou perdoar alguém por uma experiência vivida no contexto clínico ou se alguém ainda não havia conseguido perdoar.

Silêncio constrangedor. O professor voltou à mesa, sentou na cadeira e, propositalmente, contemplou a paisagem através da janela. Sem pressa.

Depois de uma longa espera, um dos alunos tomou coragem e disse que algo imperdoável acontecera com ele. Contou a história bizarra acima e desabafou: “Estava lá apenas tentando aprender”, disse.
“O cara era nojento. Isso ainda me incomoda.”
O professor prosseguiu:
“Quando o cirurgião fez aquilo, você também riu?”
O aluno confessou:
“Sim, eu ri, mas o que você queria que eu fizesse?”, disse. “Alguma vez você esteve numa situação como essa?”

Em vez de posar de baluarte da ética e do bom comportamento, o professor revelou que ele próprio havia presenciado algo semelhante quando estava no terceiro ano de medicina.

Tudo aconteceu no departamento de obstetrícia, onde ele tinha acabado de ajudar a fazer um parto. A garotinha nasceu e ele mesmo a colocou nos braços da mãe, uma imigrante hispânica. Retirou a placenta, colocou num recipiente e viu que ela estava intacta.

Ao voltar-se para a paciente, desesperou-se com o sangue que jorrava pela vagina. Chamou o médico responsável. Ele veio rapidamente e observou que não havia nenhuma laceração no períneo. Colocou a mão sobre o abdome e começou a massagear o útero. O sangramento continuava.

O médico concluiu que a mulher estava sofrendo de atonia, uma condição grave, muitas vezes fatal, em que o útero não consegue contrair adequadamente suas fibras musculares.

Rapidamente, o obstetra determinou que a mulher fosse anestesiada e recebesse drogas para conter o sangramento. O estudante e outro colega foram instruídos a manter bem abertas as duas pernas da paciente.

Foi quando o médico colocou a mão esquerda dentro da vagina e começou a pressionar o útero. Apoiou a outra mão sobre o abdome e massageou o útero energicamente entre as duas mãos.

Funcionou. Depois de alguns minutos, ele sentiu o útero contrair e endurecer. “Isso, menina. Assim é que eu gosto. Um útero bem apertado”, disse o médico. Depois de toda a tensão, ele havia conseguido salvar a paciente. O estudante estava encantado.

O deslumbramento durou pouco. O obstetra ergueu a mão direita e, com a mão esquerda ainda dentro da vagina, começou a dançar e a cantar “La Cucaracha”, uma referência ofensiva à origem latina da paciente. O aluno começou a rir e cantarolar com ele.

Até que o anestesista, enojado, gritou: “Parem com isso, seus idiotas!”

Depois da aula em que relembrou o episódio, o professor decidiu que era hora de quebrar o silêncio. Escreveu o artigo e o encaminhou para publicação. No editorial que acompanha o artigo, Christine Laine, editora-chefe do Annals of Internal Medicine, afirmou:
“Se esse ensaio encorajar um único médico a agir como o anestesista, já terá valido a pena publicá-lo”, disse. “Todos nós precisamos ter a força necessária para chamar nossos colegas de ‘idiotas’ quando esse rótulo for apropriado. Devemos isso a nós mesmos, à nossa profissão e especialmente aos nossos pacientes”.       

Quando veremos um mea culpa tão maduro quanto esse ser publicado no Brasil? Quebrar o silêncio em torno das humilhações e dos abusos cometidos contra os pacientes é obrigação de todos os médicos que honram a profissão.
 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O médico que ousou afirmar que os médicos erram – inclusive os bons

Em livro de sucesso, recém-lançado no Brasil, o neurocirurgião inglês Henry Marsh afirma que os médicos são confiantes em excesso. E que cabe aos pacientes desmistificá-los
 
 
O neurocirurgião inglês Henry Marsh. “Não é porque você cometeu um erro que é mau médico.
 É sinal de que é um ser humano” (Foto: Simon Clark)
 
 
Em um mesmo dia, o neurocirurgião Henry Marsh fez duas cirurgias. Operou o cérebro de uma mulher de 28 anos, grávida de 37 semanas, para retirar um tumor benigno que comprimia o nervo óptico a ponto de ser improvável que ela pudesse enxergar seu bebê quando nascesse. Em seguida, dissecou um tumor do cérebro de uma mulher já na casa dos 50 anos. A cirurgia era mais simples, mas a malignidade do tumor não dava esperanças de que ela vivesse mais do que alguns meses. Ao final do dia, Marsh constatou que a jovem mãe acordara da cirurgia e vira o rostinho do bebê, que nascera em uma cesárea planejada em sequência à operação cerebral. O pai do bebê gritara pelo corredor que Marsh fizera um milagre. A seguir, em outro quarto do mesmo hospital, Marsh descobria que a paciente com o tumor maligno nunca mais acordaria. Provavelmente, ele escavara o cérebro mais do que seria recomendável – e apressara a morte da paciente, que teve uma hemorragia cerebral. O marido e a filha da mulher o acusaram de ter roubado os últimos momentos juntos que restavam à família.
 
É esse jogo entre vida e morte, angústia e alívio, comum à vida dos médicos, que Marsh narra em seu livro Sem causar mal – Histórias de vida, morte e neurocirurgia (nVersos, R$44,90), lançado nesta semana no Brasil. Para suportar essa tensão, Marsh afirma que uma boa dose de autoconfiança é um pré-requisito necessário a médicos que fazem cirurgias consideradas por ele mais desafiadoras do que outras. Não sem um pouco de vaidade, Marsh inclui nesse rol as operações cerebrais, nas quais seus instrumentos cirúrgicos deslizam por “pensamentos, emoções, memórias, sonhos e reflexões”, todos da consistência de gelatina.
 
Ainda que a confiança seja o ingrediente que permite a médicos como Marsh enfrentar o cotidiano angustiante, é o excesso dela, diz o neurocirurgião, que faz com que os médicos cometam erros – esse um assunto tabu entre a classe. Saber reconhecê-los e não cair na tentação de atribuí-los à natureza da doença é o melhor caminho para se tornar um médico melhor. Nesse percurso, alguns pacientes inevitavelmente sofrerão e se tornarão mais uma lápide no cemitério mental que todo cirurgião carrega. “É preciso seguir adiante”, disse Marsh, de 66 anos, em entrevista a ÉPOCA de sua casa em Oxford, onde passa os finais de semana depois de operar no St George’s Hospital, em Londres, durante a semana. Na Festa Literária de Paraty, a Flip, que começa nesta quarta-feira (29), ele lança o livro que já fez sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Leia a entrevista a seguir.
  
ÉPOCA - Ao ler seu livro, sem saber como se desdobraria cada caso narrado, fiquei angustiada como se estivesse lendo um livro de suspense. Como o senhor consegue conviver com essa sensação diariamente?

Henry Marsh - Escrevi o livro como se fosse um thriller porque essa é a realidade de meu trabalho. Quando acordo pela manhã, não sei o que acontecerá até o final do dia. Não sei se o paciente estará vivo ou morto, se terá morte cerebral. É preciso ter uma certa confiança. É muito difícil ser médico se você não for confiante. Mas não pode ser muito confiante. Tem de haver um equilíbrio.
  
ÉPOCA - O excesso de confiança pode fazer com que o médico cometa erros?

Marsh - Sim, você pode tomar as decisões erradas. Minha experiência sugere que, normalmente, os erros são feitos antes de entrar na sala de cirurgia. Se uma operação dá errado, pode ser porque você errou ao decidir se deveria fazer a cirurgia ou errou na decisão de como ela deveria ser feita. Não é porque sua mão escorregou ou algo do tipo. Você acha que é melhor do que é, pensa que a operação seria mais fácil. Por outro lado, se não fizer as operações mais arriscadas, como poderá se aperfeiçoar? A tragédia da medicina é que os médicos aprendem, como tudo na vida, errando. E, se erramos, os pacientes sofrem.
  
ÉPOCA - Para os pacientes, é muito difícil pensar que o médico pode errar. Para nos sentirmos seguros, não há outra solução senão ver o médico como um superherói, como o senhor diz?

Marsh - Os pacientes precisam ser um pouco mais céticos. Precisam questionar mais os médicos. Eu entendo que seja muito difícil perguntar: “Quantas operações desse tipo você já fez?”. Os pacientes ficam relutantes porque acham que estão sugerindo que não confiam no médico. O problema é que ter essa postura mais cética é assustador. Se você tem uma doença séria e tem de confiar sua vida a alguém, é mais fácil pensar que essa figura é meio como um Deus.
 
ÉPOCA - Com a internet ficou mais fácil de os pacientes terem acesso a informações sobre sua doença e possíveis tratamentos e podem questionar mais o médico. Mas os médicos estão preparados para ser questionados?

Marsh - Muitos médicos se sentem intimidados. Médicos que operam, como os neurocirurgiões, fazem cirurgias perigosas. Nós não gostamos de pensar que algo pode sair errado. Mas um bom médico não se sente intimidado pelo paciente que faz perguntas inteligentes. Precisamos ser confiantes e otimistas, mas também autocríticos. A verdade é que é muito difícil encontrar esse equilíbrio e ser um bom médico. As pessoas acreditam que é uma questão de ter mãos firmes. Isso é uma bobagem. Mãos firmes não são o problema, e sim como tomar decisões: se você deve operar, como deve operar.
 
ÉPOCA - Mas tem de ter mão firme, não? Enquanto o senhor descrevia em seu livro hemorragias cerebrais causadas por seu bisturi, que colocavam em risco o paciente, eu ficava pensando como era possível estancar o sangramento sem que as mãos tremessem.

Marsh - É claro que você tem de ter habilidade com as mãos. Mas você não treme, porque não tem outra opção. Se não conseguir, não pode ser um cirurgião. Nós nos tornamos cirurgiões justamente porque achamos excitante fazer cirurgias arriscadas. O perigo é atraente. Ficamos ansiosos porque queremos que o paciente fique bem logo.
 
ÉPOCA - Quanto do sucesso e do fracasso está nas mãos do médico?

Marsh - Depende. Se você estiver fazendo uma cirurgia simples, de correção de uma hérnia ou para retirar nódulos mamários, as chances de que algo dê errado são muito pequenas. Se você estiver operando o cérebro, que é incrivelmente delicado, vulnerável e que não se recupera facilmente como outras partes do corpo, o risco é muito alto. Parte importante da cirurgia cerebral é se o tumor está ou não grudado ao cérebro ou se separa facilmente. Isso está além de meu controle, é questão de sorte ou azar.
 
ÉPOCA - Como o senhor sabe se cometeu um erro ou se uma intercorrência foi um desses azares, decorrentes da característica natural do caso?

Marsh - É preciso ser honesto com você e com o paciente. Perguntar-se se faria alguma coisa diferente se tivesse de fazer a mesma cirurgia novamente. Não é porque você cometeu um erro que é mau médico, é sinal de que é um ser humano. Bons médicos cometem erros. Quando cometemos um erro e o paciente sofre um dano, a maioria dos médicos sente uma vergonha profunda. É horrível e doloroso. É o preço a ser pago pelos sucessos.
 
ÉPOCA - Como o senhor lida com os erros que cometeu?

Marsh - Como todos os cirurgiões, eu me lembro de meus erros mais do que de meus sucessos. Mas é preciso aceitar que cometemos erros. Se você deixar os erros o incomodarem demais, você não consegue fazer o trabalho. É preciso seguir adiante. Quando era mais jovem, ficava péssimo por muitas semanas. Conforme fui envelhecendo, sinto-me mal geralmente por dias ou algumas semanas. É a realidade do trabalho. Inevitavelmente, se você faz cirurgias perigosas, causará dano a alguns pacientes. É por isso que comecei o livro com uma frase do cirurgião francês René Leriche [1879-1955], que diz que todos carregamos um cemitério e, conforme os anos se passam, o cemitério fica maior e maior.
 
ÉPOCA - O senhor já foi processado por algum paciente por erro?

Marsh - Já falei para alguns pacientes ou para a família deles me processar. Meus advogados não ficaram muito contentes. Enfrentei quatro processos. Tenho uma clínica muito grande, então não é um número muito ruim. Em um dos casos, a família do paciente desistiu porque eu não seria culpado. Nos outros três, declarei-me culpado e não me defendi. Como tenho seguro, ele paga à família uma indenização, mas eu não fui punido criminalmente.
 
ÉPOCA - Um médico precisa ser objetivo e racional para tomar decisões e lidar com os erros de maneira que isso não impeça seu trabalho. Mas também tem de ser profundamente humano para entender os pacientes e confortá-los. É possível ser objetivo e humano ao mesmo tempo?

Marsh - Esse é outro equilíbrio difícil de alcançar: encontrar distanciamento profissional e compaixão. O mais importante é o médico ser honesto. Nós não queremos assustar o paciente. Queremos dar esperança, mas também temos de ser realistas. São problemas que todos os médicos têm, independentemente de onde trabalham, se é em um país rico ou pobre, independentemente de tecnologia. São problemas éticos, não técnicos.
 
ÉPOCA - Os médicos têm dificuldade de se colocar no lugar do paciente?

Marsh - Não sei que tipo de médico eu seria se meu filho, quando era um bebê de 3 meses, não tivesse tido um tumor cerebral. Ele foi operado, o tumor se mostrou benigno e ele ficou bem, mas quase morreu. Muito cedo em minha carreira, tive essa lição dolorosa, mas muito útil de como é ser um pai desesperadoramente ansioso, assustado. Essa experiência me fez muito mais simpático a meus pacientes e a suas famílias. Quando os médicos são jovens, saudáveis, eles não entendem o que os pacientes estão passando. Muitos dizem que depois que ficam mais velhos e se tornam pacientes se dão conta de que nunca tinham realmente entendido o que os pacientes haviam passado.
 
 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Cúpula da cardiologia do Einstein cai por suposto esquema de próteses

Dois médicos que comandavam o Centro de Intervenção Cardiovascular do hospital de São Paulo, um dos mais conceituados do país, foram afastados após denúncias de que têm relações “espúrias” com empresa fornecedora de próteses cardíacas
 
 
 
 
A suspeita da existência de um esquema envolvendo a máfia das proteses não se restringe ao Distrito Federal. Em São Paulo, dois médicos do Hospital Albert Einstein, um dos mais conceituados do país, foram denunciados anonimamente à polícia por ligação “espúria” com uma empresa fornecedora de próteses cardíacas e acabaram afastados da unidade. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
Os médicos denunciados, Marco Antonio Perin e Fábio Sandoli de Brito Júnior, estão entre os principais nomes do país na área cardiológica e comandavam juntos o Centro de Intervenção Cardiovascular do Einstein até junho deste ano.
 
De acordo com um comunicado do hospital, as  denúncias traziam “diversas provas sobre o envolvimento espúrio” dos dois especialistas com fornecedoras de próteses cardíacas, entre elas, a CIC Cardiovascular, que tem como sócia Fátima Martins, enfermeira do Einstein nos anos 1980 e que, em 2012, criou essa empresa.

Uma investigação interna aberta logo após as denúncias analisou os e-mails corporativos e detectou repasses de dinheiro para contas de profissionais feitos por pessoas ligadas a essa fornecedora. De acordo com as investigações, os contatos ocorriam ao menos desde 2012, via repasse de recursos, de viagens e presentes.
 
Foi possível verificar que Marco Antonio Perin teria recebido da CIC Cardiovascular mais de R$ 200 mil e Brito Júnior, R$ 100 mil. Além disso, uma apuração interna detectou um aumento de 541% na compra de stents farmacológicos nos anos de 2012 e 2013 e identificou ainda uma “clara preferência” dos médicos pelos produtos fornecidos pela CIC.
 
O caso foi levado à polícia para que seja investigado se os médicos determinaram a realização de implantes desnecessários de próteses, apenas para alavancar os lucros da fornecedora e receber comissões por isso. Porém, ainda não há nenhuma prova de que isso tenha ocorrido.
 
Os médicos denunciados negam terem cometido irregularidades. À reportagem da Folha de S. Paulo, Brito Júnior afirmou que se tratava de um “assunto antigo” já esclarecido com a direção do hospital. “Não tenho absolutamente nada a ver com isso. Nunca recebi nada (de fornecedor).” Já Perin disse que ele e mais dois médicos emprestaram dinheiro a uma amiga, sócia da CIC, e que o valor foi devolvido por depósitos.
 

Pacientes sofrem na hora de tentar remediar erros médicos

Para ter reparação, maioria das vítimas precisa enfrentar longos processos judiciais
 
Raul do Amaral Defino perdeu um filho de 24 anos porque não foi corretamente
 diagnosticado  com o vírus H1N1 - Edilson Dantas / Edilson Dantas

 
RIO - Em setembro do ano passado, a técnica em enfermagem Elysangela Monteiro fez uma cirurgia de apendicite, no Hospital Geral da Unimed, em Belém. Era para ser um procedimento relativamente simples, mas deixou marcas permanentes. Segundo ela, durante a cirurgia o médico comprimiu um nervo, o que teria causado uma doença chamada dor neuropática crônica.
 
Os erros médicos ganharam as manchetes dos jornais em fim de janeiro, quando 18 pacientes ficaram cegos após operação de catarata, em São Paulo. As investigações preliminares sobre o mutirão, que atendeu 27 pessoas, constataram falhas na limpeza do material cirúrgico.
 
O advogado especialista em Direito à Saúde, Rodrigo Araújo, diz atender cada vez mais vítimas de erros médicos e acredita que este aumento está intimamente ligado à falta de médicos. Afirma que os erros ficaram mais frequentes após a grande adesão aos planos de saúde, que ocorreu entre os anos 2000 e 2014. Ele diz que os médicos passaram a atender muito mais pacientes em um tempo menor, o que pode aumentar a chance de erros.
 
Elysangela precisou fazer mais duas cirurgias e, ainda assim, sente dores em várias parte do corpo. Para aliviá-las, precisa tomar 14 remédios por dia e usa um cateter para receber medicação intravenosa. Os efeitos colaterais dos medicamentos causaram transtornos mentais, que levaram Elysangela a ser internada numa clínica psiquiátrica.
 
DIAGNÓSTICO TARDIA
 
O caso de Daniel Delfino, filho do psicólogo Raul Defino teve um desfecho ainda mais trágico. De acordo com o pai, em 2009, o jovem recebeu um diagnóstico errado, não teve tempo de se tratar adequadamente e morreu, aos 24 anos de idade. Em julho daquele ano, durante pandemia do vírus H1N1, que hoje amedronta novamente os brasileiros, Daniel foi atendido no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e diagnosticado com uma gripe comum. Ele retornou mais duas vezes ao hospital com o quadro clínico cada vez mais grave.
Após ser submetido a alguns exames, foi constatado “indício de pneumonia”. O médico, então, manteve os medicamentos prescritos no primeiro atendimento, somados a anti-inflamatório e antibiótico. Daniel permaneceu no hospital as primeiras 12 horas e foi informado que seu plano de saúde, da Associação Beneficente dos Empregados em Telecomunicações (Abet), não cobriria a sequência do atendimento porque ele estava em período de carência contratual. A família, então, decidiu transferi-lo para outro hospital como paciente particular, onde foi constatada a suspeita de a gripe ter sido causado pelo vírus do H1N1. Mesmo com todos os esforços da equipe médica, o estágio da doença estava muito avançado e Daniel não resistiu.
 
O laudo do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo concluiu que houve demora excessiva no diagnóstico, o que comprometeu a efetividade do tratamento. Passados sete anos, o processo de indenização ainda corre na Justiça.
 
— Meu filho era um jovem cheio de projetos, tinha acabado de se formar em Administração e planejava cursar engenharia. Não há dinheiro que repare essa perda, mas quero justiça — diz Delfino.
O Hospital Sírio-Libanês afirma que o atendimento ao paciente seguiu o protocolo oficial vigente, e que os cuidados necessários foram prestados de acordo com as determinações do Ministério da Saúde. Já o plano de saúde Abet informou que Daniel foi atendido pela rede credenciada em quatro dias diferentes, submetido a diversos exames, todos autorizados. Quanto à internação, a operadora diz que foi opção dos familiares transferir o paciente para outro hospital, mas não informa se autorizou ou não a permanência do paciente no hospital.
 
O advogado Rodrigo Araújo explica que quando ocorre um erro médico, o paciente ou a família pode recorrer à Justiça para pedir reparação e denunciar o médico ao Conselho Regional de Medicina. Os pedidos variam caso a caso, mas é possível pleitear, judicialmente, indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes. Em alguns casos, pode-se requerer pagamento de pensão.
 
Pedro Lopes Leite, advogado da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Abradecont), explica que, em se tratando de hospitais públicos, além da unidade, o paciente pode processar o município, o estado ou a União, dependendo do responsável pela gestão.
 
ERRO SÓ QUANDO HÁ NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA
 
Os especialistas aconselham que, antes de qualquer ação, a vítima tenha em mãos os laudos de exames anteriores e posteriores ao evento que caracterizou o suposto erro. Um documento essencial é o prontuário médico, e sua entrega é um direito do paciente que o hospital não pode negar. Mas o insucesso de um tratamento não necessariamente caracteriza erro médico, alerta Araújo: este somente ocorre quando for demonstrado que o médico agiu com negligência, imprudência ou imperícia.
 
Para especialistas, via de regra, erros médicos são uma fatalidade, um fato imprevisível. E dizem que a única forma e evitar é buscar médicos ou hospitais de confiança. A advogada especialista em Direito à Saúde, Renata Vilhena, aconselha consultar o Tribunal de Justiça para ver se o profissional escolhido responde a algum tipo de processo.
 
Após também ter sido vítima de um erro médico, a advogada Célia Destri fundou a Associação de Vítimas de Erros Médicos (Avermes), no Rio de Janeiro, para ajudar pessoas carentes que passaram por situações parecidas com a dela. Em 1990, em uma cirurgia de cisto de ovário, ela ficou em estado grave e acabou perdendo o rim esquerdo. A Avermes atendeu mais de mil casos, até o fim do ano passado, quando encerrou as atividades.
 
— Já estou com quase 70 anos, com problemas de saúde e sem condições de lidar com atribulações o tempo inteiro. Abrimos o caminho para que outras unidades pudessem surgir e fazer um trabalho com o mesmo objetivo.
 
Sobre o caso de Elysangela, a Unimed Belém informou que não pode detalhar a situação clínica em que a paciente deu entrada no Hospital Geral da Unimed, bem como a conduta médica utilizada, em razão do sigilo determinado pelo Conselho Federal de Medicina. A operadora afirma que os médicos empregaram todos os meios e técnicas adequadas de acordo com o que a prática médica recomenda, e nega que tenha havido qualquer erro médico. Entretanto, disse que adotará as medidas para melhor apurar os fatos. No caso do mutirão das cataratas, o Ministério Público de São Paulo informa que foi instaurado inquérito civil para apurar as causas e consequências do procedimento.