Silenciar o termo prejudica o conhecimento e a prevenção de práticas que desrespeitam direitos conquistados, relacionam profissionais e especialistas da área
A violência obstétrica é uma fronteira entre a dor
natural do parto e o sofrimento. Parece difícil separar um e outro, dor e
sofrimento; principalmente, quando não se tem o conhecimento sobre o
que ultrapassa aquilo que é natural. Desrespeito à autonomia e ao corpo
da mulher configura a violência obstétrica, divisa a obstetriz
(enfermeira obstetra) Juliana Mesquita: "Pode ser física, verbal,
psicológica, a negligência".
Em busca de denúncias formais, O POVO entrou
em contato com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), a
Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e as secretarias da Saúde do
Estado e do Município. Não há registros específicos. Apenas uma
denúncia de violência obstétrica, por meio do "Disque 180", tinha sido
recebida pelo MPCE, no último dia 27 de maio, e seguia o devido
encaminhamento.
Mas relatos e relatos se encontram entre gestação,
parto, pós-parto e "no atendimento ao abortamento" quando se fala sobre
"lavagem intestinal, ameaças, gritos, chacotas, piadas, omissão de
informações, condutas excessivas ou desnecessárias" - reconhece o
Ministério da Saúde (MS), no Blog da Saúde (http://twixar.me/c9pn); em
contraposição, por meio de um despacho no dia 3 de maio deste ano, o
próprio MS orienta abolir o termo "violência obstétrica".
A prática é antiga. "Somos filhas das mulheres que
sofreram essa violência", reconhece Juliana Mesquita. A mãe da obstetriz
era parteira há 30 anos e já relatava esses casos. Mas o termo, demarca
Juliana, só foi reconhecido na última década, a partir da pesquisa
"Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado", da
Fundação Perseu Abramo, que revela: 1 em cada 4 mulheres sofre violência
obstétrica.
"Aos poucos", diz a obstetriz que também já presenciou
algum tipo de violência obstétrica, cada mulher tem acesso a informações
que combatem a violação de direitos conquistados: "Sabe o que pode
acontecer e o que não pode, ela pode dialogar". Silenciar o termo é
frear o conhecimento e o próximo passo até políticas públicas e leis
necessárias, entendem especialistas. E as distâncias são longas. Em
rodas de conversas com gestantes, no bairro Passaré (SER VI), a doula e
estudante de medicina Geísa Santana ouve relatos de "medo da dor" e de
violências obstétricas silenciadas: "Todas carregavam histórias de
gestações anteriores ou de familiares que sofreram partos traumáticos,
mas não davam esse nome. E entendiam que esses maus tratos eram do
parto. Que parir era assim mesmo".
Ao lado de outras profissionais, todas percorrem as
questões do nascer, nos inúmeros sentidos. E chegam até à fronteira
entre dor e sofrimento. "A dor do parto não significa sofrer. E a gente
tenta explicar, tratar da anatomia das mulheres, do parto, para
desmitificar as informações que escutam", diferencia Geísa.
O conhecimento sobre violência obstétrica "precisa
chegar nas mulheres, nos órgãos, precisa ser discutido", dialoga
Isabelle Pinheiro Maciel, doula e bacharel em direito. Ela avalia, por
exemplo, que o judiciário entende a violência obstétrica como erro
médico, "mas é muito maior porque constitui violência de gênero".
Ao acompanhar gestantes, a doula convive com as
"violências perfeitas, veladas com aquele véu da ajuda". Para Isabelle,
que engravidou na adolescência "e na adolescência não tinha voz nem
vez", a humanização do parto é realizada com uma "medicina baseada em
evidências científicas, equipe multidisciplinar e autonomia materna".
Documento
Elaborar um plano de parto e "ter um
acompanhante empoderado", capaz do apoio necessário, cita a obstetriz
Juliana Mesquita, contribui para a prevenção da violência obstétrica. As
escolhas precisam ser feitas com conhecimento entre pacientes e
obstetras, recomenda a doula e bacharel em Direito Isabelle Maciel. É
ainda importante buscar informações seguras.
Onde denunciar
Ouvidoria-Geral do SUS: 136 (ligação
gratuita) ou por formulário na internet
(http://saude.gov.br/saude-de-a-z/ouvidoria-do-sus). Os hospitais das
redes estadual e municipal e da rede particular também recebem denúncias
por meio de suas ouvidorias.
Central de Atendimento à Mulher: 180.
Ministério Público do Estado do Ceará: rua Assunção, 1.100, José Bonifácio.
Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará: avenida Pinto Bandeira, 1.111, Luciano Cavalcante.
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