É preciso colocar um ponto final nessa situação trágica que afronta o ético exercício da medicina e a dignidade humana. Para tanto, torna-se fundamental o compromisso político de assumir a responsabilidade por medidas que não rendem placas ou solenidades, mas melhoram a qualidade do atendimento
PORTO VELHO – Em janeiro de 2011, uma equipe do Jornal Nacional (TV Globo) desembarcou em Porto Velho para mostrar a situação do Hospital João Paulo II, o maior de Rondônia. Na época, logo na chegada à unidade, a reportagem se deparou com uma situação bizarra: a sala de espera, onde as pessoas deveriam esperar sentadas pelo chamado do médico, havia sido transformada numa enfermaria precária, com pacientes deitados pelo chão aguardando por uma vaga para internação.
Dor, agonia, desespero e sentimento de humilhação que se espalhavam pelos corredores de um estabelecimento que recebe centenas de novos pacientes por dia e ainda hoje é a principal referência para os moradores do interior rondoniense ou mesmo de outras regiões, como o sul do Amazonas, do Acre e até da Bolívia.
As cenas foram tão impactantes que o Governo do Estado decretou calamidade na saúde. O pedido de socorro que foi bater nas portas dos Ministérios da Saúde, da Defesa e da Integração Nacional. As promessas de ajuda federal e de melhoria da gestão foram veiculadas, mas, desde então, quase nada mudou no João Paulo II.
As poucas melhoras foram paliativas, pois continuam a faltar leitos, medicamentos e insumos. Sem condições de trabalho, com vínculos precários e salários abaixo das exigências e responsabilidades, há carência de recursos humanos. Em janeiro desse ano, a unidade contava com apenas 310 médicos e 844 profissionais de outras da saúde.
Permanece a longa espera por atendimento, assim como a transformação de corredores em enfermarias improvisadas onde a falta visível de condições coloca em risco a saúde de quem, às vezes, balança no pêndulo que oscila entre a vida e a morte.
Relatos de quem conhece as entranhas do João Paulo II, que informa no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) a existência de 187 leitos de internação, apontam problemas nos cuidados oferecidos a pacientes no pré-operatório alocados em áreas de passagem e em camas sem segurança.
Há casos em que pacientes que se recuperam de cirurgias ficam em locais inadequados, expostos ao Sol e à chuva, sem a supervisão de profissionais de saúde e nenhum equipamento de controle das funções vitais. Ressalte-se que no estabelecimento, entre 2010 e 2017, foram realizados 13.902 procedimentos cirúrgicos, conforme dados do Ministério da Saúde.
Também preocupa o risco elevado de transmissão de infecções hospitalares, pois a atenção à higiene está comprometida. Testemunhas contam ainda ver pessoas deixando o centro cirúrgico com a roupa usada nos procedimentos, o que não é recomendável, e assistem acompanhantes compartilharem o mesmo leito hospitalar com seus parentes.
É preciso colocar um ponto final nessa situação trágica que afronta o ético exercício da medicina e a dignidade humana. Para tanto, torna-se fundamental o compromisso político de assumir a responsabilidade por medidas que não rendem placas ou solenidades, mas melhoram a qualidade do atendimento e a consequente percepção dos moradores sobre os serviços oferecidos.
Nesse processo saneador são ações esperadas o aumento do número de leitos de internação e de UTI na unidade e a realização de concurso público para médicos especialistas (sobretudo, anestesistas, ortopedistas, neurologistas e cirurgiões gerais) e outros profissionais da saúde, com remuneração compatível e condições de trabalho garantidas.
Também urgem a melhoria dos sistemas de triagem no Hospital, dando prioridade aos casos graves e de alta complexidade, e a modernização da gestão hospitalar – nas áreas administrativa, técnica e clínica -, com repercussões na contratação de pessoal e em processos de compras de medicamentos e insumos.
Para desafogar a demanda crescente, propõe-se a instalação de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) vinculada ao João Paulo II para o acolhimento de emergências ambulatoriais e a criação de centros regionais de atendimento, com infraestrutura adequada para internação e realização de cirurgias eletivas de menor complexidade, como forma de descentralizar a assistência no Estado.
Ao seguir adiante com propostas desse tipo para recuperar um dos maiores hospitais da região, os gestores do Estado estarão dando esperança de dias melhores para os que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). A isso podemos dar o nome de resgate de cidadania para os mais de 1,8 milhão de moradores de Rondônia.
HIRAN-GALLO
*Diretor Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina; doutor e pós-doutor em Bioética
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