quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

MP investiga conselhos de saúde por indícios de corrupção e pagamento de 'mensalinho'

Em Ação Civil, órgão quer acabar com esquema de controle Estadual e Municipal que se perpetuam há pelo menos 11 anos no poder. Caso foi denunciado em 2016

Foto: Evandro Seixas

O Ministério Público Estadual (MP-AM) quer acabar com esquema de controle dos conselhos Estadual e Municipal de Saúde, por parte de um grupo, que vem se perpetuando no poder há pelo menos 11 anos, com indícios de omissão decorrente de atos de corrupção e pagamento de “mensalinho” para seus membros, além da existência de contratos realizados com empresas pertencentes a conselheiros em nome de “laranjas”.

O caso foi denunciado em maio de 2016 pelo presidente do Instituto Amazônico da Cidadania (Iaci), Luis Odilo. Segundo ele, os dois conselhos são omissos em efetivamente fiscalizar as atividades que são implantadas pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (Susam) e Secretaria Municipal de Saúde (Semsa).

Na denúncia, o Iaci afirmou que o então presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Gilson Aguiar, também era vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES) e que ele e outros membros se alternavam entre os conselhos para se manter no poder.

Em Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra o Conselho Municipal de Saúde (CMS), apresentada no dia 21, a promotora titular da 58ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Saúde Pública, Silvana Nobre, pede a intervenção do Poder Judiciário para determinar que o CMS edite a resolução do processo eleitoral para o triênio 2018-2020, cuja escolha deverá ser por meio do voto direto, escrito e secreto. A eleição está agenda para o dia 15 de março deste ano.

“Tem conselheiro que está lá desde 2001, alguns estão há dez anos, outros fazem parte do CES e do CMS ao mesmo tempo, o que para o MP-AM é uma incompatibilidade, podendo em determinado momento gerar até conflito de interesse. Todo esse esquema era comandado pelo Gilson Aguiar. Em ambos os conselhos toda a direção dos trabalhos era feita por ele, então era o cabeça. E no CES, como o presidente ainda é o secretário de Saúde, ele era o vice-presidente. Ele sempre esteve nas duas frentes, com o objetivo de pressionar, não pela fiscalização, mas pela ameaça do “Tu não faz o que eu quero, vou te fiscalizar!”, era mais ou menos assim”, relatou a promotora à reportagem.

De acordo com a Ação, uma das formas que alguns conselheiros encontraram para se manter nos cargos após cumprir dois mandatos, mudar de bairro, e concorrer por outra zona.

Após o MP-AM conceder prazo de dez dias para que Gilson Aguiar adotasse providências, no dia 24 de abril, ele informou à promotoria que estava deixando os cargos de presidente do CMS e de vice-presidente do CES.

“Depois de sair do CMS, o Gilson criou pelo menos mais duas associações encomendadas para concorrer nessa (próxima) eleição”, afirmou Silvana.

O vice-presidente do CMS, Dartanhã Gonçalves da Silva, também ocupava cargo do CES. A promotora concedeu o mesmo prazo para ele, que então comunicou sua saída do conselho estadual.

Foi concluído inicialmente, de acordo com a promotora, que o CMS, não vinha desempenhando suas atividades inerentes à fiscalização da execução dos serviços de saúde, situação impulsionada por vários fatores, dentre os quais: falta de legitimação de diversos conselheiros para compor o colegiado; conflito de interesses do estado e município; ocupação simultânea dos CMS e do CES; falta de transparência no processo eleitoral; falta de publicidade dos atos praticados, entre outros.

Sem limite para novos mandatos

Sem limite para novos mandatos Causou estranhamento ao MP-AM o fato de que os cargos em conselhos não possuem remuneração e Gilson Aguiar, então presidente do Conselho Municipal de Saúde e vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde, possuir patrimônio incompatível. “Encaminhamos ao procurador-geral de Justiça (Fábio Monteiro) a parte referente à área penal, ante a possível ocorrência de patrimônio incompatível com o exercício do cargo, pagamento de propina a conselheiros, contratos celebrados com empresas pertencentes a conselheiros e etc. Na audiência com o MP-AM ele declarou os bens que possuía, mas que estão no nome da mulher, o carro pertence a outra pessoa”, disse Nobre.

De acordo com a promotora, o decreto municipal n° 3.838, de 10 de outubro deste ano, foi confeccionado pelos conselheiros e regulamentado pelo prefeito de Manaus, Artur Neto (PSDB), com o foco de legitimar a permanência de conselheiros que brigam para se perpetuarem na função, sem a limitação de dois mandatos, o que possibilita, com o aval do chefe do Executivo Municipal, mandatos ininterruptos. “O decreto acabou com a vedação deles só poderem cumprir um mandato de um ano com direito a uma recondução pelo mesmo espaço de tempo. Então tudo é feito já dentro de um cenário. Os grupos que estão lá vão poder ficar. Muita esperteza”, criticou a promotora.

Órgãos de controle

Os conselhos de Saúde municipal e estadual são órgãos de controle social protagonistas dos processos de gestão do SUS, suas missões se iniciam na participação do planejamento da política pública da saúde, e se estende até a fiscalização da sua execução. O poder de deliberar dos Conselhos de Saúde funciona como instrumento para compatibilizar as decisões políticas e as necessidades dos diversos grupos sociais. Deveriam ser instrumentos através dos quais a sociedade participaria da gestão da saúde pública.

Ampla defesa

Em face da ação movida pelo Ministério Público contra os conselhos de saúde, a Justiça estadual deu prazo de 72 horas para que os representantes das instituições se manifestassem a respeito das denúncias para garantir o exercício da ampla defesa e do contraditório. O prazo já expirou.

Conselhos

O presidente do Instituto Amazônico da Cidadania (IACi), Luiz Odilo, atribuiu o problema à “apatia” dos conselhos.

“E essa apatia dos conselhos estadual e municipal também é muito ruim, porque os conselhos são órgãos de instrumento de controle muito importantes, principalmente em relação ao modelo de saúde. Eles são mais importantes que a ALE, que a CMM, porque são um órgão consultivo e deliberativo, então tudo tem que passar por eles, tudo é aprovado por eles. Aí temos conselheiros com 10, 12, 13 anos de mandato e ainda descobrimos que alguns  estão podres de ricos, com mansões, carros importados, com vários viveiros de tambaqui. E eu pude perceber que alguns conselheiros não querem, inclusive, mudar o modelo de eleição. Eles não querem mudar, por exemplo, um artigo onde diz que só diretores de uma entidade representativa da sociedade é que pode votar, isso é brincadeira! Tem que votar é todas da comunidade. E se eles não fiscalizam os contratos, os dois conselhos de saúde devem ser processados e responsabilizados por esses convênios eivados de erros. Isso também vai chegar neles, esperamos por isso”, disse.

Análise de Cleiton Maciel, doutor em Sociologia

A assim chamada “Nova República” construiu um pacto nacional que vigorou durante os últimos 25 anos. Esse pacto estabeleceu-se sob duas formas primordiais de poderes “republicanos”: o poder parlamentar e o poder executivo. E o poder da justiça? Este funcionou como um poder “puxadinho” desses outros dois, sendo embalado pelos seus movimentos, e tendo pouca ou quase nenhuma autonomia de poder. Entrementes, o desenvolvimento social, fruto (inesperado?) da Constituição de 1988, forja uma sociedade civil que passa a exigir novas demandas não atendidas pela classe política. Passa-se a buscar a concepção de uma Novíssima República, que é uma questão nacional e local. No local, observam-se atores sociais que buscam dinamitar a Velha República, e outros que vinham ou vêm dela sobrevivendo: secretários estaduais, ex-governadores ou mesmos conselheiros de saúde. É o que as investigações da justiça estão revelando: que as filas nos SUS cresceram na proporção em que as contas bancárias dos gestores públicos também aumentaram. A reprodução deste tipo de habitus agora está colocado em xeque, tanto em Brasília quanto em Manaus. Daí a importância da divulgação, pelas imprensa, desses maus caminhos, e o acompanhamento atento da população em relação à condenação dos culpados. O xeque mate no velho sistema ou a sua perenização dependerá disso.


A Crítica

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