domingo, 26 de fevereiro de 2017

Funcionários confirmam que remédio errado matou fotógrafa, diz delegado

Delegado diz que técnica de enfermagem se confundiu com medicamento.
Paciente tratava disfunção renal e sofreu convulsões e parada cardíaca.
 
A fotógrafa Zélia Lúcia Barbosa Moreira passava por tratamento de pulsoterapia
 (Foto: Reprodução/Facebook)
 
Funcionários da Santa Casa de Franca (SP) prestaram depoimento à polícia e, segundo o delegado responsável pelas investigações, afirmaram que uma troca de medicamentos causou a morte de uma fotógrafa em janeiro deste ano. Zélia Lúcia Barbosa Moreira foi até a unidade de saúde para ser submetida a um tratamento para disfunção renal quando sofreu convulsões e uma parada cardiorrespiratória.
 
A paciente estava na unidade no dia 25 de janeiro deste ano e aguardava a realização de uma pulsoterapia, tratamento que consiste na ministração de altas doses de medicamentos em um curto período de tempo. A terapia foi indicada para controlar a doença de Berger, que é autoimune e prejudica o funcionamento dos rins.
 
Segundo familiares, Zélia foi internada por um dia para receber o medicamento intravenoso por seis horas seguidas. A cada 3 horas, uma enfermeira injetava outra substância para tentar diminuir os efeitos colaterais. O tratamento já estava no fim quando uma técnica de enfermagem aplicou duas injeções na mulher, que segundo o filho dela, começou a relatar mal-estar e, logo depois de receber as medicações, sofreu a parada cardiorrespiratória.
 
 
Frasco de medicação foi apreendido pela Polícia
Civil durante investigação (Foto: Reprodução/ETPV)
As equipes médicas da Santa Casa foram mobilizadas e tentaram ressuscitar a vítima, que acabou morrendo minutos após a injeção ter sido aplicada. Segundo o delegado Luiz Carlos da Silva, alguns funcionários foram chamados para prestar depoimento e confessaram que houve uma troca de remédios.
 
“Os depoimentos foram muito bons, muito proveitosos. Confirmaram que deram a medicação errada para a fotógrafa e por consequência ela faleceu. Eles confessam isso e quem aplicou foi uma técnica de enfermagem. A prescrição foi correta, mas ela pegou o frasco errado. Tem muitas coisas ainda para apurar e o inquérito deve demorar para ser finalizado, mas as investigações seguem”, explica.
 
O depoimento relatado pelo delegado confirma as suspeitas dos familiares de Zélia, que já haviam dito que uma troca de medicamentos teria sido o que levou a paciente a óbito. No boletim de ocorrência registrado pelo hospital, consta que a paciente recebeu 10 mililitros de cloridrato de ropivacaína, um anestésico usado em centros cirúrgicos e que não pode ser aplicado por via intravenosa, no lugar de mitexan, um antitóxico.
 
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância para apurar a conduta dos médicos que prestaram atendimento à mulher. Além disso, O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) afirma que também investiga a conduta da técnica de enfermagem responsável pela aplicação do remédio, mas informou que a apuração seguirá sob sigilo processual, previsto em lei.
 
O G1 entrou em contato por telefone, celular e e-mail com a assessoria de imprensa da Santa Casa de Franca para apurar se a profissional indicada como possível responsável pelo erro continua trabalhando no local, mas não obteve um retorno até a publicação desta reportagem.
 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Jovem tem braço amputado após tomar injeção em hospital de PG

Caso aconteceu no Irmã Dulce. Henrique dos Santos, de 22 anos, estava internado desde o começo do mês
 
Henrique um dia antes de receber a notícia de que
teria o braço amputado (Foto: Arquivo Pessoal)
 
 
paciente que apresentou necrose da mão após tomar injeções no Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande, teve parte do braço amputada. Henrique dos Santos, de 22 anos, estava internado desde o começo do mês, após procurar a unidade de saúde para tomar um medicamento utilizado em um tratamento psiquiátrico.
 
O procedimento para remoção de parte do membro, na altura do cotovelo, ocorreu na última sexta-feira (17), como medida preventiva para salvar a vida do rapaz. "Os médicos disseram que ele poderia morrer, por conta da infecção que chegou até o osso. Não tinha mais como salvar o braço. O médico disse que em tantos anos de profissão nunca havia visto um caso desse", diz a mãe do rapaz, Fabiana Amaro dos Santos.
 
Ainda em recuperação, Henrique segue internado no hospital, na ala psiquiátrica. Depois da amputação, Henrique teria fugido da unidade hospitalar de madrugada, sendo encontrado em um pronto-socorro localizado a cerca de 10 km de distância de onde estava internado.
 
"Encontraram (familiares) ele no PS da Nova Mirim. Aí trouxemos ele de volta para o Irmã Dulce. Ele não está bem, fica confuso e não sabe dizer direito o que aconteceu, se recebeu alta para sair ou se fugiu mesmo. Desde que começou esse problema no braço ele só chora, é muito triste tudo o que está acontecendo", afirma a mãe.
 
Reação imediata
 
Momentos após a aplicação da injeção, o braço do rapaz ficou inchado e dolorido, conforme relatou à Reportagem o pai do rapaz, Ângelo dos Santos.
 
As enfermeiras, então, colocaram nova medicação no acesso instalado no antebraço, sem explicar ao paciente e ao acompanhante o que estava sendo aplicado, ainda segundo Ângelo. Depois desse novo remédio, o braço começou a ficar roxo.
 
Na ocasião, sem apresentar nenhuma melhora, os médicos decidiram por operar o jovem no dia 4 de fevereiro. Após a cirurgia, o membro começou a inchar e a perder a sensibilidade da mão e dos dedos, que já não se moviam.

Máxima prioridade 

A Tribuna On-line entrou em contato com a assessoria de imprensa da Fundação ABC, responsável pelo hospital. O órgão informou que três medidas administrativas foram implantadas para esclarecer o atendimento dado ao rapaz desde o momento em que deu entrada no hospital. 
 
De acordo com a Fundação ABC, uma sindicância interna foi aberta e o caso é tratado com prioridade máxima. Além disso, há dois processos administrativos em andamento: um na Comissão de Ética Médica e outro na Comissão de Ética de Enfermagem.

Ainda em nota, a Fundação afirma que o paciente, no momento em que deixou o hospital, "encontrava-se agressivo" e ao ser levado de volta à unidade pela mãe, no dia seguinte, foi internado novamente na ala cirúrgica. "Posteriormente, devido ao quadro clínico apresentado, precisou ser transferido para a ala de psiquiatria, onde permanece em tratamento e acompanhamento até o presente momento".
 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Privacidade e respeito na medicina

Qualquer que seja a situação, o direito à privacidade e sigilo de informações são propriedades do paciente e cabe aos profissionais de saúde zelar por isso
 
O cirurgião Raul Cutait
 
 
Doentes, todos ficamos em vários momentos de nossas vidas! Doenças mais simples ou mais complexas; doenças fáceis de tratar, ou não; doenças que nos afastam de nossas atividades pessoais ou profissionais, ou não. O fato que é que cada um deve resolver como compartilhar essa situação com seus familiares, amigos, colegas de trabalho e, no caso de pessoas com exposição pública, com a sociedade em geral.
 
Qualquer que seja a situação, o direito à privacidade e ao domínio das informações deve ser sempre entendido como propriedade do paciente e, quando este não puder se manifestar, de seus familiares. Do ponto de vista ético, cabe aos médicos e demais profissionais de saúde, assim como aos hospitais, zelar pelo respeito à privacidade do paciente. Isso é um dogma! As informações pessoais às quais, por sua função, estes têm acesso, devem sempre ser encaradas como sigilosas.O que ocorreu nestes dias com Marisa Letícia é inaceitável. Ninguém poderia divulgar exames e, pior ainda, nenhum médico poderia fazer comentários desairosos sobre uma paciente, independentemente de quem quer que seja. Imaturidade de jovens médicos? Querer dar uma de bacana para seus coleguinhas de whatsapp? Incompreensão da ética médica? Desvio de caráter? Qualquer que seja a leitura, não cabe esse comportamento em alguém que fez o juramento hipocrático. Convicções políticas, religiosas, étnicas e quaisquer outras não podem jamais entrar na pauta!

Esse episódio me faz refletir sobre o que nos espera pela frente como sociedade. A avalanche de escolas médicas que vêm sendo abertas de maneira irresponsável, sem levar em conta que não existem professores suficientes para proporcionar a devida formação para profissionais que terão sobre seus ombros a responsabilidade de cuidar da saúde das pessoas, é o prenúncio de que, cada vez mais, teremos médicos colocados no mercado de trabalho sem o adequado preparo técnico e, talvez pior, sem a formação humanística e ética imprescindíveis para o exercício da medicina.
 
Finalmente, um comentário sobre as redes sociais. Diferentemente da imprensa escrita, elas tudo aceitam e têm um poder quase que incontrolável de machucar e ofender pessoas. Mentiras ganham cara de verdades; fotos e vídeos engraçados rotulam pessoas muitas vezes de forma pejorativa. É fato que todos têm o direito de usar essa nova mídia para informação e diversão, mas sem irresponsabilidade. Sem fazer mal para quem quer que seja. Hoje você agride, talvez amanhã poderá ser sua vez de ser agredido.
 
* Raul Cutait é professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e cirurgião do Hospital Sírio-Libanês.
 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Que espécie de médico as escolas brasileiras estão formando?



Professores e alunos, em 1916, em livro sobre a história dos estudantes de medicina da USP


A divulgação da tomografia e de dados sigilosos do diagnóstico da ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, seguida de mensagens de ódio de médicos, resultou em duas sindicâncias no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), demissão de dois doutores e muita confusão nas redes sociais.
 
Muitos médicos condenaram as atitudes antiéticas de colegas e o ódio partidário manifestado em mensagens. Mas vários outros, em grupos fechados no Facebook, defenderam os acusados e o direito de expressar o ódio aos petistas.
 
O episódio chocou muita gente. Como pode um médico desejar e até incitar a morte de alguém? E os princípios éticos de "exercer a medicina sem discriminação de nenhuma natureza", "guardar absoluto respeito pelo ser humano e atuar sempre em seu benefício" e "guardar sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções"?
 
A verdade é que o "episódio Marisa", além de trazer à tona um lado abjeto da polarização política que o país vive hoje, expôs uma ferida que precisa de tratamento urgente: a formação médica. Afinal, que espécie de médico as escolas médicas estão formando? Os conteúdos éticos e humanistas têm sido contemplados como indissociáveis à boa prática clínica?
 
Um recente texto da "Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares" jogou um pouco de luz nessa questão. Compartilho com vocês abaixo:
 
*
"Na trajetória da formação de um médico no Brasil, vamos sendo submetidos aos poucos, em doses homeopáticas, a abusos e absurdos. Seja em um ambulatório de ginecologia na faculdade onde dez estudantes fazem o toque vaginal na mesma paciente –'é para que eles aprendam, diz o professor à paciente'. Seja em um plantão de pronto-socorro onde se aprende a tratar os pacientes de um jeito e os 'bandidos' de outro: sem analgésicos, tratados sem o mínimo de empatia e manejados com força desproporcional, como se aqueles que estão ali para cuidar da vida humana quisessem sentir o gosto de "revidar" o mal que supostamente fez o cidadão.
 
Aprendemos a aceitar que receber trotes violentos 'faz parte', pelo simples fato de que nos próximos cinco anos poderemos 'descontar' nos próximos calouros. Aprendemos que fazer plantões ilegais em pequenas cidades no interior, nos passando por médicos, não tem problema, afinal, se não fossem estes cidadãos altruístas, quem atenderia os pobres coitados?
 
Aprendemos a ficar calados com os abusos que passamos na residência médica, desde cargas horárias excessivas até assédio moral dos preceptores. Aprendemos a ouvir calados os impropérios de chefes dos serviços em nome de manter um bom ambiente de trabalho. Tudo isso para 'engrossar a casca', dizem. Com todo esse aprendizado, nos parece que a resiliência é a maior habilidade desenvolvida pela nossa categoria, afinal, se formam muitos médicos e médicas éticos, humanos e comprometidos com a vida.
 
O episódio do vazamento dos exames da ex-primeira-dama traz à tona essas questões. As tomografias de Marisa Letícia percorreram vários grupos de WhatsApp, de São Paulo para todo o país, e foram recebidas da forma mais natural possível, como se fosse algo corriqueiro receber no celular exames de um paciente que não está sob seus cuidados. Discutir casos com a equipe do próprio hospital nesses grupos, no qual todos são obrigados ao sigilo médico e com o intuito de elucidar diagnósticos, é uma coisa.
 
Mas, neste caso, a quebra do sigilo médico foi notória. O pior é que alguns dos que vazaram o exame não o fizeram com o intuito de discutir um caso clínico, mas sim para tripudiar em cima do sofrimento humano. Não há polarização política que justifique atos como esse.
 
Nestes momentos, nossa categoria fica exposta, na berlinda, com nossos pacientes se perguntando: "Será que isto acontece comigo?". De forma absolutamente estarrecedora, nos deparamos com comentários de indivíduos que nunca deveriam ter se formado médicos, que não possuem o mínimo de humanidade e ética. Infelizmente é preciso lembrar que há mais destes prestes a se formar, e que é preciso fazer alguma coisa, em nome daqueles que exercem a medicina de forma digna e principalmente em nome de nossos pacientes."
*
A sociedade precisa urgentemente se envolver na discussão da formação médica, do ponto de vista ético e técnico. Há dez anos, o provão do Cremesp vem reprovando quase metade dos recém-formados nas escolas médicas paulistas. Muitos jovens médicos desconhecem o diagnóstico ou tratamento adequado de casos básicos e problemas de saúde frequentes.
 
O fraco desempenho dos alunos é explicado por vários fatores, entre eles a estrutura deficiente das faculdades, a péssima avaliação interna dos alunos e a falta de punição às escolas ruins. O governo federal sabe quais são as faculdades de baixa qualidade, mas pouco ou nada faz para impedir que elas continuem despejando no mercado maus profissionais.
 
A iniciativa do Cremesp tem apoio de empregadores e do governo do Estado de São Paulo, mas não encontrou eco no resto do país. Nem mesmo entre nós, sociedade, que estamos assistindo a isso tudo calados, como se não fôssemos as vítimas em potencial desses "doutores". 
 
Claudia Colluci
 
 
 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Laudo revela: menino que morreu após cirurgia de amígdala teve estômago perfurado

Pais de Leonardo Felipe da Silva suspeitam de erro médico. Polícia pediu apoio da Promotoria de Saúde para concluir inquérito. CRM abriu sindicância
 
Família de menino morto após cirurgia de amígdala pede justiça.
 Foto: Arquivo familiar
 
A família do pequeno Leonardo Felipe da Silva, 2 anos e 7 meses, busca por justiça. A criança teve uma parada cardíaca e morreu horas depois de uma cirurgia de amígdala e adenoide no Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia (IPO), em Curitiba. O laudo divulgado pelo Instituto Médico-Legal (IML) na última quarta-feira (8), ao qual a Tribuna teve acesso, revoltou ainda mais os pais da criança, pois afirma que o estômago do menino foi perfurado.
 
Leonardo fez a cirurgia no dia 24 de novembro de 2016. Conforme o pai, o menino vinha dormindo mal e, por morarem em Paranaguá, no litoral do Paraná, a família foi orientada a procurar o IPO, em Curitiba, pelas referências do hospital. “O médico que nos atendeu falou que precisávamos operar rápido o meu filho e marcou a cirurgia para dez dias depois”, conta Rogério Nilton da Silva.
 
Segundo o pai, todos os procedimentos pedidos pelo médico foram feitos. “No dia, ele não queria de forma alguma ser operado. Chorava, estava triste, parecia que estava percebendo que algo ruim iria acontecer com ele. Mas como era importante e estava tudo marcado, nós demos sequência e ele foi operado”.
 
A operação foi feita pela manhã. Ao sair da sala de cirurgia, Rogério disse que a mãe do menino, que é enfermeira, percebeu que a criança estava mole e um pouco diferente. “Mas disseram a ela que era normal, que estava tudo bem e que eles podiam voltar para a casa”, relata o pai. Mãe e filho saíram do hospital por volta das 13h e foram para a casa dos avós maternos da criança.
 

Piora no quadro

 
Mais tarde, a mãe começou a se assustar porque o filho não melhorava e não conseguia nem comer. “Ela procurou o hospital e eles disseram que era normal. Que deveria esperar, que ele melhoraria. Quando eu cheguei em Curitiba, ele já estava muito pior e falava que doía muito a barriga. Dava pra ver que o Leonardo não estava normal”.
 
Como tinha que voltar para Paranaguá, Rogério foi embora, mas quando chegou em casa, recebeu uma ligação. “Por volta das 21h, me disseram que meu filho tinha sofrido uma parada cardíaca e eu voltei”. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionada pela família, mas o menino não resistiu.
  

Desviando atenções

 
Segundo Rogério, logo que a equipe do Samu constatou o óbito, foi feito o contato novamente com o IPO e a família recebeu a orientação de que levassem o corpo do menino ao hospital. “Quando chegamos lá, o médico disse que poderia dar o atestado de óbito lá mesmo, que se levássemos o corpo ao IML o nosso filho iria ser aberto. Eu fui incisivo e disse que queria saber o que tinha acontecido com meu filho e que, por isso, ele iria sim para o IML”.
 
Enquanto estavam no Instituto Médico-Legal, pai e mãe receberam a orientação de procurar a Polícia Civil. “Nós percebemos que alguém estava tentando nos enganar. Fomos atrás da polícia, registramos o boletim de ocorrência na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e as investigações começaram naquele momento”.

Investigações

 
O boletim de ocorrência feito na DHPP foi encaminhado à Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Decrisa), que passou a investigar a morte. Depois de 75 dias, o laudo do IML saiu e foi aí que a família se indignou. “Pra nós, isso foi a confirmação do que já sabíamos: nosso filho foi vítima de um erro médico”, diz Rogério.
 
O laudo afirma que a morte de Leonardo Felipe da Silva foi provocada por perfurações do estômago com peritonite aguda, uma espécie de infecção intra-abdominal generalizada. Ainda conforme o IML, um instrumento pérfuro-contundente teria causado a perfuração no garoto.
 
Desde o dia em que a denúncia foi feita, conforme apurou a Tribuna, o delegado responsável ouviu testemunhas, instaurou inquérito policial, mas as investigações ainda não estão finalizadas. De acordo com a Polícia Civil, o inquérito foi encaminhado para a Promotoria da Saúde, que possui um corpo médico especializado e também deve ajudar a avaliar a situação.
 
A decisão tomada pelo delegado faz com que, caso seja necessário, a promotoria também solicite encaminhamentos e diligências nas investigações. Conforme a Polícia Civil, as investigações estão avançadas, mas a Decrisa aguarda os trâmites judiciais, para que o inquérito seja devolvido e depois concluído.
 

Sindicância


Após tomar conhecimento pela imprensa do óbito de Leonardo, o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) abriu uma sindicância para apurar a conduta médica. “A sindicância tramita em segredo, conforme previsto no Código de Processo Ético-Profissional, e está em andamento. Havendo indícios de infrações éticas, é instaurado o respectivo processo. O CRM-PR informa que os documentos sobre o caso que forem apresentados pelas partes envolvidas ao Conselho serão anexados à sindicância e analisados por esta Casa”, explicou, em nota enviada à Tribuna.
 
Em nota oficial encaminhada ao jornal, o hospital IPO informou que o laudo do IML não aponta qualquer irregularidade no procedimento cirúrgico e, diante desta constatação, está tomando as medidas cabíveis para esclarecer o fato.
 
“Meu filho ninguém vai trazer. Pode até parecer clichê dizer, mas o que nós queremos é que a justiça seja feita. Não vamos desistir. Quem fez isso, tem que pagar”, fala Rogério. A família também pretende acionar a Justiça.
 
 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Paciente de Campinas vive 4 anos com gaze esquecida na barriga

Em Socorro, jovem também passou pela mesma situação durante o parto.
Mulher morreu após compressa não ser retirada em cesárea semana passada.
 
 
 
Há uma semana a morte de uma mulher de Nova Odessa (SP) chocou a região. Depois de uma cesária, a equipe que fez a cirurgia esqueceu uma compressa dentro dela. Cerca de 10 dias depois, ela passou mal e não resistiu. No entanto, casos como esse não são tão raros. O médico conselheiro do Cremesp admite que em algumas situações erros assim acontecem.
 
Em Campinas (SP), uma paciente viveu quatro anos com uma gaze que foi esquecida na barriga durante uma cesárea em um hospital particular. Já em Socorro (SP), uma jovem teve uma compressa que não foi retirada pelos médicos quando deu à luz de parto normal ao primeiro filho.
 
 
Paciente viveu com gaze esquecida na barriga por 4 anos
 (Foto: Reprodução/ EPTV)
 
4 anos

 A dona de casa Cláudia Vicinança viveu quatro anos com uma gaze esquecida na barriga após uma cesárea em um hospital particular de Campinas. Ela sentia muitas dores, mas conta que só descobriu o problema quando resolveu ter um segundo filho.
 
"Eu sentia que eu tinha algum problema. Eu sentia muitas dores, eu me sentia mal. Eu não tinha uma vida normal. O médico que procurei era especialista em reprodução e disse 'não vou te enganar', você não tem mais condições de poder ter outro filho", relembra.
 
Cláudia conta que o estrago que o erro médico trouxe em sua vida nunca será esquecido. "A gente nunca esquece. A gente não consegue superar porque a gente fica com sequelas. Errar acontece, mas são muitos erros", desabafa.
 
O médico que atendeu a Cláudia perdeu uma ação na Justiça, teve que indenizar a paciente, mas continua trabalhando.
 
Muita dor

Já o caso da estudante Daiana Oliveira aconteceu há seis anos em Socorro, em um hospital público.
Ela conta que desconfiou que algo estava errado após o nascimento do filho porque sentia muita dor. "Eu sentia muita dor e febre, só que eu cheguei a achar que eram os pontos, não que era uma compressa", afirma.
 
Ela procurou ajuda em um posto de saúde e a enfermeira percebeu que havia algo estranho e conseguiu retirar, mas por causa das complicações teve que tomar vários antibióticos. "Eu não pude amamentar meu filho, que é um momento que é único na vida da gente. Você vai ter um filho e não imagina que vai passar por tudo isso", desabafa.
 
O médico que fez o parto da Daiane ainda responde na Justiça e por enquanto, continua trabalhando.
 
Procedimento

 As compressas feitas de gaze normalmente são usadas em grandes cirurgias para estancar sangramentos. Mas para que nada seja esquecido dentro do paciente, o Ministério da Saúde tem um protocolo que diz que todos os instrumentos e materiais devem ser contados antes e depois do procedimento.
 
Mesmo assim o médico conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) Renato Françoso admite que em alguns casos erros acontecem. "Infecções importantes dentro da cavidade abdominal, pacientes obsesos, de grande dificuldade de acesso cirúrgico são essas situações que podem muitas vezes não justificar, mas explicar porque esses instrumentos foram deixados", conclui.
 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Mais da metade dos médicos recém-formados é reprovada em exame do Cremesp

Escolas públicas tiveram piora no desempenho, com 37,8% dos reprovados. Nas instituições privadas, 66,3% dos alunos foram reprovados.
 
 
 
Mais da metade dos recém-formados em escolas médicas do Estado de São Paulo foi reprovada no Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) 2016. De acordo com o conselho, dos 2.677 participantes, 56,4% (1.511) não alcançaram a nota mínima porque só acertaram menos de 60% das 120 questões da prova.
 
Em 2015, o índice de reprovação foi menor: 48,1%. Os organizadores do exame apontam que o resultado corrobora a tendência histórica. “Com exceção do Exame de 2015, nos últimos 10 anos o índice de reprovação ficou acima de 50%, ou seja, neste período, mais da metade dos novos médicos entra no mercado de trabalho sem ter conhecimentos básicos de situações cotidianas do atendimento médico. É preciso que as escolas médicas promovam melhorias nos métodos de ensino e imprimam mais rigor em seus sistemas de avaliação”, afirma Bráulio Luna Filho, diretor do Cremesp e coordenador do Exame.
 
Segundo o Cremesp, as escolas privadas tiveram maior percentual de reprovação que os cursos públicos. "No entanto, houve aumento importante de reprovação em comparação ao Exame de 2015 entre os egressos das instituições públicas, passando de 26,4% para 37,8%. Já entre os cursos de medicina privados, 66,3% dos alunos foram reprovados em 2016, também superando os resultados de 2015, com 58,8%", aponta o levantamento.
 
Histórico do exame
  • 2015 - 2.726 participantes - 48,1% de reprovação
  • 2014 - 2.891 participantes - 55% de reprovação
  • 2013 - 2.843 participantes - 59,2% de reprovação
  • 2012 - 2.411 participantes - 54,5 % de reprovação
Em nota divulgada nesta quarta-feira (8), o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) contestou a avaliação, e afirmou que "o referido exame não tem competência para medir a qualidade do curso e nem do aluno porque, além de não ser componente curricular, o aluno precisa somente comparecer no dia da prova sem ter qualquer compromisso com o resultado". Além disso, o sindicato afirma que, segundo o Exame Nacional de Desempenho de Estudante (Enade), aplicado pelo governo federal, só 13,04% dos cursos de medicina privados avaliados pelo Cremesp foram avaliados como insatisfatório. Na mesma nota, o consultor jurídico do Semesp, José Roberto Covac, afirmou que "a avaliação encabeçada pelo Cremesp é inconsistente e não retrata a realidade dos cursos de medicina do estado".
 

Estrutura da prova


A prova teve 120 questões de múltipla escolha, com cinco alternativas de respostas e duração de até cinco horas. O conteúdo abrangeu as principais áreas da Medicina: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Ginecologia, Obstetrícia, Saúde Pública e Epidemiologia, Saúde Mental, Bioética e Ciências Básicas.
 
Para aprovação, o candidato deveria responder corretamente a 72 das questões, o que corresponde a um percentual de acertos de 60%. A prova foi aplicada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) e os critérios e a metodologia foram os mesmos utilizados e validados nos exames anteriores.
 
A 12ª edição do Exame do Cremesp foi realizada no dia 16 de outubro de 2016 nos municípios de Botucatu, Campinas, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, São José do Rio Preto, São Paulo e Taubaté. Atualmente, existem 46 escolas médicas em atividade no Estado de São Paulo. Dessas, 30 foram avaliadas no Exame de 2016. As demais, abertas há menos de seis anos, ainda não haviam formado turmas à época do Exame.
 

Importância da avaliação


Todo estudante se formou em medicina e quer se inscrever no conselho paulista precisa fazer o exame para poder tirar o registro do CRM (Conselho Regional de Medicina) e atuar como médico no estado. Apesar de ser um exame obrigatório, mesmo quem for reprovado também pode obter o registro.
 
Isso porque, por força de lei, o conselho não pode condicionar o registro médico ao resultado de uma prova. Para tanto, seria preciso uma lei federal, como acontece com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
 
Entretanto, desde 2016, de acordo com o Cremesp, a participação no exame passa a ser critério para acesso à Residência Médica, concurso público e mercado de trabalho. Programas de Residência Médica, como da Unicamp, USP de São Paulo, USP de Ribeirão Preto, Santa Casa, Unifesp, ABC, Hospital do Servidor Público Estadual , FM Rio Preto entre outros, passaram a exigir a participação no Exame do Cremesp como condição para o acesso à Residência.
 
"A Secretaria da Saúde do Município de São Paulo publicou portaria exigindo a participação na prova do Cremesp a todo médico que se inscrever em concurso público para preenchimento de vagas. Decreto da Secretaria de Estado da Saúde faz a mesma exigência. Recentemente, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) firmou com o Cremesp um protocolo de intenções, estabelecendo que o Exame do Cremesp será considerado na seleção de candidatos à Residência Médica e na contratação de profissionais, para os mais de 80 hospitais e instituições conveniados à entidade, entre eles os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês", informou o Cremesp.

 G1

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Afronta à dignidade humana

Por Roberto Kalil Filho




Infelizmente, são comuns no Brasil, e em especial na rede pública, queixas de médicos e de outros profissionais de saúde sobre jornadas extenuantes de trabalho, afastamento da família, salários incompatíveis com uma vida digna e muito aquém do esforço, da dedicação e da responsabilidade exigidos pela carreira.
 
Fora isso, também são vítimas de violência por parte de pacientes ou acompanhantes que responsabilizam os médicos por todas as consequências produzidas pela doença.
Tais situações, evidentemente, comprometem a saúde física e mental desses profissionais e geram o desalento que os afasta de seus pacientes, o que acaba por punir justamente os mais necessitados, aqueles que já vivem nos limites da dignidade humana.
No entanto, quando afrontam a ética, quebram o juramento de Hipócrates proclamado ao receberem o título de doutor e compartilham publicamente segredos e sentimentos a eles confiados, os médicos violam um dos princípios mais sagrados da profissão, o sigilo médico.
Essa situação ocorreu recentemente com a divulgação pelas redes sociais de exames e dados clínicos não autorizados, além de comentários desairosos sobre pacientes públicos. O caso revela um dos lados perversos do comportamento humano, reprovável e absolutamente inadmissível para quem se apresenta como médico.
Pior ainda é testemunhar esses profissionais serem movidos por sentimentos menores e ideologias político-partidárias, fazendo apologia à morte, como lamentavelmente observamos na última semana.
O texto da jornalista Cláudia Collucci publicado na Folha na quinta (2/2) acerta no ponto nevrálgico sobre o tema: atitudes como essa merecem punição. Impossível tolerar que pacientes corram o risco de virar motivo de escárnio entre médicos inescrupulosos.
As direções de hospitais e unidades de saúde precisam ser firmes e punir esse tipo de comportamento antiético de forma exemplar, eliminando das instituições elementos que profanam o princípio do sigilo e do respeito devido a qualquer ser humano.
Também têm obrigação de denunciar imediatamente aos conselhos profissionais esses desvios, para a aplicação de sanções pertinentes.
O juramento de Hipócrates é claro: o médico deve guardar absoluto respeito pelo ser humano e atuar sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Os cidadãos, quando buscam um serviço de saúde, principalmente quando precisam ser internados, seja em enfermaria ou na terapia intensiva, normalmente chegam fragilizados, não somente pela doença mas também pelo temor em relação ao que os espera.
Hospital, receio da dor e do imponderável, medicações desconhecidas, dor imposta por exames invasivos, cirurgias, agulhas, tubos e sondas são possibilidades tenebrosas que ninguém em sã consciência aceita calidamente.
As incertezas são muitas na fase de hospitalização; por isso a atitude dos profissionais de saúde tem o papel de resgatar a vida e dar dignidade à existência.
É urgente que os gestores da área da saúde pública ou privada desenvolvam estratégias robustas para envolver os médicos não somente nas políticas internas de humanização das instituições mas também no respeito ético para com seus pacientes. A dignidade humana deve ser inviolável.
ROBERTO KALIL FILHO, cardiologista, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor de cardiologia do Hospital Sírio Libanês
 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Ortopedista é condenado por operar joelho errado de paciente em Guarujá

Auxiliar de serviços gerais teve a perna errada operada pelo médico.
Caso aconteceu em 2011, mas julgamento aconteceu no início de janeiro.
 
Tatiane teve o joelho operado em 2011 (Foto: Reprodução/Tv Tribuna)
 
 
O médico responsável por operar a auxiliar de serviços gerais Tatiane Andrade da Silva, de 29 anos, foi condenado pela 1ª Vara Civil de Guarujá, no litoral de São Paulo. O ortopedista Celso Dias Fernandes realizou uma cirurgia no joelho esquerdo da jovem, mas deveria ter operado a perna direita, lesionada após cair de uma escada em 2011. A operação da jovem foi feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
 
A lesão de Tatiane era acompanhada pelo médico desde março de 2010. Em março de 2011, ela deu entrada no Hospital Santo Amaro para colocar um pino no joelho direito. Ao sair do centro cirúrgico, porém, a jovem se deu conta que o médico havia operado seu joelho esquerdo, onde não havia problema algum.
 
Desde então, ninguém do hospital entrou em contato com Tatiane para dar uma explicação. Ela, então, resolveu abrir um processo na Justiça contra o médico. No início de janeiro, a 1ª Vara Civil de Guarujá julgou o caso. O laudo feito pelo Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo concluiu que houve negligência e imperícia do médico.
 
Tatiane exibe marcas da cirurgia feita no joelho
errado (Foto: Reprodução/Tv Tribuna)
A defesa de Tatiane, porém, não ficou satisfeita com o julgamento. Segundo o advogado de Tatiane, Carlos Dalmar, a sentença não equiparou os prejuízos que Tatiane teve. "Houve a constatação de erro médico. Como não teve uma equiparação do prejuízo que ela teve, nós vamos apelar", disse.
 
Apesar do processo e do erro constatado no início de janeiro, o médico continua atuando no Hospital Santo Amaro. Na época, o Conselho Regional de Medicina entendeu que ele não poderia ser considerado culpado pelo que aconteceu e arquivou o caso por julgar que não houve erro médico.
 
Em nota, o Hospital Santo Amaro disse que não foi notificado e que o departamento jurídico só dará algum parecer após a notificação. A assessoria de imprensa do hospital ainda afirmou que não intervém na conduta dos médicos e que oferece todas as condições de trabalho aos profissionais.
 
Também em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo disse que o caso do médico foi arquivado porque não foram constatados indícios de infração ética. O CREMESP destacou que, independente do andamento de processo na Justiça comum, todo médico denunciado também está sujeito à apuração da denúncia nos Conselhos Regionais de Medicina, que são tribunais de ética e investigam a conduta no exercício da profissão.
 
 
 

MPF/AP denuncia médicos que cobraram por cirurgia custeada pelo SUS

Profissionais só realizaram o procedimento após receber R$ 10 mil do paciente

Imagem ilustrativa: Pixabay


Os médicos Pedro Paulo Dias de Carvalho e Elpídio Dias de Carvalho foram denunciados pelo Ministério Público Federal no Amapá (MPF/AP) por corrupção passiva. Os dois cobraram valores indevidos de paciente para realização de cirurgia coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O delito que deu origem à ação foi cometido em janeiro de 2013.
 
Consta nos autos que Pedro Paulo Dias de Carvalho cobrou do paciente, inicialmente, R$ 25 mil por uma cirurgia urológica sob a alegação de que o valor custearia os honorários de sua equipe e do médico Elpídio Dias de Carvalho, que o acompanhou durante o procedimento. Após negociação entre as partes, ficou acordado o valor de R$ 10 mil. O médico exigiu que o pagamento antecipado fosse feito em espécie, o que aconteceu em fevereiro do mesmo ano, no estacionamento do hospital particular onde foi realizada a cirurgia. Embora tenha recebido em mãos, o médico não apresentou recibo ou comprovante de pagamento.
 
Antes do procedimento, o paciente foi orientado a providenciar a carteirinha do SUS. Pedro Paulo Dias de Carvalho organizou a documentação para que a operação fosse realizada. Após a cirurgia, o paciente permaneceu na ala do hospital particular destinada aos pacientes do SUS.
 
O procurador da República Everton Aguiar, que assina a denúncia, adverte que “não podem ser cobrados valores dos pacientes internados pelo SUS, pois os procedimentos são todos cobertos por este, sendo, portanto, indevidos os valores solicitados e recebidos pelos denunciados”.
 
Além da condenação dos médicos, o MPF/AP também pede na denúncia que seja fixado o valor mínimo de R$ 10 mil para reparar os danos causados pela infração.
 
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

'Mais importante que saber operar é saber quando não operar': as confissões de neurocirurgião best-seller



O renomado cirurgião britânico Henry Marsh, autor do livro "Sem Causar Mal",
 sobre histórias de vida, morte e neurocirugia

"É preciso três meses para aprender a fazer uma cirurgia, três anos para saber quando é preciso fazê-la e 30 anos para saber quando não se deve fazer uma operação", diz, por telefone, em um tom meio sério meio jocoso, o renomado neurocirugião britânico Henry Marsh.
Essas palavras, na verdade, são de um antigo ditado que costuma circular entre cirurgiões ingleses, mas sintetizam com perfeição sua visão após 35 anos de experiência.
 
"Quando se é jovem, o médico quer operar todo mundo. É otimista, entusiasta. Depois, começa a acumular resultados ruins e a entender que uma operação não é solução para tudo."
 
Os fracassos vão parar no "cemitério que todos os cirurgiões carregam consigo", citação do médico francês René Lariche que abre o livro de Marsh, Sem Causar Mal - Histórias de Vida, Morte e Neurocirurgia (Editora nVersos). Lançado em 2014, foi escolhido como um dos melhores livros do ano pelos jornais The New York Times, Financial Times, Washington Post e pela revista The Economist.
 

'Quanto mais se pratica, maior é o cemitério'

 
No "cemitério particular" de Henry Marsh há muitas pessoas. Ali vive, por exemplo, uma menina ucraniana que, embora tenha sobrevivido a uma complicada cirurgia no cérebro, saiu da sala de operação em más condições e com tão pouca chance de recuperação que Marsh chegou a questionar se era hora de parar de trabalhar.
 
O neurocirurgião, que ainda acompanha à distância a evolução do quadro de saúde da menina, admite que cometeu um erro de "excesso de confiança" em si mesmo.
 
Mas, embora esse caso o tenha afetado profundamente, ele conseguiu não se deixar paralisar. "Se martirizar pelo que aconteceu é inútil", afirma o médico.

Livro narra decisões tomadas por médico britânico sob
 uma atmosfera de total urgência e incerteza

A franqueza com que Marsh narra em seu livro casos reais com os quais já lidou em sua carreira é fascinante e ao mesmo tempo aterrorizante.
 
Os detalhes de cada história, os relatos das conversas com pacientes e as anedotas sobre o que acontece num hospital, às vezes até com uma pitada de humor, são descritos com precisão, graças a um diário que o médico manteve por uma década.
 
Por vezes, quando a mulher de Marsh, a escritora e antropóloga Kate Fox, lhe perguntava o que tinha feito naquele dia no trabalho, o médico costumava abrir o computador e ler para ela fragmentos do diário.
 
Foi Kate quem disse: "isso podia ser um livro".
 

Erros médicos

 
De acordo com Marsh, a maioria dos erros médicos ocorre fora da sala de cirurgia.
 
"Muitas vezes as pessoas têm a impressão de que erros estão relacionados à estabilidade do pulso do cirurgião, o que é uma bobagem", diz categórico. "As coisas não caem da sua mão nem você corta o que não deveria... isso acontece, mas é muito, muito raro", complementa.
 
Quase sempre, explica o médico, erros ocorrem na tomada de decisões anteriores, quando tratam de questões sobre operar ou não o paciente, ou que tipo de operação será feita e como ela vai ser executada.


Image caption Séries de ficção na televisão sobre a rotina de médicos normalmente
 mostram  erros somente na sala de operação - Getty Images


"Pela minha experiência, quando algo vai mal, quase sempre é porque se tomou a decisão equivocada", avalia o médico.
 
É durante o processo de decisão que os cirurgiões enfrentam grandes dilemas. Às vezes, têm de optar por aquilo que no jargão médico é chamado de "sacrifícios": causar algum dano para evitar danos ainda maiores.
 
Em seu livro, Henry Marsh descreve, por exemplo, o caso de uma mulher que teve extraído um tumor cerebral benigno, mas, no processo, a deixaram com dor facial crônica.
 
"Isso é um tipo de decisão que você faz antes da operação", explica ele.
 

Adrenalina

 
O livro de Marsh também traz dados curiosos sobre a textura do cérebro, que se parece uma massa branca gelatinosa, sobre o melhor amigo de um neurocirurgião - não é o bisturi, mas um aspirador - e explica que muitas cirurgias cerebrais são feitas com anestesia local, com o paciente acordado enquanto tem a cabeça vasculhada. 


Henry Marsh supervisiona um médico durante uma operação: erros normalmente
acontecem foram da sala de cirurgia, segundo o neurocirurgião
 
Mesmo com 35 anos de experiência no currículo, Marsh admite que ainda fica nervoso antes de uma operação, especialmente se algo deu errado na última cirurgia similar à que está prestes a fazer.
 
Ele conta que tudo é muito tenso e exige uma concentração absoluta. "E isso, de muitas formas, é viciante", admite.
 
"A gente faz cirurgia porque é emocionante, é emocionante!", enfatiza, destacando a adrenalina, emoção e ansiedade como partes importantes de se operar.
 

Médico tem que ser bom ator

 
Do ponto de vista do paciente, contudo, o que se espera de um médico é algo diferente dessa explosão de sentimentos.
 
"É muito importante aparentar calma e mostrar que está seguro. Não há nada mais assustador para um paciente que um cirurgião ansioso", diz ele. "E isso é um dos problemas de ser um médico: você tem que ser um bom ator, para os pacientes e para si mesmo."
 
Tradicionalmente, os cirurgiões não falam sobre seus erros. Na verdade, acredita Marsh, não seria possível ter escrito esse livro com a mesma honestidade em outro momento de sua carreira.
 
Sem Causar Mal foi publicado quando Marsh estava se aposentando como neurocirurgião sênior no Hospital Universitário de St. Georges, em Londres, onde trabalhava há mais de três décadas.
 
O médico, que ainda trabalha como professor, admite que a cultura a respeito do nível de honestidade que se espera dos médicos está mudando. "Eu mesmo mudei", diz ele. "Nós afastamos da ideia de que os médicos são deuses e sempre sabem mais e melhor."
 
Henry Marsh mostra um scaner de um tumor cerebral "provavelmente benigno"
 
 

Verdade aterrorizante

Questionado sobre quanta informação realmente pode ser dada a um paciente ou aos familiares quando algo é realmente grave, Marsh responde que não pode dizer toda a verdade. "É muito difícil. A verdade é aterrorizante", afirma.
 
Ele se defende dizendo que não há certezas absolutas na medicina e que tudo o que os médicos fazem é baseado em probabilidades.
 
"Se você diz a um paciente que há uma chance de 10% de morrer, vai aterrorizá-lo e ainda vai ter que fazer a operação. A maneira como apresenta a informação é muito importante porque você tem que preservar a esperança e confiança, e também a honestidade, e isso é muito difícil."
 
"Eu sempre tentei ser honesto. Mas... Eu tenho certeza que, em algum momento no passado, eu menti um pouco", ele admite. "Há grandes mentiras e pequenas mentiras".
 
Marsh observa que os médicos muitas vezes não sabem o que as famílias e os pacientes acharam da forma como a notícia lhes foi repassada e, por isso, é muito difícil de aprender passar bem as informações mais complicadas.
 
No caso de Marsh, ajudou muito estar do "outro lado", como paciente, e também quando seu filho fez uma cirurgia para tirar um tumor no cérebro. O menino ainda era um bebê e ele um médico residente.
 

Arrogância

 
Marsh responde com um robusto sim quando perguntado se já teve que dizer a algum paciente que cometeu um erro.
 
"Eu digo às pessoas para me denunciarem quando acho que cometi um erro grave. Eu fiz isso três vezes", ele admite.
 
Uma dessas situações está no livro. "Não é fácil fazer isso", diz ele.
 
"Se entra na sala de cirurgia cheio de dúvida, não pode operar", afirma Henry Marsh
Thinkstock
 
Por lei, no Reino Unido, hospitais têm que respeitar "dever de sinceridade", no qual é necessário informar e pedir desculpas aos doentes se houve erros que causaram danos significativos.
 
Mas, em países Reino Unido e Estados Unidos, médicos não são responsabilizados financeiramente se houver denúnica. Mas, de acordo com Marsh, eles têm medo sim de admitir erros. É uma questão de vergonha.
 
Marsh já não trabalha mais em tempo integral no Reino Unido, mas viaja regularmente
 ao Nepal e à Ucrânia para atuar como voluntário na formação de cirurgiões
C.VALLVE-SALAMANDRA
 
"Se você entrar na sala de operação cheio de dúvidas, você não pode operar", diz ele. Talvez por isso, de acordo com Marsh, tradicionalmente, cirurgiões normalmente são arrogantes e têm um "ego grande".
 
"Em parte, é um mecanismo de auto-defesa, para enfrentar a incerteza e poder fazer um trabalho perigoso. Mas é o paciente que está em risco, não você", observa.