Por que as associações de medicina do Brasil não estão se mostrando tão indignadas com a máfia das próteses como quando raivosamente se comportaram diante da chegada de médicos cubanos para o 'Mais Médicos'? Onde foi parar a revolta dos super-éticos?
Altamiro Borges
O programa Fantástico, da TV Globo, apresentou no último domingo (4) uma longa reportagem sobre a “máfia das próteses”. Ele revela que alguns médicos prescrevem cirurgias desnecessárias, colocando em risco a vida de pacientes, para ganhar comissões das empresas que comercializam os produtos para os implantes. Eles também fraudam documentos para obter liminares judiciais que obrigam o SUS e os planos privados de saúde a pagar por procedimentos superfaturados. A negociata renderia até R$ 100 mil por mês aos médicos corruptos. Segundo o Fantástico, a “máfia das próteses” movimenta cerca de R$ 12 bilhões por ano.
O repórter Giovanni Grizotti levou três meses para produzir a reportagem. Ele se fez passar por médico e, com uma câmera escondida, flagrou várias destas transações criminosas. Da responsável pela contabilidade de uma grande clínica em São Paulo, ele ouviu um relato assustador: “Aquilo ali parecia uma quadrilha. Uma quadrilha agindo e lesando a população… Um exemplo que eu tenho aqui: R$ 260 mil de cirurgia, R$ 80 mil pra conta do médico. Tem uma empresa pagando R$ 590 mil de comissão para o médico no período aqui de seis meses”. Em outros cinco Estados visitados pelo repórter, as mesmas cenas de corrupção e de desrespeitos aos pacientes.
Guerra aos médicos mafiosos
Diante do escândalo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, decidiu declarar guerra à máfia das próteses ortopédicas e acionou a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Vamos determinar que a PF proceda às investigações para responsabilizar e punir os responsáveis”, afirmou ao Jornal do Brasil nesta segunda-feira (5). O Tribunal de Contas da União (TCU) já havia estranhado o aumento de processos para viabilizar os implantes em todo país. Na esfera federal, os gastos com medicamentos e insumos para cumprimento de decisões judiciais passaram de R$ 2,5 milhões, em 2005, para R$ 266 milhões em 2011.
Já o ministro da Saúde, Arthur Chioro, anunciou a criação de um grupo interministerial, formado pelos ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda, e ainda pelos conselhos nacionais de secretários municipais e estaduais, “para que, juntas, as três pastas possam corrigir e aperfeiçoar todas as questões relacionadas ao uso dos dispositivos médicos. Segundo o ministro, em até 180 dias serão apresentadas medidas de reestruturação do setor, visando tanto a área pública quanto a privada… Só em 2013 o Sistema Único de Saúde gastou R$ 1,2 bilhão com procedimentos envolvendo próteses, órteses e dispositivos especiais”, descreve o Jornal do Brasil.
Cadê a indignação dos “éticos”?
O curioso em mais este escândalo é que até agora as associações nacionais e regionais de medicina – que fizeram tanto barulho contra o programa “Mais Médicos” do governo federal e destilaram veneno anticomunista e racista contra os profissionais cubanos – estão em silêncio. Nenhum discurso mais contundente ou peça publicitária nas emissoras de tevê. Nada de protestos histéricos nas praças públicas contra a corrupção. Outro silêncio emblemático é o de Aécio Neves, o cambaleante e derrotado presidenciável do PSDB. Na campanha eleitoral, o senador mineiro-carioca obteve o apoio de inúmeros médicos “indignados com os petralhas e mensaleiros”.
Pelas redes sociais circula, inclusive, a informação de que alguns dos médicos metidos na “máfia das próteses” fizeram campanha para Aécio Neves. Esta suspeita a TV Globo não levou ao ar – talvez por falta de tempo para uma apuração rigorosa. Um dos ortopedistas citados na reportagem é Fernando Sanchis. Ele falsificaria assinaturas em ações judiciais para superfaturar os produtos dos implantes. “Procurado pelo Fantástico, o cirurgião Fernando Sanchis nega que receba comissão de fornecedores de próteses. Mas reconhece que pode ter assinado laudos em nome de outros médicos”, relata o jornalista Giovanni Grizotti.
Em sua página no Facebook, o “doutor” Fernando Sanchis se apresentava como defensor da ética e ativo militante contra a corrupção. No cartão de apresentação entregue a seus pacientes, ele inclusive pregou abertamente o voto contra a “petralha” Dilma. Agora, ele poderá ser acusado de corrupção e até ser preso por sua ligação com a “máfia das próteses”. O episódio só confirmaria que os corruptos costumam se fantasiar de moralistas para esconder as suas sujeiras! O triste é que muita gente boa – inclusive médicos – acaba sendo manipulada por esta gente inescrupulosa e hipócrita.