terça-feira, 7 de junho de 2016

“Os cirurgiões não gostam de admitir os seus próprios erros”

Henry Marsh, medicina, 2016, marlene carriço, sociedade,
Henry Marsh começou por se licenciar em Política, Filosofia e Economia.
Só depois enveredou pela medicina (MICHAEL M. MATIAS/OBSERVADOR)

Aos 66 anos, o britânico Henry Marsh já operou perto de 500 doentes. Muitas vezes correu mal. O neurocirurgião explica como é fácil errar e que o importante é aprender com os erros e ser honesto.
 
Admitir que se cometeu um erro nunca é fácil, muito menos para alguém como Henry Marsh. Mas o conceituado neurocirurgião britânico, — a quem os doentes atribuem superpoderes dignos de “deuses” — fá-lo, sem problemas e sem medos.
 
Neurocirurgião desde 1987, Henry Marsh já operou perto de meio milhar de pacientes. Reformou-se no ano passado, mas não abandonou o bloco operatório. Nos últimos anos tem-se dedicado sobretudo ao cancro. Esteve em Lisboa, no final da semana, a apresentar o seu livro “Não Faças Mal”, e o Observador falou com ele.
 
Esta é uma entrevista com um médico que faz questão de dizer que é humano. E que, como humano que é, tem sentimentos e comete falhas. Henry Marsh lembra que o importante é aprender com os erros e que na relação entre médico e doente é fundamental que haja confiança, mas que os doentes também têm de perceber que os médicos são falíveis.
 
Porque decidiu ser médico, especificamente, neurocirurgião?
 
Originalmente estudei Política, Filosofia e Economia, na Universidade de Oxford. Ao fim de dois anos abandonei o meu curso para trabalhar como auxiliar num hospital no norte da Inglaterra. Foi então que decidi tornar-me médico. Tive muita sorte que a Universidade de Oxford me tivesse aceitado de volta e esforcei-me muito durante um ano para terminar o curso que tinha interrompido, o que me permitiu depois entrar na Royal Free Medical School, em Londres. Eu queria ser cirurgião, mas, na realidade, quando me tornei médico não gostei, era aborrecido. Tinha a ideia de que ser médico envolvia usar as mãos e o cérebro — eu sempre gostei muito de usar as minhas mãos –, mas achei a cirurgia tão malcheirosa e nojenta… Só por acaso tive a oportunidade de ver uma operação a um aneurisma e ajudar. E percebi imediatamente o que queria fazer. Foi terrivelmente excitante, minucioso, perigoso. Despertou o meu sentido de drama e de vaidade. Mas também foi algo de muito bonito.
 
Bonito?

 Sim. Pode sê-lo, uma operação a um aneurisma, porque estamos dentro do cérebro. Mas também é muito assustador e emocionante, porque a qualquer momento o aneurisma pode rebentar, como uma bomba. E se acontecer é, normalmente, desastroso para o doente. Mas foi amor à primeira vista. Eu soube imediatamente que era o que eu queria fazer. Então decidi que ia especializar-me em neurocirurgia. E nunca me arrependi, apesar de ser muitas vezes horrível, porque é muito perigoso. Acabamos por carregar um grande fardo, uma grande culpa. Mas temos de aceitar isso e aprender a viver com isso. Os triunfos não seriam triunfos se não houvesse desastres. Se as operações fossem sempre seguras não seriam especiais. Então temos de aceitar que existirão maus momentos e que teremos de dar o nosso melhor para ajudar o paciente e a sua família. Apesar de ser muito difícil, às vezes.
 

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