A filha de um amigo meu passou três dias internada em um hospital privado de São Paulo. Desde o primeiro dia, os pais disseram aos funcionários que não era preciso abastecer o frigobar com bebidas adoçadas porque a menina não as consumiria. Ainda assim, diariamente o frigobar foi reabastecido, mesmo com os produtos intocados. Quando recebeu alta, o frigobar estava lotado de caixinhas de suco e achocolatados. Quem pagou por isso? Certamente o plano de saúde e, em última instância, os usuários daquele plano.
Uma amiga torceu o tornozelo e procurou a emergência de um hospital. O médico plantonista examinou, disse que não havia sinal de fratura, mas mesmo assim pediu um raio X "por garantia". Nada foi encontrado. Outra chegou com uma quadro clássico de sinusite e bimba: ganhou uma tomografia dos seios da face. Quem pagou por isso? O plano de saúde, e, claro, o consumidor.
São pequenos exemplos de desperdício na saúde que todos que já vivenciaram dentro de um hospital privado. O desperdício, que chega a comer até 20% dos recursos em saúde, somado ao crescente custo dos cuidados (com novas tecnologias, envelhecimento e crescente onda de judicialização), torna essa conta cada vez mais difícil de ser fechada.
Mas parece que o tema não preocupa muito os principais atores dessa cadeia, ou seja, nós, usuários de planos de saúde. Quem tem um plano pensa que a carteirinha é um cheque em branco. Vai ao médico, assina e pronto. Vai ao laboratório, assina e pronto. Vai ao hospital, assina e pronto. Acham que quanto mais pedidos de exames e mais medicamentos prescritos, melhor é o médico.
As pessoas esquecem que, no fim das contas, são elas que pagarão a conta, no sentido literal (com seu dinheiro) e figurado (com sua saúde, já que há riscos em exames e medicamentos desnecessários), do desperdício e da ineficiência que imperam nos sistemas de saúde. Também são elas que pagarão pela crescente judicialização do setor, já que os convênios vão repassar os custos no valor da mensalidade.
LADAINHA
A verdade é que, mesmo que se interessasse pelos custos da saúde que está pagando, o usuário dificilmente teria acesso aos pormenores dessa conta. Faltam critérios e transparência no valor dos serviços de saúde no Brasil, como bem demonstrou minha colega Cristiane Segatto (Revista Época) em 2014, na ótima reportagem "O lado oculto nas contas dos hospitais". Especialistas em gestão em saúde costumam repetir: os hospitais prestam serviços sem saber quanto ele custa e as operadoras pagam sem saber quanto eles valem. A ladainha já é antiga: planos de saúde reclamam que os hospitais cobram muito pelos produtos/serviços usados no tratamento dos seus beneficiários. Já os hospitais argumentam que são obrigados a fazer isso porque os planos se negam a reajustar as tabelas de serviços ou não pagam atendimentos já prestados.
Há pelo menos cinco anos planos e hospitais brasileiros discutem um novo modelo de remuneração. Um dos mais falados é o DRG (Diagnosis Related Groups) ou, em português, Grupos de Diagnósticos Relacionados. Foi originalmente desenvolvido nos EUA para classificar e agrupar pacientes de acordo com o diagnóstico, quatro clínico e consumo de bens e serviços. O modelo passou a ser utilizado como base para a remuneração dos hospitais americanos, substituindo os mais tradicional, o pagamento por serviço (fee for service), que vigora no Brasil.
No Brasil, o DRG ainda não decolou porque, no frigir dos ovos, nem planos e nem hospitais querem abrir mão das margens de lucro. Porém, diante de um cenário de crise, que afeta operadoras de saúde (estão perdendo clientes por conta das altas taxas de desemprego no país), e hospitais (já têm leitos ociosos por falta de clientes dos planos), não dá mais para ficar reproduzindo aquela fábula dos dois burrinhos que, amarrados um ao outro com a mesma corda, tentavam alcançar distintos feixes de capim. Como a distância entre os feixes era maior que a corda, eles ficavam forçando cada um para um lado. Até que, cansados, resolveram comer juntos um dos feixes e depois, também juntos, o outro. #ficaadica.
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