segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Estudo para saber ação tardia de toxina não prosperou

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Estudo prospectivo, que um grupo de especialistas tentou fazer a partir de 2006 para conhecer os efeitos tardios da intoxicação dos pacientes do Instituto de Doenças Renais de Caruaru, caso conhecido como Tragédia da Hemodiálise, não foi adiante. A bióloga Sandra Azevedo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e primeira a suspeita de cianobactérias, explica que faltou apoio em Pernambuco. O médico Victorino Spinelli, hepatologista que ajudou a elucidar a causa das mortes dos pacientes em 1996, tem interesse em revê-los. “Necropsia feita nos mortos mostravam alterações idênticas no fígado. É importante reavaliar os sobreviventes”, diz.
Na entrevista a seguir, Sandra fala das cianobactérias, como elas se proliferam no momento e como seria importante um estudo a cerca dos sobreviventes.
Bióloga Sandra Azevedo foi a primeira a suspeitar da presença de cianobactérias na água que intoxicou pacientes/ ABC/Divulgação
Bióloga Sandra Azevedo foi a primeira a suspeitar da presença de cianobactérias na água que intoxicou pacientes/ ABC/Divulgação
JC – Por que o estudo prospectivo sobre os sobreviventes, que pretendia fazer em 2006 com o professor Wayne Carmichael (EUA) e pesquisadores pernambucanos, não se concretizou?

SANDRA AZEVEDO – O professor Carmichael se aposentou no fim de 2006 e nosso esforço naquele ano não resultou em nada, pois não conseguimos ter as informações de que precisávamos para saber como estavam os pacientes intoxicados que haviam sobrevivido. Foi muito frustrante. Infelizmente, ficamos devendo ao mundo esse conhecimento. O objetivo era avaliar as consequências após dez anos da exposição a altas doses de microcistinas e como o organismo se recuperou. Só conseguimos saber quem ainda estava vivo e quem tinha falecido. O CNPq chegou a custear viagem e estada minha e do professor Carmichael a Pernambuco.
 
JC – O que suas pesquisas com cianobactérias têm mostrado?

SANDRA – Estamos estudando a associação de cianobactérias com alguns tipos de vírus, o que ainda vai dar muito o que falar. Elas não são microalgas e sim bactérias gram-negativas que fazem fotossíntese.Têm alta capacidade de se adaptar em ambientes com água contaminada. A degradação dos nossos ambientes aquáticos está facilitando muito a vida delas. O Nordeste brasileiro continua sendo um local muito vulnerável para a dominância de cianobactérias. Tem temperaturas altas na água durante todo o ano, água com alta concentração de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, especialmente devido à falta de saneamento básico, entrada de esgotos sem nenhum tratamento nos mananciais, além de práticas agrícolas não adequadas. Mudanças climáticas globais estão intensificando períodos extremos de seca ou de chuvas, o que também facilita as cianobactérias. Ao longo desses 20 anos constatamos que a ocorrência de cianobactérias tóxicas passou a ser regra e não exceção na maioria dos mananciais brasileiros, não só no Nordeste.
 
JC – Se a Tragédia da Hemodiálise ocorresse hoje, a tecnologia encurtaria os passos da investigação?

SANDRA – Sim, pois temos novos equipamentos e técnicas que nos permitiriam ter as análises finalizadas de forma muito mais rápida e eficiente. Mas, precisamos considerar que muito do avanço nessa aérea se deu pela tragédia de Caruaru. A própria Organização Mundial de Saúde editou um livro sobre causas e consequências da presença de cianobactérias tóxicas em mananciais de abastecimento, em 1998. O Ministério da Saúde, ainda em 1996, editou uma norma obrigando que todas as clínicas de hemodiálise passassem a fazer a purificação da água por osmose reversa, o que não era obrigatório até então e em 2000, com a revisão da portaria de potabilidade de água para o consumo humano, o ministério incluiu o monitoramento de cianobactérias e limites máximos aceitáveis de cianotoxinas na água para consumo humano, tornando o Brasil o primeiro País a incorporar esses conceitos na forma de lei.
 
JC – A descoberta sobre a ação de cianobactérias na Tragédia da Hemodiálise mudou sua trajetória?

SANDRA – Nunca se tinha demonstrado que essas toxinas eram capazes de provocar morte humana. O caso de Caruaru não deixou dúvidas a respeito. Uma maior atenção passou a ser dada ao tratamento da água e o setor de saúde passou a conhecer nova fonte de contaminantes. Em 1996, graças a ações muito precisas e corretas da Secretaria de Saúde de Pernambuco e da Compesa, foi possível saber que o reservatório de Tabocas tinha número elevado de células de cianobactérias tóxicas e que três tipos de microcistina tinham entrado na corrente sanguínea dos pacientes.
 

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