Justiça acata denúncia do Ministério Público com base em dois inquéritos da Polícia Civil
Omar César Ferreira de Castro ficará detido na 6ª Delegacia de Polícia Civil e, depois, segue para o presídio masculino de Florianópolis. Foto: Betina Humeres / Agencia RBS |
O médico Omar César Ferreira de Castro, 66 anos, foi preso temporariamente e teve três CPUs dos computadores de seu consultório no Centro de Florianópolis apreendidas na manhã desta terça-feira, 16. O nutrólogo é acusado pela Polícia Civil de ter cometido crime sexual contra pelo menos 14 pacientes. As vítimas confirmam estupro em boletins de ocorrência registrados na 6ª Delegacia de Polícia, onde foram instaurados dois inquéritos policiais e para onde Castro foi levado. Os atos teriam acontecido nos últimos três anos dentro do consultório do nutrólogo — localizado no topo do Ceisa Center, na Avenida Prefeito Osmar Cunha.
A ação teve início às 8h21min, dez minutos depois da chegada do médico ao consultório. Três recepcionistas responderam a perguntas dos policiais. Quarenta minutos depois, Castro deixou o local acompanhado pelos policiais. Estava algemado, protegia os punhos com uma toalha branca e chorava. À reportagem do DC, ele disse que não tinha conseguido falar com seu advogado nem sabia do que estava sendo acusado. O mandado de prisão, busca e apreensão cumprido por seis policiais também aconteceu na residência dele.
Ainda em janeiro, o titular da Delegacia de Proteção à Mulher, Criança e Idoso da Capital, Ricardo Lemos Thomé, encaminhou a investigação à 3ª Vara Criminal do Fórum de Florianópolis para ser examinada pelo promotor de justiça Fernando Linhares da Silva Júnior. Desde 2 de fevereiro os pedidos de prisão temporária e concessão de mandado de busca e apreensão aguardavam expedição dos mandados pelo juiz Rafael Sandi da 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
— Eu já havia enviado o inquérito ao Ministério Público no ano passado, mas decidi reabrir na primeira semana deste ano porque uma das vítimas contou ter sido penetrada pelo médico, dentro do consultório, e levou adiante a representação.
Agora, diz o delegado, todos os casos, inclusive os que não teriam tido "conjunção carnal", estão reunidos nos inquéritos, que detalham o depoimento de oito vítimas. O policial se diz convencido da veracidade dos relatos.
— Existe muita coerência nos históricos trazidos pelas 14 mulheres ouvidas, que até então não se conheciam, e sobre os detalhes de como o médico abusava delas — afirma Thomé.
Além disso, diz, a conduta adotada — de mãos nas costas, massagem, carícias, toques sexuais, beijos forçados, constrangimento e uso da força — é comum nos relatos. Eventuais acareações e outros testemunhos devem auxiliar na conclusão das investigações, conforme consta na representação do inquérito policial.
Conduta não mudou mesmo depois de ser chamado na DP
Para o delegado Ricardo Thomé, as vítimas sofrem um "covarde ataque do médico" por encontrarem-se fragilizadas em sua autoestima – buscam emagrecimento – e não saberem ou não poderem distinguir exame clínico de ataque com conotação e objetivo sexual. Ele também cita no inquérito o constrangimento e a violência moral, o perigo iminente e a concretização de abuso e uso de força, como está detalhado no depoimento de uma das vítimas, na época com 18 anos, prestado em 17 de março de 2013.
O policial entende que o médico preparou o consultório como um terreno seguro para satisfazer seus desejos sexuais. Ele comprova o raciocínio a partir dos depoimentos, que falam da distribuição das salas, do distanciamento entre a recepção e o local de atendimento, e do volume alto do som ambiente.
O denunciado já havia sido chamado na delegacia, onde negou as acusações. O delegado observa que mesmo depois desse comparecimento, no segundo semestre do ano passado, o médico não mudou a conduta com relação a essa prática. No último dia 28 de janeiro, uma vítima entrou com representação contra Omar César Ferreira de Castro por um fato ocorrido naquela manhã.
Ao atendê-la, o médico teria acariciado seu ombro, tentado beijá-la e feito elogios que a deixaram constrangida. "Acredito que se tivesse gritado pedindo ajuda ninguém teria ouvido, uma vez que o som ambiente estava muito alto e que o consultório ficava afastado da sala de espera e da recepção", relatou a mulher no depoimento.
A delegada Patrícia Maria Zimmermann d'Ávila, coordenadora das Delegacias de Proteção da Criança, Adolescente, Mulher e Idoso na Grande Florianópolis, prevê que novos casos devem ser registrados após a prisão temporária.
— Acreditamos que com a visibilidade do fato outras vítimas vão se sentir estimuladas a denunciar.
De acordo com o Código Penal, "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" configura crime de estupro. A pena varia de seis a 10 anos de prisão. O estupro é considerado crime hediondo desde 2013, após decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo sem morte ou grave lesão da vítima.
Vítimas relatam carícias, beijos e até penetração
Desde novembro do ano passado a reportagem acompanha o caso. Mas para não dificultar a conclusão do trabalho policial, foi aguardado pelo desfecho judicial. Em janeiro, duas mulheres que procuraram a polícia para denunciar a conduta do nutrólogo conversaram com a equipe. Um dos encontros ocorreu na manhã de 21 de janeiro, na casa de uma delas, em um bairro de Florianópolis. Apesar de as entrevistadas falarem abertamente sobre o ocorrido, estão identificadas por pseudônimos. As mulheres também aceitaram ser fotografadas, mas as imagens preservam as identidades.
Íris*, 30 anos, é servidora pública e conta que fazia tratamento para emagrecer na clínica do nutrólogo — especialidade médica que estuda, pesquisa e avalia os impactos da ingestão dos nutrientes no organismo, conforme a Associação Brasileira de Nutrologia.
Até janeiro de 2015, ela não havia tido problemas com o profissional. Naquele começo de ano, foi até o consultório acompanhada de uma amiga, que ficou aguardando do lado de fora. A paciente relata que, horas antes, havia tomado um anestésico por causa de uma micropigmentação nas sobrancelhas.
— Como estava um pouco sonolenta quando cheguei ao consultório, conversei com o médico que queria apenas me pesar e ir embora descansar. Mas aí ele começou a conversar comigo, dizer que estava tudo bem e me deu um copo de água. Depois disso, só lembro de mim numa maca com as calças abaixadas, tentando empurrá-lo, e ele com uma camisinha nas mãos — relembra.
A paciente diz que, depois de sair do consultório, dormiu por 12 horas. Ao acordar, lembrou-se de flashes da cena. Ficou horrorizada com o que havia acontecido e decidiu voltar à clínica para confrontar o médico. Isso ocorreu três dias depois. Porém, precaveu-se: antes de entrar, acionou o gravador do celular guardado na bolsa. Mais tarde, explica, o áudio foi entregue por ela à Polícia Civil e anexado ao boletim de ocorrência.
— Ao chegar, disse a ele que parecia ter acontecido algo estranho. Foi quando ele me disse: "tu não lembra? A gente transou duas vezes e foi bem gostoso" — diz.
A paciente lamenta ter passado por uma situação tão degradante. Não queria acreditar no que estava ouvindo e sua primeira reação foi de negar o fato ao médico. A segunda, ir embora às pressas do consultório. Agora, um ano depois, o sentimento mudou:
— Às vezes me desespero, pois parece que a investigação se arrasta e outras mulheres podem estar sendo vítimas também — disse a funcionária pública, formada em Direito.
Depois do ocorrido, Íris foi à Maternidade Carlos Corrêa, na Capital. No local, foi orientada a realizar exame de corpo de delito e a tomar medicamentos indicados em caso de violência sexual, pelo período de um mês — entre eles, o antirretroviral AZT, usado para o tratamento da Aids. Mas reclama de não ter feito um exame toxicológico, que ajudaria a identificar a presença de substâncias anestésicas na corrente sanguínea.
A veterinária Francisca*, 41, se apresenta como outra vítima. Na primeira consulta, também em janeiro do ano passado, diz já ter estranhado o teor da conversa do profissional.
— Ele me disse que usava camisinha em todas as suas relações sexuais e me perguntou se eu fazia o mesmo. Achei aquilo estranho: por que um nutrólogo me perguntaria isso?
Mas foi na hora de ser examinada pelo profissional que vivenciou o mais surpreendente.
— Quando me levantei, ele pegou na minha mão e disse que me transformaria em uma miss. Aí ele foi para trás de mim, começou a apalpar as minhas costas e a me encoxar (sic). Ele queria encostar o pênis nas minhas nádegas, mas fui me afastando — diz.
Na hora de ir embora, Francisca diz que foi novamente constrangida. Desta vez, por um beijo de língua do médico.
Abalada pelo que passou, a veterinária contou com um apoio muito importante, do pai. Foi ele o maior incentivador para que levasse o caso adiante. O encorajamento paterno foi fundamental para que descobrisse que outras mulheres passavam pela mesma humilhação.
— Ao ir à DP fazer o BO, soube que havia outros cinco casos registrados contra o mesmo médico — conta Francisca.
Mas, aí, acredita, houve um problema que, conforme ela, não deveria acontecer em uma delegacia de polícia que trata de crimes contra a dignidade sexual das pessoas:
— Passaram-se seis meses e não fui chamada para representar, isso fez com que meu o registro perdesse a validade. Hoje eu e outras mulheres somos testemunhas do caso de estupro da Íris — explica Francisca, que se reúne periodicamente com outras vítimas do médico.
Acusado nega e defesa considera informações frágeis
A reportagem entrou em contato com a defesa do médico Omar César Ferreira de Castro numa tarde de quinta-feira, 28 de janeiro. Por telefone, o advogado Alceu Oliveira Pinto Júnior confirmou que representa o nutrólogo em um inquérito instaurado na 6ª Delegacia de Polícia Civil. Ele defende o profissional contra uma acusação de estupro e desconhece os outros boletins de ocorrência registrados.
— Não tenho tantas informações. Só acompanhei um depoimento no segundo semestre do ano passado. Mas ele (o médico) nega todas as circunstâncias. As informações levantadas são frágeis. É a palavra dela (vítima), que temo que possa ter mais peso nesse caso, contra a dele (médico).
Conforme a defesa, Castro ficou sabendo da acusação somente na delegacia, onde negou tudo. Ainda segundo o advogado, o áudio com a suposta confissão apresentado pela vítima não tem qualidade para servir como prova.
— É a prova do processo, mas até onde eu sei precisou ir à perícia devido à baixa qualidade do arquivo. O médico relata uma consulta normal nesse dia. Eles discutiram questões relativas à cobrança de consulta e plano de saúde. Quando soube da acusação, foi atrás da ficha dela para saber se havia algo de diferente, mas não viu nada além do acompanhamento, já que ela era paciente de anos — diz o advogado.
No inquérito policial, a transcrição do áudio mencionado pela defesa é apresentada como uma nova prova do crime cometido pelo médico. Quando a vítima pergunta se eles teriam feito sexo, ele responde: ¿Fez¿. Após a surpresa da mulher, ele complementa dizendo ¿e tava bom¿. A investigação também aponta, com base na gravação, que o nutrólogo teria oferecido à vítima ajuda para custear um implante de silicone.
Conselho Regional de Medicina abre sindicância
O Conselho Regional de Medicina determinou a abertura de uma sindicância para apurar as denúncias contra o médico Omar César Ferreira de Castro. De acordo com a assessoria de imprensa do CRM, existem processos contra o nutrólogo, porém, relacionados à conduta médica. Mas nenhum sobre prática sexual, como os investigados pela polícia.
Reunidos na manhã desta terça-feira, representantes do departamento jurídico e da diretoria do CRM não quiseram falar sobre os motivos dos processos em andamento. Explicaram que se trata de uma conduta ética, mas reconheceram a gravidade das denúncias que chegaram à Polícia Civil. Como os abusos teriam ocorrido dentro do consultório, momento em que o médico exercia a atividade profissional, o assunto será apurado pela corregedoria do CRM. A pena pode variar de uma simples advertência à cassação do registro profissional.
Serviço
Denúncias podem ser feitas presencialmente na 6ª Delegacia de Polícia Civil, no bairro Agronômica, em Florianópolis. O sigilo é respeitado. O telefone é o (48) 3665-6528.
*Os nomes das vítimas foram alterados para preservar a identidade.
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