quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Médico é preso por homicídio após cirurgia em hospital sem estrutura

Caso ocorreu em Oiapoque, no Amapá; médico teria contrariado protocolos.
CRM abriu processo administrativo para averiguar denúncia.


Velório de paciente morta foi interrompido em Oiapoque para corpo ser examinado
 (Foto: Divulgação/Polícia Civil)

Um médico ginecologista de 62 anos foi preso em Oiapoque, a 590 quilômetros de Macapá, após uma paciente atendida por ele ter morrido no hospital da cidade por complicações causadas a partir de uma cirurgia, informou a Polícia Civil. Ele será indiciado por homicídio culposo.
 
A culpa atribuída ao médico foi sustentada pelo fato de o profissional, segundo a polícia, ter conhecimento da falta de estrutura na unidade para o procedimento cirúrgico. Ele também não seria habilitado para realizar a cirurgia de abdominoplastia na mulher, por ser ginecologista e não cirurgião plástico. O médico foi solto após pagar fiança e responde em liberdade. O valor pago não foi informado.
 
O caso ocorreu na sexta-feira (30). O delegado de Oiapoque Charles Corrêa falou que o fato chegou à polícia após moradores da cidade repercutirem um suposto erro médico como causa da morte da paciente, identificada como Maria Bárbara Costa de Souza, de 42 anos.
 
Durante a investigação, a Polícia Civil descobriu que uma cirurgia eletiva havia sido feita no Hospital de Emergências de Oiapoque. O procedimento é proibido na unidade por causa da falta de estrutura.
 
Uma equipe da Polícia Civil deslocou-se até a Vila Vitória, em Oiapoque, onde o corpo estava sendo velado. No local, familiares da paciente disseram que ao invés de o médico realizar uma cirurgia de histerectomia, que é para retirada de mioma no útero, o procedimento feito foi o de abdominoplastia, quando são retiradas gorduras do corpo do paciente. Ambas as cirurgias não são consideradas de urgência.
 
Após relato dos familiares, o velório foi interrompido e o corpo da mulher levado dentro do caixão para exames na Polícia Técnico-Científica (Politec), em Macapá. Também foram examinados 20 quilos de gordura retirados da vítima. O material estava em uma sacola entregue pelo médico à família, o que também foi considerado um ato grave pela investigação.
 
"Fui procurar o coveiro local e ele me disse que a mulher estava sendo velada em Vila Vitória. Fui saber as circunstâncias da cirurgia e descobri que se tratava de um procedimento eletivo, sem nenhuma urgência, que na verdade era a retirada do mioma do útero da paciente. Fui conversar com os outros médicos e constatamos que o hospital só poderia fazer cirurgia de urgência porque não tem anestesista, UTI e carrinho de emergência", afirmou o delegado Charles Corrêa.
 
A investigação ainda descobriu que o procedimento feito em Oiapoque ocorreu após a paciente ter feito em Macapá tratamento médico por um ano e meio com o mesmo profissional, identificado por Detimar Paz Sarmento. Ao todo, a família costumava gastar R$ 400 por mês com exames e consultas, informou o delegado. 
 
O médico não atendeu às ligações nem respondeu às mensagens de texto enviadas pelo G1, através de celular e nas redes sociais.
 
"Se ele tem consultório em Macapá e pediu para ir para a capital, qual a razão de ele não ter feito a cirurgia em um hospital da cidade, com toda a segurança exigida?", questionou Charles Corrêa.
A falta de caráter de urgência constatada pela Polícia Civil foi corroborada pelos próprios colegas do médico em Oiapoque. Eles disseram em depoimento à polícia que o hospital não tem estrutura para comportar uma cirurgia daquele porte.
 
O G1 entrou em contato com os dois médicos citados como testemunhas no inquérito. Alexandre dos Anjos e Rosimary Silva confirmaram o depoimento.
 
Procurado pelo G1, o Conselho Regional de Medicina do Amapá (CRM-AP) informou que "tomou conhecimento da prisão do médico Detimar Sarmento por meio da imprensa e já abriu processo administrativo para averiguar a denúncia. Se comprovada infração ética ao Código de Ética Médica, serão tomadas as providências necessárias". O Ministério Público (MP) também acompanha o caso.
 
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou em nota que "abriu sindicância para apurar a conduta do médico, bem como vai protocolar um relatório no Comitê de Ética do Conselho Regional de Medicina (CRM), comunicando o afastamento do profissional".
 
Segundo o documento, "de acordo com o protocolo de normas e rotinas do hospital, não há nenhuma recomendação para realização de cirurgias eletivas, pois a capacidade clínica é apenas de urgência e emergência". Quanto à contratação de um médico anestesista para o Hospital de Oiapoque, a Sesa informou que "já realizou duas chamadas públicas, mas até o presente momento não houve interesse de nenhum profissional nessa especialidade".
 
O inquérito aberto pela Polícia Civil contra o médico tem 30 dias para ser concluído. Além desse, o mesmo médico responde por omissão de socorro a uma mulher vítima de golpe de terçado na cabeça.
 
 

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