quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O inimigo não é a morte. É o sofrimento desnecessário.




  
Entre os membros da equipe de saúde, nós chamamos de “suportar”. Alguém diz “Ele não suporta”, ou “Acho que eles definitivamente suportam”.  É um pouco difícil de explicar, mas é uma atitude que você reconhece imediatamente quando vê. No entanto, dada a importância de “suportar” para um bom cuidado no final da vida, deixem-me tentar explicar.
 
A paciente de 92 anos está sangrando dentro de sua cabeça, mas tem coágulos de sangue em seus pulmões. Ela sofre de insuficiência cardíaca avançada e tem recebido suporte de um respirador e diálise há 3 semanas. Ela está evoluindo como uma fileira de dominós: caindo dia após dia. Chamamos de colapso dos sistemas vitais. Suas chances de sobreviver à hospitalização são de apenas 1%.
 
Apesar da morte estar à espreita, essa nonagenária é tratada com os cuidados máximos, agressivos, irrestritos. Ela não apenas receberá o “código vermelho” (ou seja, quando seu corpo parar ela receberá um choque elétrico sobre o coração para que possa ser reanimada), como também está recebendo 30 diferentes medicações, uma lista que aumenta a cada nova complicação, todos os dias.
 
O médico responsável pelo caso “não suporta”. Ele age como se ele não percebesse que todos morremos. Ele é absolutamente incapaz de oferecer um cuidado misericordioso, honesto. Ao invés disso, põe em prática um plano que maximiza o sofrimento, confunde, prioriza intervenções fúteis e garante custos financeiros incontroláveis que podem levar a família à falência. Enquanto a paciente e a família assumem as decisões-chave que envolvem a vida e a morte, o “curador” faz funcionar um sistema de saúde ridículo, antiético e inacreditavelmente comum.
 
Outros médicos estão começando a “suportar”. Esse grupo, que está em rápida expansão, forma a base para o aumento da utilização das consultas com “especialistas no final da vida”. Eles estão na metade do caminho. Eles compreendem que todo mundo morre, mas não têm certeza sobre o que fazer a respeito.
 
Ellen tem um câncer de pulmão metastático e me procurou para que eu prescrevesse maricaua (maconha) terapêutica. O câncer tinha se espalhado e, por causa da doença e da neuropatia causada pela quimioterapia, ela tinha que lidar com muita dor. Seu médico não sabia como mantê-la confortável e não tinha um plano de longo prazo.
 
Para mérito dele, ele tinha sugerido que Ellen não só viesse falar comigo como também procurasse um hospice para orientá-la em seus planos para o final da vida. Ela ainda era considerada “código vermelho”, o que significa que nada evitaria que ela recebesse um excesso de cuidados inúteis, mas seu médico tinha começado a caminhar na direção certa.
 
Outra noite eu recebi uma chamada de um paciente de um de meus colegas. Vendo seu prontuário, vi que ele era um ex-policial de 68 anos, com câncer renal metastático para os pulmões. Apesar desse tipo de câncer ser uma doença crônica e possivelmente fatal, seu prognóstico a curto prazo era bastante favorável, podendo chegar a anos.
 
O que me chamou a atenção foi uma anotação em seu prontuário que dizia: “Paciente é NR (“Não ressuscitar”) e não deseja medidas extremas de suporte à vida.” Essa é uma anotação surpreendente porque, na época, o paciente estava se sentindo muito bem. Na verdade, ele me ligou da Califórnia, durante uma viagem! Esse é um médico que “suporta”. Quando foi descoberto que o paciente tinha uma doença fatal, o oncologista teve com ele uma discussão séria e honesta.
 
 
“Suportar” significa garantir que os paciente recebam honestidade, confiança e respeito para controlar suas próprias vidas. Sem falsas esperanças, mas com a oportunidade de lidar de forma digna com uma das realidades mais difíceis da vida.
 
“É a sua vida. Como seu médico, meu trabalho é guiar você, e não dar ordens ou comandá-lo. Isso diz respeito a você, não a mim. Você é o paciente. Eu sou sua equipe de apoio.”
 
Com o aumento progressivo da complexidade, confusão e custos do cuidado médico, é mais importante do que nunca termos médicos que “suportam”. Eles precisam aceitar que o inimigo não é a morte; o inimigo é o sofrimento desnecessário. Eles têm que compreender os limites do seu papel. Eles precisam apreciar e respeitar a força do seu parceiro e os direitos de cada paciente de decidir sobre seu destino.
 
A parte final da vida diz respeito a estar vivo, não à morte. Apenas desfrutando desses momentos preciosos, decidindo sobre seus próprios fatos, nós podemos esperar qualidade, conforto e dignidade.
 
 
*texto escrito pelo médico oncologista James C. Salwitz, publicado em http://www.kevinmd.com
**James C. Salwitz é médico oncologista; publica seus textos no blog  Sunrise Rounds.
 

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