segunda-feira, 28 de novembro de 2016

As Ações De Indenização Por Erro Médico: Suas Dificuldades E Desafios




Quase todos os dias os jornais brasileiros têm noticiado casos de vítimas de negligência médica onde o resultado muitas vezes são sequelas irreversíveis ou até mesmo a morte.
 
Segundo a reportagem da “Gazeta do Povo” de 07/07/2010, o Núcleo de Repressão aos Crimes contra Saúde (Nucrisa), órgão da Polícia Civil do Paraná, registrou 26 ocorrências contra médicos em Curitiba em 2010, ou seja, em média, um caso por semana. O artigo ainda destaca que, com certeza, a subnotificação (casos onde a queixa não é registrada) ainda é muito grande.
  
Com uma experiência de mais de 20 anos de atuação em causas que envolvem responsabilidade civil, e especificamente na defesa de vítimas, lidamos com a realidade dessas pessoas dia a dia.
 
Vimos ocorrências de todos os tipos: o caso da jovem que se submeteu a uma simples intervenção cirúrgica estética e veio a falecer na mesa de operação; o do rapaz que sofreu um pequeno corte no joelho num acidente de trânsito e, no fim, acabou por ter a perna amputada; ou o da senhora que, apresentando todos os sintomas típicos de um AVC (acidente vascular cerebral), foi atendida como “caso sem urgência/pressão alta”, vindo a falecer no mesmo dia.
 
 Mas, quando a vítima ou sua família resolvem entrar com a ação de indenização por erro médico, onde buscam a punição da negligência médica e a reparação por a sua perda, elas iniciam uma verdadeira via crucis...
 
Tudo começa com as dificuldades em iniciar os trabalhos judiciais, pois o advogado não conta com o apoio de uma assessoria médica multidisciplinar para lhe apontar o erro: foi na anestesia, foi na cirurgia, foi no pós-operatório? Às vezes o advogado da vítima não possui sequer um único médico para lhe orientar. É o próprio advogado, partindo da queixa do cliente ou do absurdo da situação em si, e lendo e relendo o prontuário e a ficha médica, e depois, pesquisando, e se informando, que descobre onde se encontra a falha médico.
 
Já o Hospital e/ou médico acusado, ao contrário, para se defender, dispõe do seu próprio conhecimento e da sua experiência profissional, além do auxílio/assessoria dos colegas de profissão. Isso lhes garante, por si só – mesmo nos casos em que tenham agido com erro – uma boa argumentação técnica, aparentemente verossímil.
 
Enfim, até aqui, quando as partes preliminarmente apresentam suas versões (inicial e contestação), em regra o médico ou Hospital levam vantagem sobre a vítima.
  
Por isso é importante que os advogados que trabalham com ações que tratam de erro médico se conscientizem de que se torna muito importante a realização de uma perícia médica antes do ajuizamento da ação, pois esse trabalho pode até definir que não houve erro médico e, se houve, esse laudo pode balizar a correta propositura da ação judicial. Dependendo do que for alegado nesse momento (petição inicial) pela vítima, fica muito difícil mudar depois.
 
Até aqui as dificuldades são grandes e muitos desistem, pois ainda há Hospitais que dificultam até a entrega do prontuário ao paciente ou aos seus parentes.
 
Mas superada essa fase pré-processual, a próxima dificuldade é conseguir que o perito nomeado pelo juiz seja imparcial. E em geral não o é. A medicina brasileira ainda se situa no patamar do extremo corporativismo, fato esse também noticiado pela imprensa local com constância.
 
O juiz enfrenta, também, uma gama imensa de problemas para indicar um perito, pois o Estado não disponibiliza esse serviço, a Justiça estadual ainda não remunera o perito do autor carente e não há regulamentação legal do setor. Os médicos que atuam no foro como perito são “conhecidos de conhecidos” e, na maioria das vezes, o próprio juiz o desconhece.
  
Há ainda muitos médicos que, mesmo sem deter a especialidade necessária, aceitam realizar a perícia.
 
Assim, a perícia judicial, hoje, é uma caixa de pandora. Pode vir um trabalho altamente idôneo, como também pode ser entregue um laudo altamente tendencioso ou mesmo assinado por quem não detém o conhecimento especializado exigido.
 
O que também se vê no fórum, é que, não raro, o médico perito, extrapolando os limites da imparcialidade inerentes à sua função, ao elaborar seu trabalho, atua como verdadeiro advogado do hospital/médico/plano de saúde, réus que são os maiores empregadores do setor e que detêm o poder econômico.
 
Não é difícil encontrar situações bizarras. Há casos em que, não podendo fugir às evidências, o perito chega a afirmar que o erro médico ocorreu em razão das “intercorrências médicas” ou dos “riscos inerentes à cirurgia”, dando a um erro, a uma falha, o nome de fatalidade.
 
O que explica esse comportamento? Talvez seja o fato de que a maioria dos profissionais médicos da área se conheça e se proteja. Muitos médicos nos confidenciam que recusaram atuar como perito da vítima no processo (assistente técnico), porque ficariam mal vistos por seus colegas, ou porque foi aluno do fulano, ou porque o sicrano trabalha no mesmo Hospital...
 
A sensação de impunidade é outro fator que contribui para que o número de laudos periciais tendenciosos não diminua. Desconhecemos se algum médico perito já foi punido por parcialidade no seu encargo. Provavelmente não. “A cassação do registro de médicos acusados de erro no exercício da profissão é quase uma raridade. No Paraná, nenhum profissional recebeu a pena em 2009 ou neste ano, de acordo com o Conselho Regional de Medicina (CRM)”.
           
Voltando ao dia a dia processual, se a prova pericial for desfavorável a vítima, o reflexo é, invariavelmente, a negativa, pelo juiz, do seu pedido de indenização. Vamos analisar o posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná, sobre indenizações por erro médico, no ano de 2010, até junho.
  
No site do Tribunal de Justiça do Paraná na opção “jurisprudência”, “2º Grau”, “pesquisa por verbetes”, inserida a expressão “erro médico”, e informado “período/ano” 2010/2010, foram localizados 27 acórdãos. 14 acórdãos julgaram o mérito, ou seja, a parte ré (médico ou hospital) foi declarada culpada ou não. 10 acórdãos foram julgados improcedentes, o que corresponde a 71,4% do total, e 4 acórdãos foram julgados procedentes, o que corresponde a 28,5% do total. Dos 4 processos julgados procedentes, 2 foram com base em perícia que determinou a ocorrência do erro médico e 2 foram julgados sem realização de perícia.
  
Considerando que os números abordados pela reportagem da Gazeta do Povo se referem apenas à cidade de Curitiba, e que o TJ/PR julga processos de todas as cidades do Estado do Paraná, cuja população é de 10.284.503 habitantes, segundo o IBGE (dados de 2007), seria razoável supor que o volume de processos que erro médico fosse maior.
           
 A falta de peritos especializados, o corporativismo profissional, a falta de imparcialidade e a qualidade do trabalho pericial, o descumprimento dos dispositivos legais que definem o proceder do perito, a efetiva apuração das faltas e punição pelos órgãos responsáveis pela categoria, entre outros, são problemas que precisam ser superados, sob pena de constituírem fator desmotivador à apuração judicial da responsabilidade médica. Se isso acontecer estarão sendo punidos a vítima, a sociedade, os bons médicos e a Medicina.
 
 
2º autor: Márcia Regina Nunes de Souza Valeixo 

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