terça-feira, 8 de novembro de 2016

CÁRMEM LÚCIA: " O DIREITO À SAÚDE NÃO É UM GASTO. É UM INVESTIMENTO"

A presidente do STF quer facilitar o acesso dos juízes à informação técnica sobre saúde. Será o fim das decisões em total dissonância com as evidências científicas?
 
A ministra Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal
 (Foto: Diego Bressani/ Época)
 
“O direito à saúde tem custo. Mas isso não é um gasto, é um investimento”, disse hoje, segunda-feira (7) a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela está empenhada em facilitar o acesso dos juízes à informação confiável sobre medicamentos, dispositivos médicos e técnicas cirúrgicas.
 
 Cármen Lúcia e o ministro da saúde, Ricardo Barros, estiveram hoje no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para iniciar uma parceria entre o CNJ, o governo federal e a instituição. O objetivo é criar uma plataforma on-line com pareceres técnicos sobre os produtos de saúde. De qualquer lugar do país, os magistrados poderão consultá-la antes de tomar decisões.
 
 É um passo importante. Essa base de dados pode ajudar a reduzir o número de decisões judiciais em total dissonância com as evidências científicas da medicina. Todos perdem quando isso acontece.
 
1)    O paciente deixa de receber a opção terapêutica mais adequada a seu caso.
2)    O Estado é obrigado a comprar um medicamento mais caro e nem sempre mais eficaz pelo preço que o fabricante quiser vender.
3)    A coletividade é prejudicada quando o gestor público é obrigado a destinar grande parte do orçamento ao cumprimento das demandas judiciais.
 
  Só quem ganha quando uma decisão judicial não encontra amparo nas evidências científicas é a indústria farmacêutica. Para uma empresa mal-intencionada, é mais fácil estimular as ações judiciais (financiando associações, oferecendo advogados aos pacientes e assediando médicos) do que convencer as autoridades regulatórias e os gestores públicos da superioridade de seu produto – tanto em termos de eficácia quanto de custo.
 
  Um exemplo recente é o caso dos falsos doentes de R$ 9,5 milhões, contado por ÉPOCA em junho. Trata-se de uma das maiores fraudes já descobertas no Brasil envolvendo ações judiciais para fornecimento de remédios de alto custo. Ao confiar nos laudos assinados pelos médicos dos pacientes, os juízes concederam o medicamento lomitapida (aprovado nos Estados Unidos apenas para uso nos raros casos de uma doença genética que provoca colesterol altíssimo) a pessoas que, segundo investigações posteriores, nem sequer tinham a doença.
 
Cada comprimido da droga fabricada pela empresa americana Aegerion Pharmaceuticals custa cerca de US$ 1.000 por dia. Essa história provocou um prejuízo de R$ 9,5 milhões à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Poderia ter consumido R$ 40 milhões se as autoridades não tivessem percebido o esquema a tempo de interrompê-lo.
 
  Para algumas empresas, a judicialização da saúde se tornou um atalho esperto. Por outro lado, ela representa um instrumento legítimo quando o Estado deixa de cumprir aquilo que, inegavelmente, é sua obrigação. Sem o direito assegurado de procurar a Justiça, muitos doentes teriam a vida abreviada por pura omissão dos gestores públicos.
 
  O ponto crucial desse debate é determinar o que o Estado ou os planos de saúde devem ser obrigados a fornecer aos cidadãos. Se não há orçamento no mundo capaz de bancar todas as inovações criadas pela indústria farmacêutica, as evidências científicas devem ser o início de qualquer conversa.
 
 “É fundamental ter a certeza de que, para aquele pleito, existe evidência científica de que a droga é indicada para o paciente”, diz o bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. “E, obviamente, essa indicação levou em conta eficiência, eficácia e segurança.”
 
 Em vários estados, os Tribunais de Justiça contam com Núcleos de Apoio Técnico (NAT-Jus), capazes de avaliar a adequação dos produtos demandados pelos cidadãos. Os juízes não são obrigados a consultá-los, mas os pareceres técnicos contribuem para o embasamento das decisões. Eles evitam, por exemplo, que os juízes sejam ludibriados por laudos médicos de origem duvidosa.          
  Representantes de vários desses núcleos participam do treinamento no Hospital Sírio-Libanês. O objetivo é criar uma forma de padronização do conteúdo dos pareceres. Essa estrutura comum facilitará as pesquisas dentro da base de dados criada pelo CNJ. Com o tempo, os juízes poderão recuperar, facilmente, os pareceres que sustentaram decisões anteriores. Aos poucos, será possível criar jurisprudência em determinado assunto.
 
Os NAT vão usar as ferramentas de busca da Biblioteca Cochrane, considerada a base de dados mais completa para a busca de evidências científicas. O hospital não fará pareceres técnicos. O papel da instituição será apoiar o CNJ e as estruturas já existentes para aumentar a eficiência e a rapidez das buscas. 
 
“O Sírio-Libanês não pretende promover uma redução nem um aumento das liminares positivas”, diz Reis. “Queremos fortalecer a evidência científica para ajudar os juízes no processo de decisão.”
 
 Quando a ferramenta do CNJ estiver funcionando como prevista, dificilmente um juiz poderá alegar desconhecimento técnico ao ser questionado sobre suas decisões no campo da saúde.
 

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