Crédito da foto: Leonardo Rosa/divulgação/arquivo |
Taquari - Quando o sonho da paternidade se torna tragédia, resta apenas o desejo por justiça. Desejo este que tenta amenizar a dor da perda, que busca respostas a questões não esclarecidas, que indigna diante da suspeita de negligência.
Tiago Martins (31) e Liziane Silva (32) chegaram na quinta-feira passada (2) ao hospital de Taquari para a realização de um sonho: a chegada de Pedro Henrique, primeiro filho do casal. "Mas uma série de eventos ocasionou essa desgraça", relata Tiago.
Por orientação médica, Liziane faria uma cesariana naquela quinta-feira. No dia anterior, quando chegou para se internar na casa de saúde, um equívoco teria feito a cirurgia ser remarcada para a sexta-feira (3).
"Ela (Liziane) baixou na quinta de noite, mas a médica nunca esteve lá. Minha esposa começou a sentir dor às 2h30min (madrugada de quinta para sexta), mas a enfermeira disse que era normal. Como a gente é leigo, acreditamos. Às 7h ela foi pra sala de espera de parto, mas a médica só foi ver ela ao meio-dia. 'Tava' marcada a cesárea, mas ela disse que precisaria ser parto normal."
O procedimento, porém, ocorreu só às 16h. "Minha esposa não tinha mais força para o parto normal, não aguentava mais de dor, e a médica resolveu voltar para a cesárea, só que ela operou tarde demais, e o bebê, infelizmente, não sobreviveu."
Tragédia
O relato trágico de Tiago retrata uma série de desencontros e problemas estruturais da própria casa de saúde - algo que vem sendo relatado de forma recorrente quando o assunto é o Instituto de Saúde e Educação Vida (Isev).
Segundo Tiago, a criança chegou a ser levada para a incubadora, na tentativa de buscar uma forma de salvá-la. "Mas a incubadora estava estragada, não estava funcionando. Tiveram que colocar no respirador manual. A médica inclusive foi escrever uma coisa e me pediu para continuar apertando o respirador enquanto ela anotava.", lembra.
A reportagem contatou a administração do Instituto de Saúde e Educação Vida, mas a instituição, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que se manifestará sobre o caso nos próximos dias.
Possibilidade de negligência
Liziane teve alta ontem do hospital taquariense. Agora, a família busca levantar os documentos que comprovem a sua crença de que houve negligência - seja por parte do hospital, seja por parte da médica que realizou o parto.
João Batista Bastos Pereira, advogado do casal, disse que os documentos comprovarão que a gestação foi tranquila e que a saúde da mãe e da criança estavam em bom estado até serem internados no hospital.
"Após analisarmos todos os papéis, vamos entrar com uma ação indenizatória por danos morais e materiais. Também estamos encaminhando denúncia ao Ministério Público, ao Cremers, à Coordenadoria Regional de Saúde e à Polícia Civil para que investiguem o caso. Mas temos indícios suficientes de que houve imperícia médica."
Entre outras coisas, a imperícia se baseia no argumento de que a médica responsável pelo parto não teria especialidade em ginecologia e obstetrícia - e portanto, não cumpriria os requisitos técnicos para realizar a operação.
"Nós temos documentos comprobatórios de que essa médica não tem especialização em obstetrícia, ela é uma clínica geral. E isso incide também sobre o município. Secretário de Saúde e prefeito são passivos. A prefeitura compra um pacote de serviços do hospital, que inclui urgência/emergência e obstetrícia. Se o município disponibiliza recursos públicos, tem a obrigação de garantir que o médico que irá atuar tem a devida especialização."
Denúncia
Uma denúncia foi feita ao Ministério Público em outubro do ano passado contra a prefeitura, o Isev e a médica responsável pelo parto de Eliziane. O documento argumenta que a profissional não é especialista em obstetrícia, e que acumula uma série de denúncias no Paraná e em Santa Catarina.
Segundo a denúncia, o prefeito, Emanuel Hassen de Jesus, o Maneco, é investigado por improbidade administrativa, por contratar a médica (em detrimento de outra profissional, que teria sido aprovada em concurso público) e colocá-la a atender gestantes no Posto Central; a médica seria suspeita por crimes contra a ética médica, pois teria mentido sua especialidade; e o Isev responderia por manter a profissional atuando como obstetra "ciente destas irregularidades."
Ontem, a comunidade taquariense iniciou uma mobilização pelo afastamento da médica, Um abaixo-assinado circula pela cidade buscando apoio para que a profissional pare de atender no município "devido a erros médicos realizados pela mesma, danos causados, impossíveis de serem reparados."
Titular da 16ª Coordenadoria Regional de Saúde (16ª CRS), Ramon Tiago Zuchetti explica que alguns médicos são cadastrados pelo Cremers em até quatro especialidades. "É algo que o Conselho de Medicina permite e acha necessário, mas isso gera situações como esta", lamenta.
Segundo Zuchetti, o Estado está trabalhando para que seja ampliada a qualificação das maternidades gaúchas. "Este trabalho já teve início, e provavelmente logo a nossa região terá apenas quatro ou cinco maternidades, justamente para evitar esse tipo de situação. Serão quatro ou cinco hospitais liberados e capacitados para partos normais e cesáreas, com pediatra, obstetra e toda uma equipe de suporte para o devido atendimento."
Relembre o caso
O Instituto de Saúde e Educação Vida (Isev) é responsável pela administração do hospital de Taquari e de pelo menos outras dez casas de saúde no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A entidade é investigada pelo Ministério Público em pelo menos cinco municípios nos dois estados - incluindo Taquari - por suspeitas em sua atuação, como falta de equipamentos e medicamentos, atrasos de salários e falta de transparência na gestão dos recursos públicos.
No Vale, o hospital taquariense é referência em cinco especialidades, mas não estaria liberando o número mínimo de consultas e reconsultas exigidos pela Secretaria Estadual de Saúde. Por falta de profissionais especializados e não cumprimento do número mínimo de procedimentos, a instituição está às vésperas de perder a referência em traumato-ortopedia para o hospital de Arroio do Meio.
O local ainda é alvo de pelo menos dois processos administrativos abertos pela 16ª Coordenadoria Regional de Saúde. Em um dos documentos, diversas secretarias municipais de Saúde da região anexam seus protocolos de não resolutividade - que relatam os problemas em relação aos atendimentos prestados pelo Isev aos pacientes de suas respectivas cidades.
Crédito da notícia: Renan Silva - O Informativo do Vale
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