sexta-feira, 31 de março de 2017

Vítima de erro médico tem órgão retirado no lugar de cirurgia de hérnia


Foto ilustrativa

A empregada doméstica Maria José Nascimento entrou com ação contra o município de Barueri por ter tido a vesícula retirada sem o seu consentimento
 
A cada três minutos, aproximadamente, dois brasileiros morrem por consequência de erros médicos.  Outros têm uma infinidade de sequelas irreparáveis. A empregada doméstica Maria José Nascimento está entre essas estatísticas. Ao dar entrada no Hospital Municipal de Barueri Dr. Francisco Moran para uma cirurgia de hérnia lombar, a brasileira foi direcionada a lista de operações de um programa da prefeitura, o Mutirão da Vesícula. Apesar de internada especificamente para uma cirurgia da hérnia, ela teve sua vesícula retirada e agora entrou com uma ação contra o município por erro médico.
 
Apesar dos números assustadores, essa é a realidade. Erros facilmente evitáveis andam causando mais óbitos do que doenças cardíacas, ou mesmo o câncer. Os dados são de um estudo apresentado no ano passado (2016) pelo Seminário Internacional Indicadores de qualidade e segurança do paciente na prestação de serviços na saúde, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) junto com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Em 2015, erros e falhas acarretaram em 434 mil óbitos, quase mil mortes por dia.
 
A negligência começou pelo atendimento. Em maio de 2013, a senhora Maria procurou o ambulatório do hospital réu com queixa de fortes dores. Logo na ficha de entrada, na data do documento comprobatório, há o indicativo de impressão do documento três dias antes do ocorrido (fato cronologicamente impossível). Somente em setembro é que foi diagnosticado que Maria sofria de hérnia, uma demora de meses para um diagnóstico simples, e que prolongou o seu sofrimento.
 
Na época dos fatos, a gestão do hospital era realizada pela Pró-Saúde – Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar, associação civil de direito privado sem fins lucrativos, beneficente, filantrópica, com sede na Lapa, em São Paulo. O contrato foi feito por meio do Contrato de Gestão 160/2013. Os níveis de insatisfação com a gestão do Hospital é fato notório. Os então gestores são nacionalmente investigados. O Ministério Público de diversos estados e o Poder Judiciário dos mesmos, assim como o Tribunal de Contas da União, estão nas investigações, já que a Pro Saúde foi citada em CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, a “CPI DAS ONG’s”.
 
Somente em janeiro do ano seguinte, 2014, a paciente foi internada para a cirurgia de hérnia devido ao quadro de urgência. Porém, Maria foi submetida à cirurgia na vesícula (não na hérnia) sem o seu consentimento. O protocolo médico não foi obedecido e o documento com informações e autorização referentes à cirurgia estavam em branco, sem dados ou a assinatura da paciente. Além disso, após a operação ela nem mesmo foi informada sobre o diagnóstico e os resultados. Mais um documento obrigatório em branco, sem a atenção de explica-la sobre os cuidados pós-operatórios.
 
Nesse caso, a negligência foi ainda mais grave. O médico, mesmo sem o consentimento da paciente, assinou um documento em branco. “O documento em branco com a assinatura do médico é uma prova que está além da paciência de qualquer paciente”, afirma Nacir Sales, advogado de Maria. O resultado da cirurgia? A retirada de sua vesícula. Por outro lado, nada foi feito a respeito da hérnia, motivo da internação.
 
A cirurgia não conhecida nem consentida prolongou o sofrimento de Maria e o próprio atendimento já demonstra profundo desrespeito ao protocolo oficial de atendimento. O prolongado sofrimento obrigou ao consumo de analgésicos e diminuiu a sua condição para o trabalho, prejudicando irremediavelmente a sua qualidade de vida.
 
O dever de reparar dano, material e moral, decorre do Código Civil, em seu artigo 927. “O patrimônio civil da Autora necessita ser reparado. A liberdade, a segurança, a livre expressão da sua vontade, foi violada”, explica Sales. A empregada doméstica só veio a saber que havia sido submetida a uma colecistectomia muito tempo depois, após continuar com a dor que a levara ao hospital em primeiro lugar. Três dias depois da intervenção cirúrgica, Maria foi novamente internada para realizar a cirurgia de hérnia lombar, enfim resolvendo seu problema de saúde.
 
A proximidade das cirurgias fez com que ela desconfiasse de haver algo de errado e foi buscar esclarecimento. Ela só foi atendida 20 dias depois do ocorrido e, finalmente ficou sabendo de todos os riscos a que se submeteu sem seu consentimento. A negativa de acesso de pacientes aos prontuários médicos, não é uma novidade em hospitais administrados pele mesmo gestor. “A sonegação da informação impede o conhecimento dos ilícitos e dificulta a tutela dos direitos dos cidadãos lesados”, relata Sales.
 
Uma simples consulta na internet, no Google, demonstra que a sonegação da informação é uma politica já adotada pelo gestão investigada e combatida por autoridades de diversos estados. “O que consigo ler nos formulários não preenchidos é o interesse de não registrar, não documentar, o que está sendo feito. Em uma palavra: ocultar. Já no documento assinado em branco, leio também a palavra descaso”, diz o advogado de Maria.
 
No Mutirão da Catarata, também realizado pelo Hospital Municipal de Barueri, 12 pessoas ficaram cegas. O ocorrido se deu em 2014, na época das cirurgias em “escala industrial”. A quantidade de vítimas do Mutirão da Catarata torna questionável a prática dos “mutirões”. Isso mostra que os problemas envolvendo o Hospital não são novidade ou isolados.
 
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que os Municípios são responsáveis pelas demandas decorrentes de danos havidos nos hospitais municipais e assim a ação continua a ser movida, ainda sem previsão de solução para o reparo dos danos causados, contra o município.

+RO

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