quinta-feira, 9 de março de 2017

MPF e PF investigam reuso de material em cirurgias no cérebro no Hospital das Clínicas

Funcionários relataram ter sido orientados a reutilizar material que deveria ser descartado e que unidade sabia de inspeção da vigilância sanitária antes da visita; HC afastou funcionário e médico.
 
Inquérito investiga reaproveitamento de material após cirurgia no Hospital das Clínicas

 
O Ministério Público Federal e a Polícia Federal investigam fraudes no Hospital das Clínicas de São Paulo, o maior complexo hospitalar da América Latina. A suspeita é a de que materiais usados em cirurgias delicadas no cérebro, que deveriam ser descartados, eram reutilizados em outros procedimentos. O inquérito apura se as irregularidades geram perigo à saúde pública.
 
foco da investigação é a Divisão de Neurocirurgia do hospital, onde são tratadas doenças como mal de Parkinson, epilepsia e tumores que afetam os movimentos. Os médicos também são suspeitos de adulterar prontuários dos pacientes. A diretoria do hospital confirmou parte das irregularidades que estão sendo investigadas e disse que duas pessoas já foram afastadas.
 
Investigadores já haviam estado no Hospital das Clínicas em 2016, quando a suspeita era de que havia sido montado no local um esquema de fraudes e superfaturamento na compra de equipamentos que teria causado um prejuízo de R$ 18 milhões aos cofres público. Na época, o HC negou as denúncias de compras superfaturadas.
 
Durante esta investigação, realizada na "Operação Dopamina", policiais federais recolheram computadores, documentos e ouviram depoimento de funcionários. A partir destes depoimentos, os investigadores levantaram uma suspeita ainda mais grave: a de que materiais cirúrgicos e aparelhos que deveriam ir para o lixo eram reaproveitados em outros pacientes.
 
Um exemplo são os marca-passos cerebrais, usados em tratamento de Parkinson e que precisam de eletrodos para fornecer estímulos elétricos ao cérebro. Funcionários disseram ao Ministério Publico Federal que os eletrodos eram reaproveitados em cirurgias diferentes, o que é proibido.
 
Um outro exemplo foi dado por outro funcionário do HC. Quando um médico retira parte do crânio de um paciente para fazer uma cirurgia, ele usa uma peça de gesso para moldar a prótese definitiva. Um funcionário do Hospital das Clínicas afirmou que recebeu ordens para lavar e esterilizar as peças de gesso.
 
Ele disse, em depoimento: “mesmo quando sujos de sangue, ele (o médico) determinava a sua lavagem e reprocessamento - embora se trate de material poroso, de esterilização duvidosa e que desmancha facilmente – para reutilização em novo processo cirúrgico”.
 
Outra funcionária revelou à polícia que agulhas e fios usados em cirurgias eram também lavados e reutilizados. Até materiais vencidos eram esterilizados e voltavam para o centro cirúrgico.
 

Visitas da Vigilância Sanitária


A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é responsável pela fiscalização dos centros cirúrgicos, nunca descobriu nada de errado no setor de neurocirurgia funcional do HC. Os funcionários dizem que os médicos sabiam com antecedência quando os fiscais da agência passariam no hospital e que orientavam a esconder tudo o que pudesse comprometê-los.
 
Dois funcionários de diferentes áreas também afirmaram à polícia que os médicos mexiam diretamente no prontuário dos pacientes. O objetivo era impedir que a fiscalização descobrisse de onde vieram os materiais e aparelhos reaproveitados.
 
Com estas denúncias, a Justiça Federal autorizou os investigadores a fazer novas apreensões de computadores, materiais cirúrgicos que estavam prontos para ser reaproveitados e também documentos no hospital. A operação teve que ser feita às pressas, em uma sexta-feira, no fim de tarde, quando investigadores receberam a informação de que funcionários do hospital tinham sido convocados para limpar o setor e sumir com todo o material reaproveitado.
 

Hospital afasta funcionários


A diretora clínica do Hospital das Clínicas, Eloisa Bonfá, confirmou parte das irregularidades e disse que duas pessoas foram afastadas. Ela disse que a recomendação não é reprocessar os eletrodos de marca-passo, mas que não houve prejuízos aos pacientes que usaram material reutilizado, pois não houve registro de infecção
 
"A recomendação é não reprocessar, não deveria ter sido reprocessado. Mas não houve prejuízo para o paciente. A cirurgia foi realizada, o paciente está bem, nós fizemos avaliação No grupo que utilizou o material reprocessado, o índice de infecção é zero. Nenhum. Nenhuma infecção", disse ela.
 
Quanto à reutilização de gesso, ela disse se tratar “de um engano”, pois, para ela, “não faz sentido”.
"Acho que isso é um engano, não existe mesmo, o gesso, lavar o gesso. Você vai molhar material que é poroso, que vai entrar água. Isso não procede, o gesso não é recolocado na cabeça do paciente, e não faz sentido essa afirmação", afirmou Eloisa.
 
Eloisa Bonfá salientou que dois funcionários – um da área administrativa e um médico – foram afastados. “Então, houve um erro, nós não sabemos exatamente por que. E está sendo apurado para que não se repita e identifiquem as pessoas que fizeram errado”.
 
 

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