segunda-feira, 17 de abril de 2017

"O médico disse que era frescura, mas meu filho estava com câncer"


Foto: Reprodução


Kaíque, um menino ativo e brincalhão de seis anos, certo dia acordou reclamando que não conseguia ficar em pé. A cozinheira Maria Osana de Amorim Ferreira, 43, levou o filho a vários médicos, mas saía das consultas perdida. Entre os diagnósticos, ouviu desde "manha infantil", passando por anemia e alergia, e até virou suspeita de agressão. Na verdade, Kaíque sofria de um tipo de câncer, o Linfoma de Burkitt. Ao UOL, a mãe conta detalhes da luta para salvar a criança.
"Toda vez que falo sobre essa história, parece que tiro 500 kg das minhas costas. É bom a gente contar, sabe? Meu filho sempre foi muito bagunceiro e brincalhão, a clássica criança arteira. No entanto, quando estava com seis anos, começou a ficar muito cansado. Um dia, acordou e veio se arrastando até mim: 'Mamãe, eu não consigo ficar de pé'. Mandei ele parar de gracinha e, como achei que poderia estar cansado, sugeri que dormisse novamente.
Ele ainda reclamou que o pé estava doendo um pouquinho, mas não a ponto de tomar remédio. Só não conseguia levantar. Coloquei-o no sofá, com as pernas em cima de dois travesseiros, fiz massagem e ele acabou adormecendo de novo. Quando acordou, pedi que se levantasse, mas meu filho respondeu: 'Mamãe, é sério. Não estou sentindo as minhas pernas'. 
No dia seguinte, fomos no Hospital de São Mateus, bairro onde vivemos em São Paulo. Lá, sem fazer nenhum exame, o médico disse que a história era 'dengo', pois temos três filhos e o Kaíque é o caçula.
'É frescurinha de criança. Pode levar para casa que não tem nada', afirmou. Só que meu marido se recusou a ir embora sem checar como estava a saúde do nosso menino. 'Vou dar a receita de dipirona [analgésico e antitérmico], então, para o senhor dar caso ele sinta alguma dorzinha. Mas é só frescura'. Como não tinha febre, não havia muito o que fazer. 
O problema continuou. Peguei o Kaíque e fomos ao Pronto Atendimento São Mateus. Fizeram um exame de sangue e descobriram 'um pouquinho de anemia'. Mandaram dar bastante fígado para ele, assim como suco de beterraba com laranja. Apesar de seguirmos a indicação, ele não melhorou nada. Decidi levá-lo em um posto de saúde. O diagnóstico? 'Essa criança não quer ir para a escola e fica inventando coisa. Ele não está doente'. Por fim, nos mandaram para casa dizendo que os exames estavam todos normais. No entanto, meu filho continuava do mesmo jeito. Sem andar. 
Levei o Kaíque no Pronto Atendimento Bangú, em Santo André. Lá, a médica afirmou que ele estava com sinusite e recomendou inalação e soro no nariz, que fizemos também sem sucesso. Nisso, o olho do meu filho começou a inchar e ele continuava sem conseguir andar. Por fim, fizeram um outro exame e, três dias depois, disseram que era uma bactéria que havia dado na perna, provavelmente por culpa de alguma picada. A médica passou um antialérgico e a perna, que estava com um leve inchaço, realmente desinchou três dias depois. Pensei que, agora sim, meu filho já estava ficando bom. No entanto, ele ainda não conseguia ficar em pé."

"A senhora bateu nele?", me perguntou o médico

"Minha cunhada sugeriu que levássemos o Kaíque a um novo especialista, no Hospital Infantil Cândido Fontoura. Lá, chamei a atenção para o fato de o menino não estar andando, o olho estar inchado e, mesmo assim, não reclamar de dor. Só dizia ter um leve desconforto na cabeça. Pediram um raio-x, mas percebi que o resultado estava demorando. Dali a pouco, apareceram três seguranças e vários médicos, pedindo que eu os acompanhasse. Disseram ter descoberto algo no Kaique e perguntaram se ele havia batido a cabeça. Neguei.
'Mãe, tem certeza? A senhora bateu nele? Encontramos uma mancha muito feia na região do rosto', disseram. 'Se a senhora bateu, precisamos saber. Melhor falar logo'. Isso nunca aconteceu, mas ressaltaram que o exame mostrou algo condizente com um tapa ou uma queda. Neguei novamente qualquer tipo de agressão, pois meu filho é muito bem cuidado! Eles acreditaram e o médico informou, então, que o Kaíque precisaria ser internado.
Passamos um mês no hospital. O Kaíque era medicado com bastante corticoide, o que parecia estar fazendo efeito, pois ele voltou a andar. Apesar de ter sido acusado de agredir meu filho, não critico os profissionais do hospital. Foi nele onde tudo começou a ser resolvido. Durante a internação, meu filho chegou a ser levado de ambulância para outros hospitais fazer uma ressonância magnética e uma tomografia. Só que nada de errado aparecia.
Mas o Kaíque começava a apresentar uma melhora. Voltou a andar, ganhou alta em 10 de agosto de 2015. Continuamos fazendo exames de rotina, mas dois meses depois, o pesadelo recomeçou. Ele não tinha febre, mas um dos olhos começou a inchar de novo. No hospital, a enfermeira afirmou que deveria ser culpa de uma sinusite e indicou um remédio. Nisso, o mês de outubro passou e ficamos apenas aguardando esses medicamentos fazerem efeito, mas nada."

Enfim, o diagnóstico correto

"Um dia, o nariz do Kaíque começou a sangrar muito. Corremos para o Hospital Cândido Fontoura e foi aí que a situação começou a se resolver. Tudo por culpa da enfermeira que nos recebeu, e, acertadamente, após alguns exames, disse que não botaria a mão no meu filho.
'Ele está com um problema que não é aqui que se cura', disse a enfermeira. Questionei e ela disfarçou, dizendo que me daria o endereço do lugar correto para onde deveria levar meu filho. Era o Hospital do GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) 
Argumentei: como você me manda para esse lugar sem nem saber o que meu filho tem? E veio a resposta que mudou tudo: 'Mãe, seu filho está com um tumor. Os médicos não falaram isso para a senhora?'
Chegamos lá no dia 28 de dezembro de 2015 e no dia 31 já ficamos sabendo o que ele tinha: Linfoma de Burkitt [um tipo de câncer denominado "Linfoma Não Hodgkin", muito agressivo, mas que quando é devidamente tratado possui grandes chances de cura. Os atores Reynaldo Gianecchini e Edson Celulari já enfrentaram uma forma mais branda da doença]. Claro que gostaria de ter uma resposta, mas não pensei que fosse tão grave assim. Foi um susto e sinto que a ficha ainda não caiu. Alguns dias a mais nessa indefinição e ele poderia estar morto."

Autotransplante de medula óssea

"Os profissionais do GRAACC conversaram bastante comigo e com meu marido, deram muitos conselhos e disseram que era algo que iria passar, que o Kaíque melhoraria. Penso que aquela enfermeira foi um anjo que Deus mandou, pois já estávamos cansados e nem dormíamos mais, por medo de acordar com nosso filho morto. Cheguei lá sem nenhuma guia de encaminhamento, nem nada, mas fomos atendidos muito bem.
O Kaique começou com a quimioterapia. Fez um autotransplante de medula óssea [nesse procedimento, as células são retiradas e congeladas. Depois é feita a quimioterapia no paciente e, por fim, as células são reinseridas] em 31 de dezembro de 2016, um ano após iniciar o tratamento. Agora, está em casa, apenas fazendo o acompanhamento uma vez por mês, para saber como estão as plaquetas e se os remédios continuam fazendo efeito. Atualmente, meu menino está com sete anos e ainda usa máscara pelo fato do procedimento ser recente.
O sonho do Kaique é ir para a praia, mas o médico falou que só vai autorizar em dezembro. Esse é o tempo de espera necessário para saber se o tratamento deu mesmo certo e se está tudo bem com ele. Meu filho só fica triste porque ainda não pode comer coxinha. Faço salgadinhos para fora e essa é a guloseima preferida dele. 
Quando o médico autorizar, ele já me avisou: 'Mãe do céu, quando eu sair do GRAACC de alta para comer, vou fazer uma lista'. Sempre respondo: 'peça o salgadinho que você quiser, que a mãe faz!'. Olha o desejo do menino! Mas ele merece e faço com o maior prazer.

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