sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Quando o médico vira paciente

Para quem foi treinado para tratar e prevenir doenças, ver-se na mesma situação de seus pacientes é uma situação difícil. Mas a experiência pode ter como resultado uma mudança positiva na forma de ser médico

Por Cristina Almeida | Fotos Danilo Tanaka

O que eu aprendi com o meu medo do câncer? Esse foi o título de uma matéria de capa publicada pela revista Time, na segunda quinzena de junho de 2011. O protagonista da história era o médico Mehmet Oz, ou o Dr. Oz, conhecido por suas aparições no programa da apresentadora americana Oprah. A reportagem é um depoimento sobre como ele enfrentou o diagnóstico da existência de pólipos em seu intestino, a colonoscopia, o medo da biópsia, o comportamento esquivo para um segundo exame, além das questões relativas à comunicação do problema para a família. No final, Oz declara que todo o estresse que viveu durante esse processo é nada se comparado aos benefícios de uma atitude preventiva, que poderá garantir um futuro saudável, ao lado das pessoas que lhe são caras. "Algumas vezes isso demanda coragem... Não é fácil. Porém pode salvar sua vida", concluiu o especialista.
 
Mas seria possível que médicos, treinados para tratar doenças, sejam maus pacientes, isto é, resistam a um diagnóstico ou tratamento? Segundo Robert Klitsman, psiquiatra da Columbia University Medical Center (EUA) e autor do livro intitulado When doctors become patients [Quando médicos se tornam pacientes] (ed. Oxford), os médicos aprendem cedo que é necessário estabelecer uma hierarquia entre eles, seus pacientes e as doenças. Klitsman afirma que usar um jaleco, desde os primeiros tempos da faculdade, tem como efeito principal a crença de que ele possui poderes mágicos que repelem todo mal. Por isso, acreditam que nunca ficarão doentes. Apesar disso, vivenciar essas circunstâncias pode ser extremamente benéfico para a relação entre médicos e pacientes. Confira algumas histórias de vários especialistas e saiba quais foram as lições que eles tiraram dessas intensas experiências.

 
 
Hipertireoidismo

        Entre as doenças que um reumatologista trata existem aquelas de natureza autoimune. E eu descobri que tinha uma desse tipo, o hipertireoidismo. Comecei a me sentir mal e resolvi fazer os exames por conta própria, os resultados foram positivos. Depois, fui a um especialista, que conduziu todo o tratamento. Como é comum nesses casos, tive que tomar cortisona. As consequências foram as restrições alimentares e físicas, além do inchaço e a fome intensa, um dos efeitos do remédio. A partir de então, passei a entender como meus pacientes se sentiam na mesma situação. Eu me preocupava quando ouvia no consultório as queixas deles, e insistia para que se esforçassem na aceitação das circunstâncias da doença e no controle do peso. Minha doença é crônica, e está sob controle graças à medicação que estou usando.
Cláudia schainberg, professora de reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP.)

Dor aguda


      No meu caso, vivenciei um quadro de dor aguda, que teve como causa desencadeante dois procedimentos cirúrgicos. Um deles foi nos ombros e o outro, um refluxo gastroesofágico. Toda lesão de tecidos tem como consequência a dor e a primeira semana do pós-operatório foi muito difícil. Mesmo em repouso, eu não sentia alívio. Ter sido paciente nessas situações não foi complexo. Sou muito zeloso com meus pacientes, e sempre tive um cuidado especial com suas queixas. Jamais me neguei a receber um telefonema, nem desprezei uma preocupação. Ser um paciente, em curto espaço de tempo, ativou a crítica, pois fui capaz de perceber o grau de atenção que deve ser dispensado.
Dr. Claudio Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho.
 
Câncer de próstata

  Sempre estive atento aos exames preventivos, os quais fazia regularmente com meu urologista, até que ele identificou um nódulo e solicitou uma biópsia. Claro que me sentia preocupado, pois tinha consciência dos riscos da doença, mas enfrentei todos os procedimentos com tranquilidade. Após 45 dias do diagnóstico, fiz a cirurgia, e o prognóstico foi muito bom. Passados dois anos e meio desse evento, faço exames semestralmente, e assim seguiremos até que completem cinco anos da intervenção. A experiência influenciou minha relação com os meus pacientes: não em razão da cirurgia em si, mas pelo médico que me assistiu. Foi ele que me lembrou que é preciso olhar para o paciente com compaixão, conceito que, para mim, também engloba a solidariedade, sem que exista alguma diferença entre uma parte e outra. A lição que fica é que prevenir é sempre melhor do que curar.
Rubens de Barros, cirurgião cardíaco da Santa Casa de Misericórdia de Marília.
 
Acidente Vascular Cerebral (AVC)

        Numa manhã, acordei sentindo um leve formigamento na parte esquerda da face e da língua, mas achei que era um mal-estar passageiro. Os sintomas avançaram e tomaram todo o lado esquerdo do corpo. Comecei a ver as imagens duplicadas. O que se seguiu foi um autodiagnóstico de AVC. O curioso é que, sendo neurologista, esse é o tipo de problema com o qual lido diariamente. Desta vez, era eu quem estava vivenciando as queixas dos meus pacientes, incluído o medo. Meu maior receio eram as outras possibilidades que poderiam explicar os sintomas, como um tumor ou um surto de esclerose múltipla. Depois de fazer uma ressonância, o resultado indicou um pequeno AVC na região do tronco cerebral. O tratamento indicado nesses casos é medicamentoso, e o meu não foi diferente. Hoje, penso que me tornei bem mais tolerante com as demandas da prática médica.
Dr. Ricardo Afonso Teixeira, neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília (IBC).

Obesidade/Cirurgia bariátrica

 Apesar de ter um histórico de obesidade familiar e pesar 211 kg, eu me sentia protegido de todos os males. Mas isso só até a noite em que acordei passando mal e tive um sangramento pelo nariz. Eu sabia que era sinal de elevação súbita da pressão arterial e me assustei. Há anos que não fazia uma visita médica e, por isso, a maioria dos exames tiveram resultados alterados. Sempre fui muito cético em relação à cirurgia bariátrica em razão de seus riscos, mas percebi que eu tinha mais passado do que futuro. Me submeti à cirurgia, mas fui um paciente negligente.
As complicações apareceram. Como eu não tomava remédios para controle da acidez, desenvolvi uma úlcera. Essa condição levou ao desfazimento da cirurgia. Eu e minha cirurgiã decidimos fazer nova intervenção, que, no final, foi bastante delicada. Após a experiência, o que eu mais desejava era ser um médico como minha médica foi para mim. A lição que fica é que precisamos sair do banco do motorista e virar passageiros. É preciso se colocar no lugar do outro.
Dr. Emilton Lima Júnior, cardiologista da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
 

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