segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O erro médico




O pior erro médico é não dar ouvidos ao paciente. A frase que abre o clássico livro brasileiro de Semiologia, do médico Celmo Celemo Porto diz: deixe o paciente falar, e ele lhe dará o diagnóstico. Tão simples e tão complexo.

 Bom dia, boa tarde, boa noite deveriam ser itens básicos do convívio social assim como obrigado, de nada, por favor e com licença. Mas nem sempre é assim. Ao longo de quase 8 anos atendendo cedo pela manhã na rede municipal, não foram poucas as vezes em que recebi o agradecimento de pacientes por um simples bom dia. E sempre me fiz a pergunta: como assim?

 A empatia, capacidade de se transpor ao lugar do outro, é o item primordial na construção da relação médico-paciente. Esta relação está implícita na necessidade do paciente, mas a confiança no profissional não vem agregada no pacote. Usualmente o paciente chega na consulta médica carregado de informações do "Dr.Google", e cabe ao médico organizar e, muitas vezes, desmistificar a leitura sem conhecimento científico que o paciente faz das informações colhidas com fácil acesso na rede.

 Não há como tornar acolhedor um momento que deve ser íntimo sem empatia. A consulta médica é um microcosmo do convívio em sociedade, onde somente o ato de ouvir o outro, suas ideias, seus hábitos e seus posicionamentos nos fará dialogar melhor com suas necessidades, e nos propiciará relacionamentos melhores e mais sólidos.

 O paciente é o signatário da dor, o médico do conhecimento, e as duas coisas só chegarão ao ponto comum se uma boa relação for formada. Esses são conceitos clássicos desde a Medicina de Hipócrites, passam pela de Avicena, ou Ibn Sina, no Oriente Médio, durante a chamada era de ouro do Islã, e devem ser resgatados nos atribulados dias atuais, diante de tamanha evolução científica proporcionada ao longo do século XX.

 O médico erra quando diante do seu conhecimento imagina-se autossuficiente. Piora a situação quando não compreende que a posição em que o paciente se apresenta diante de si, é uma posição inferiorizada pela doença, e necessita de acolhimento.

 Ouvir a queixa e compreender o cotidiano do paciente, a partir dos seus relatos, é o princípio da ciência médica construída ao longo dos séculos. Se estamos perdendo essa essência, especialmente por falta de paciência, é porque estamos perdendo a capacidade de convívio social, e esquecemos que o princípio básico que nos construiu enquanto espécie neste planeta foi o altruísmo.

 Ouvir com empatia e altruísmo são pontos chaves na construção da relação médico-paciente. Assim como na Medicina se forma um pensamento diagnóstico a partir do ato de ouvir, evitando o erro,  precisamos melhorar nossa capacidade de diálogo e comprometimento para construirmos um melhor caminho em sociedade para o futuro.
 
Marinho Búrigo é cirurgião de joelho, pós-graduado em Medicina do Esporte e mestrando em fisiologia do exercício na Unesc
 

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