segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Hospital sem infecção? Conta outra

O consumo mundial de antibióticos cresceu 30% em uma década. Por que isso é um problema para as instituições de saúde e para todos nós
 
(Foto: Thinkstock/Getty Images)
 
 
Se algum hospital disser, todo orgulhoso, que não teve casos de infecção no último ano, saia dali correndo. É mentira ou sinal de vigilância precária. Problemas ocorreram, com certeza. Só que ninguém estava encarregado de investigar e registrar.
 
Hospitais são ambientes propícios ao desenvolvimento de superbactérias, aquelas criaturas terríveis que conseguem resistir até aos antibióticos mais modernos. Depois de pegar carona nas mãos e nas roupas de funcionários e visitantes, elas ganham as ruas. Deixam de ser um problema familiar para se tornar uma ameaça coletiva.  
 
Não estaríamos vivendo a crise atual de ineficácia dos antibióticos se tivéssemos feito bom uso deles. O consumo irracional dessas drogas é grave e tende a piorar, segundo um relatório mundial, divulgado na semana passada pelo The Center for Disease Dynamics, Economics & Policy, uma instituição com sede em Washington, nos Estados Unidos, e em Nova Délhi, na Índia.
 
Entre 2000 e 2010, o consumo global de antibióticos cresceu mais de 30%. Passou de 50 bilhões de unidades para 70 bilhões, segundo dados de 71 países. O consumo per capita é maior nos países ricos, mas a maior elevação foi observada nas economias médias.

O consumo total de antibióticos cresce de forma acentuada nos chamados BRICS. Em uma década, o aumento foi de 68% no Brasil, 19% na Rússia, 66% na Índia, 37% na China e 219% na África do Sul.

Grande parte desse crescimento tem relação com o excesso de remédios na produção de carne. Os antibióticos são usados não apenas para tratar infecções nos animais, mas também para promover o crescimento – uma aplicação controversa e disseminada.
 
A ideia é matar as bactérias intestinais que vivem naturalmente no organismo para reduzir a competição por energia. Com isso, o animal absorve mais nutrientes da comida, cresce rápido e vale mais.

O problema, novamente, é de todos nós. O mundo quer ser alimentado, mas essa prática tem consequências que não podem ser ignoradas. As bactérias resistentes a antibióticos são encontradas no ar e no solo das fazendas, na água, na carne e no frango processados. Se levadas para a cozinha, podem contaminar outros alimentos.      

O Brasil foi o terceiro país do mundo com maior uso de antibióticos na criação de animais. Foram 5 mil toneladas em 2010. Os Estados Unidos usaram 7 mil. A China, 15 mil. Segundo as projeções do relatório, o Brasil estará usando 8 mil toneladas em 2030, menos que os Estados Unidos (10 mil) e a China (33 mil).

A pecuária é um capítulo importante da história da resistência bacteriana, mas é preciso assumir que grande parte da crise é desencadeada pela farmacinha de casa. De 20% a 50% do uso total de antibióticos é considerado inapropriado.

Isso acontece em três situações:

• Quando a pessoa toma antibiótico sem nenhum benefício. Para tentar curar uma gripe, por exemplo. Antibiótico existe para matar bactérias. Não tem nenhuma serventia quando a doença é causada por vírus.
• Quando o antibiótico não é o ideal para determinada doença ou quando o paciente não segue as orientações médicas (deixa de tomar todas as doses e não respeita os intervalos recomendados)
• Quando a pessoa toma remédio por conta própria ou usa os comprimidos receitados para outra pessoa.

Cerca de 80% dos antibióticos são usados fora dos hospitais. Nessas instituições, alguns cuidados simples reduzem o risco de infecção. Lembre-se deles quando precisar visitar alguém:

• Lave as mãos antes e depois da visita. Oitenta por cento das infecções hospitalares são evitadas com a higiene das mãos
• Evite levar comida ao paciente. Prefira presentear a pessoa com um livro, uma revista ou um brinquedo
• Se estiver resfriado ou com alguma lesão na pele, adie a visita. Bactérias corriqueiras podem provocar graves danos ao doente
• Não sente na cama do doente. As roupas dos visitantes têm bactérias que não devem se misturar com as do hospital
• Evite ir ao quarto de outros doentes. Você pode virar um veículo de disseminação de germes de um paciente para o outro
• Se o paciente voltar para casa infectado por uma bactéria resistente, lave as mãos muito bem antes e depois de atendê-lo

Gostou das dicas? Repasse aos amigos e ajude a construir uma cultura de uso racional de antibióticos. Cada irresponsabilidade individual contribui para o surgimento de bactérias duras na queda. Um dia elas podem se tornar invencíveis. Não é ficção científica. É natureza pura.

Se alguém toma um antiinflamatório de forma errada, o problema é dele. Quando faz isso com um antibiótico, o problema é nosso.
 

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