terça-feira, 13 de setembro de 2016

Pacientes sofrem na hora de tentar remediar erros médicos

Para ter reparação, maioria das vítimas precisa enfrentar longos processos judiciais
 
Raul do Amaral Defino perdeu um filho de 24 anos porque não foi corretamente
 diagnosticado  com o vírus H1N1 - Edilson Dantas / Edilson Dantas

 
RIO - Em setembro do ano passado, a técnica em enfermagem Elysangela Monteiro fez uma cirurgia de apendicite, no Hospital Geral da Unimed, em Belém. Era para ser um procedimento relativamente simples, mas deixou marcas permanentes. Segundo ela, durante a cirurgia o médico comprimiu um nervo, o que teria causado uma doença chamada dor neuropática crônica.
 
Os erros médicos ganharam as manchetes dos jornais em fim de janeiro, quando 18 pacientes ficaram cegos após operação de catarata, em São Paulo. As investigações preliminares sobre o mutirão, que atendeu 27 pessoas, constataram falhas na limpeza do material cirúrgico.
 
O advogado especialista em Direito à Saúde, Rodrigo Araújo, diz atender cada vez mais vítimas de erros médicos e acredita que este aumento está intimamente ligado à falta de médicos. Afirma que os erros ficaram mais frequentes após a grande adesão aos planos de saúde, que ocorreu entre os anos 2000 e 2014. Ele diz que os médicos passaram a atender muito mais pacientes em um tempo menor, o que pode aumentar a chance de erros.
 
Elysangela precisou fazer mais duas cirurgias e, ainda assim, sente dores em várias parte do corpo. Para aliviá-las, precisa tomar 14 remédios por dia e usa um cateter para receber medicação intravenosa. Os efeitos colaterais dos medicamentos causaram transtornos mentais, que levaram Elysangela a ser internada numa clínica psiquiátrica.
 
DIAGNÓSTICO TARDIA
 
O caso de Daniel Delfino, filho do psicólogo Raul Defino teve um desfecho ainda mais trágico. De acordo com o pai, em 2009, o jovem recebeu um diagnóstico errado, não teve tempo de se tratar adequadamente e morreu, aos 24 anos de idade. Em julho daquele ano, durante pandemia do vírus H1N1, que hoje amedronta novamente os brasileiros, Daniel foi atendido no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e diagnosticado com uma gripe comum. Ele retornou mais duas vezes ao hospital com o quadro clínico cada vez mais grave.
Após ser submetido a alguns exames, foi constatado “indício de pneumonia”. O médico, então, manteve os medicamentos prescritos no primeiro atendimento, somados a anti-inflamatório e antibiótico. Daniel permaneceu no hospital as primeiras 12 horas e foi informado que seu plano de saúde, da Associação Beneficente dos Empregados em Telecomunicações (Abet), não cobriria a sequência do atendimento porque ele estava em período de carência contratual. A família, então, decidiu transferi-lo para outro hospital como paciente particular, onde foi constatada a suspeita de a gripe ter sido causado pelo vírus do H1N1. Mesmo com todos os esforços da equipe médica, o estágio da doença estava muito avançado e Daniel não resistiu.
 
O laudo do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo concluiu que houve demora excessiva no diagnóstico, o que comprometeu a efetividade do tratamento. Passados sete anos, o processo de indenização ainda corre na Justiça.
 
— Meu filho era um jovem cheio de projetos, tinha acabado de se formar em Administração e planejava cursar engenharia. Não há dinheiro que repare essa perda, mas quero justiça — diz Delfino.
O Hospital Sírio-Libanês afirma que o atendimento ao paciente seguiu o protocolo oficial vigente, e que os cuidados necessários foram prestados de acordo com as determinações do Ministério da Saúde. Já o plano de saúde Abet informou que Daniel foi atendido pela rede credenciada em quatro dias diferentes, submetido a diversos exames, todos autorizados. Quanto à internação, a operadora diz que foi opção dos familiares transferir o paciente para outro hospital, mas não informa se autorizou ou não a permanência do paciente no hospital.
 
O advogado Rodrigo Araújo explica que quando ocorre um erro médico, o paciente ou a família pode recorrer à Justiça para pedir reparação e denunciar o médico ao Conselho Regional de Medicina. Os pedidos variam caso a caso, mas é possível pleitear, judicialmente, indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes. Em alguns casos, pode-se requerer pagamento de pensão.
 
Pedro Lopes Leite, advogado da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Abradecont), explica que, em se tratando de hospitais públicos, além da unidade, o paciente pode processar o município, o estado ou a União, dependendo do responsável pela gestão.
 
ERRO SÓ QUANDO HÁ NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA
 
Os especialistas aconselham que, antes de qualquer ação, a vítima tenha em mãos os laudos de exames anteriores e posteriores ao evento que caracterizou o suposto erro. Um documento essencial é o prontuário médico, e sua entrega é um direito do paciente que o hospital não pode negar. Mas o insucesso de um tratamento não necessariamente caracteriza erro médico, alerta Araújo: este somente ocorre quando for demonstrado que o médico agiu com negligência, imprudência ou imperícia.
 
Para especialistas, via de regra, erros médicos são uma fatalidade, um fato imprevisível. E dizem que a única forma e evitar é buscar médicos ou hospitais de confiança. A advogada especialista em Direito à Saúde, Renata Vilhena, aconselha consultar o Tribunal de Justiça para ver se o profissional escolhido responde a algum tipo de processo.
 
Após também ter sido vítima de um erro médico, a advogada Célia Destri fundou a Associação de Vítimas de Erros Médicos (Avermes), no Rio de Janeiro, para ajudar pessoas carentes que passaram por situações parecidas com a dela. Em 1990, em uma cirurgia de cisto de ovário, ela ficou em estado grave e acabou perdendo o rim esquerdo. A Avermes atendeu mais de mil casos, até o fim do ano passado, quando encerrou as atividades.
 
— Já estou com quase 70 anos, com problemas de saúde e sem condições de lidar com atribulações o tempo inteiro. Abrimos o caminho para que outras unidades pudessem surgir e fazer um trabalho com o mesmo objetivo.
 
Sobre o caso de Elysangela, a Unimed Belém informou que não pode detalhar a situação clínica em que a paciente deu entrada no Hospital Geral da Unimed, bem como a conduta médica utilizada, em razão do sigilo determinado pelo Conselho Federal de Medicina. A operadora afirma que os médicos empregaram todos os meios e técnicas adequadas de acordo com o que a prática médica recomenda, e nega que tenha havido qualquer erro médico. Entretanto, disse que adotará as medidas para melhor apurar os fatos. No caso do mutirão das cataratas, o Ministério Público de São Paulo informa que foi instaurado inquérito civil para apurar as causas e consequências do procedimento.
 
 

 

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