quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CNJ busca qualificar decisões dos juízes para combater as máfias da saúde




Cirurgias desnecessárias, internações fraudulentas e até mesmo pedidos de remédios para pessoas que sequer estavam doentes. Essas são algumas das demandas que, diariamente, batem à porta do Judiciário e aumentam, a cada dia, o processo de judicialização da saúde. Enquanto muitos cidadãos procuram seus direitos para garantir a própria vida, a atuação de máfias desafia os juízes e expõe fragilidades do sistema de Justiça brasileiro.
 
Diante desse preocupante cenário, ganha força a ideia da necessidade do fortalecimento da estrutura de apoio aos magistrados que se deparam cotidianamente com esses pedidos. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem assumido papel protagonista ao acompanhar de perto o problema e propor ações efetivas no auxílio dos magistrados. “Estamos oferecendo ferramentas para o fortalecimento desse sistema. O juiz precisa de suporte para deferir ou não um pedido com a mais absoluta tranquilidade”, afirma o conselheiro Arnaldo Hossepian, supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área da saúde é uma das iniciativas do Conselho. Por meio de um termo de cooperação assinado entre o CNJ e o Ministério da Saúde, os tribunais ou Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-JUS) vão ter à disposição o suporte técnico-científico dos Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (NATS) para a produção de notas técnicas que possam aperfeiçoar o julgamento das demandas.
 
O objetivo é aprimorar o conhecimento dos juízes para a solução dessas ações. “Nossa ideia é que, em até 72 horas, seja possível dar uma resposta ao juiz, que poderá ou não seguir o parecer. É possível que a demanda seja temerária e ele, desamparado de conhecimento técnico, tenda a atender o pleito, por tratar-se da vida de alguém”, avalia Hossepian. Com mais informação, além de respaldo científico, o juiz e os próprios tribunais podem, inclusive, identificar a ação de máfias.
 
Denúncias - Ao longo da última década, a ação desses grupos criminosos foi denunciada em várias unidades da Federação. Os prejuízos aos estados e ao Distrito Federal são incalculáveis. “A atuação de tais máfias não é adequadamente monitorada, embora há anos a questão já represente preocupação constantemente externada por vários dos atores que compõem os comitês do Conselho Nacional de Justiça”, confirma o defensor público Ramiro Sant´Ana, integrante do Comitê Executivo do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Em 2008, a polícia paulista investigou funcionários da indústria farmacêutica que, com ajuda de médicos, usavam laudos falsos para permitir que pacientes entrassem na Justiça para solicitar medicamentos para tratar psoríase e vitiligo, ambas doenças dermatológicas. Esquemas semelhantes se utilizaram da Justiça para conseguir a internação de pacientes em leitos particulares de UTIs, assim como para a realização de cirurgias.
 
Iniciada em 1º de setembro deste ano pela Polícia Civil do Distrito Federal, a operação Mr. Hyde desarticulou um grupo criminoso formado por hospitais, médicos e empresas fornecedoras de órteses, próteses e materiais especiais. De acordo com o Ministério Público do DF, os indícios mostram que profissionais de medicina produziam relatórios técnicos fraudulentos para dar respaldo às liminares. Caso as suspeitas se confirmem, planos de saúde e magistrados podem ter sido enganados.
 
Mobilização - Pesquisa realizada pelo CNJ entre 2013 e 2014 apontou queda da judicialização em municípios após a instalação dos NATs-JUS. Isso porque os núcleos também agem na prevenção ao ingresso de processos judiciais pela solução administrativa dos conflitos e no suporte à gestão, ao mapear os pleitos mais comuns. “Os núcleos podem fornecer aos Comitês Executivos de Saúde do CNJ informações sobre demandas reiteradas de tratamentos com duvidosa evidência científica. Conseguir identificar com eficiência a reiteração de pedidos dessa natureza permitirá investigar de forma mais eficiente e direcionada organizações mafiosas. Trata-se de uma importante medida de racionalização da judicialização da saúde”, destaca Ramiro Sant´Ana.
 
Desde 2009, quando foi realizada a primeira audiência pública para debater a judicialização da saúde, o Conselho Nacional de Justiça acompanha o tema. De lá para cá, o CNJ editou resoluções sobre o assunto, criou o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde e passou a realizar as Jornadas de Direito da Saúde, em que são aprovados enunciados com informações técnicas para subsidiar os magistrados na tomada de decisões em ações judiciais sobre direito à saúde.
 
Modelos – Em alguns estados, os tribunais de Justiça já adotam medidas para identificar a atuação de grupos criminosos que buscam a Justiça para garantir lucro em demandas ligadas à saúde. A Corte do Rio Grande do Sul, por exemplo, assumiu papel de vanguarda ao compor, em 2012, o Comitê Executivo Estadual da Saúde, que luta pela redução do número de processos judiciais nessa área.
 
O colegiado, formado por representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, de representantes da rede de saúde estadual, atua trocando informações e estabelecendo exigências mínimas para o ajuizamento de ações. Em um primeiro momento, foi estabelecido um protocolo para a solicitação de remédios. Desde agosto deste ano, as internações hospitalares passaram a ser o novo foco do comitê.
 
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais é outra corte pioneira. Em 2012, o Comitê Estadual de Saúde de Minas Gerais estabeleceu uma parceria com o Hospital das Clínicas para um grupo de médicos emitir notas técnicas antes de o juiz decidir sobre a concessão da liminar nas ações que pleiteiam tratamentos de saúde ou medicamentos. “Tudo ocorre de forma eletrônica e o parecer é dado em, no máximo, 48 horas após o ajuizamento da ação. A nota técnica dos médicos qualifica bastante o magistrado para suas decisões”, diz o coordenador do Comitê Estadual de Saúde de Minas Gerais, desembargador Renato Dresh, que também é membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
 
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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