quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Erro médico: após apontar síndrome de Down como causa de morte, hospital é condenado

 Miguel Guimarães tinha síndrome de Down e morreu aos 4 anos, no Hospital Santa Helena. A Rede D'Or São Luiz diz que vai recorrer da decisão


A Justiça do Distrito Federal condenou, nessa segunda-feira (13/9), a Rede D’Or São Luiz, responsável pelo Hospital Santa Helena, a indenizar os pais de uma criança com síndrome de Down que morreu por erro médico na unidade hospitalar. O pequeno Miguel Guimarães Resende Soares faleceu aos 4 anos de idade, em 27 de abril de 2019.

O juiz Luís Martius Holanda Bezerra Júnior, da 22ª Vara Cível de Brasília, condenou a rede de hospitais ao pagamento de indenização por danos materiais e extrapatrimoniais decorrentes de falha na execução de serviços médicos, o que culminou no óbito da criança.

Conforme a decisão, Miguel deu entrada no Hospital Santa Helena em 18 de abril de 2019, apresentando quadro de febre, vômitos, diarreia e hiporexia, segundo relatório lavrado às 17h10 daquele dia. Na enfermaria, foi prescrita hidratação venosa, mantida em reavaliação realizada às 19h48. Porém, a médica responsável pela análise do paciente atestou que ele se mostrava “bem hidratado, embora pouco tolerante à reidratação oral, vislumbrando-se hipótese diagnóstica de gastroenterocolite aguda”.

À 1h00 do dia 19 de abril de 2019, Miguel apresentou quadro de dispneia, palidez, extremidades frias e queda de saturação, e foi encaminhado para a emergência pediátrica. Em nova avaliação, realizada já na unidade emergencial, às 2h30, “teria sido constatado quadro de desidratação, cuja intensidade estaria a demandar reposição volêmica, só então prescrita, não tendo havido diagnóstico conclusivo da moléstia, permanecendo, como meramente aventadas, as hipóteses de gastroenterocolite aguda e desidratação”.

“Seguiu-se a prescrição de intubação em centro cirúrgico, ao que sobreveio o primeiro episódio de parada cardiorrespiratória e reanimação, sendo atestado, às 4h42 do dia 19/04/2019, que o paciente não se manteria hidratado, apesar da hidratação venosa administrada. O quadro de desidratação teria persistido, evoluindo com choque hipovolêmico, assim diagnosticado às 17h45 do dia 19/04/2019, apresentando o paciente ainda diarreia aguda grave”, diz o texto da sentença.

Segundo o pai da criança contou ao Metrópoles, o garotinho passou uma semana na UTI. Em 27 de abril, Miguel faleceu por edema cerebral, choque refratário, miocardite infecciosa e gastroenterite. Apesar disso, consta ainda no atestado de óbito que uma das causas da morte foi a síndrome de Down.

“Síndrome de Down não é causa de morte. Isso é um absurdo, um preconceito sem tamanho”, reclama o radialista e empresário Daniel Resende Soares, 34 anos, pai de Miguel.

Avaliação

Daniel relata que o filho começou a passar mal na noite do dia 17 de abril de 2019. “A minha esposa é medica e o medicou achando que era uma virose. Mas, no dia seguinte, ele estava bem molinho e fomos para o hospital. Ele foi atendido inicialmente por um médico, que o avaliou mas não fez a pesagem”, conta.

“Na troca de plantão, a médica que assumiu ia dar alta para ele. Mas, eu falei: ‘Como vai dar alta?’ […] Então, por conta desse erro na hidratação, que deveria ter sido feita uma hidratação mais reforçada, ele só foi sair do box lá para as 22h, quando foi para o quarto sem nenhum tipo de assistência do hospital. Quando foi mais tarde, ele sentou na cama, olhou para a gente e ficou roxo. Saímos correndo, chamamos a médica, tentaram fazer uma hidratação profunda, mas ele foi piorando e teve que ser encaminhado para a UTI”, narra. “As últimas palavras que eu ouvi dele foram: ‘Quero papai'”, completa.

Miguel era o único filho de Daniel e de Karla Mota Guimarães, 48. Após o falecimento, os pais do menino entraram com ação na Justiça pedindo o pagamento de R$ 6.723,02 correspondente às despesas com o funeral do filho. Solicitaram, ainda, a compensação dos danos extrapatrimoniais, devido à morte da criança, por meio de indenização estimada em R$ 522.500,00, para cada um.

Diagnóstico inadequado

Segundo o juiz Luís Martius Holanda Bezerra Júnior, “a sucessão consignada no prontuário evidencia que o paciente, no momento do atendimento inicial, já apresentava alterações patológicas tipicamente determinantes de desidratação (vômito frequente, diarreia e febre), que não teria sido adequadamente diagnosticada e tratada pela médica responsável pela segunda avaliação”.

“Constata-se a existência de conduta culposa, externada sob o viés específico da negligência, a determinar, pela deficitária atenção dispensada, a irreversibilidade do quadro”, afirmou o magistrado.

Na sentença, Luís Martius destaca ainda que “salta aos olhos, ante as circunstâncias e os desdobramentos do caso em exame, a atuação claramente deficitária, e, portanto, negligente, imputável a integrante da equipe médica do requerido, que, claramente, subestimou os sintomas do paciente e prescreveu, de forma insuficiente, tratamento incapaz de reverter, a tempo, o quadro apresentado.”

O magistrado também aponta que a prescrição teria sido limitada a 500ml de soro fisiológico, por via intravenosa, a cada oito horas, sendo que, diante da grave desidratação, a reposição adequada seria de 260ml por hora.

“E não foi feito isso, mas naquela hora a gente não conseguia nem raciocinar”, lamenta o pai de Miguel. “Infelizmente esse erro médico culminou na morte do meu filho”, desabafa.




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