Transporte de caixão no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca
Após as festas de fim de ano, a fatura a ser paga. O estado do Rio, que lidera o ranking nacional de taxa de mortalidade de covid-19, alcançou na quarta-feira (13) a maior média de mortes por dia (168) desde 24 de junho —um dos meses mais críticos da pandemia. Como reflexo, hospitais da capital registram lotação de leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva).
A ocupação de UTIs para covid é de 99,8% na rede rede pública (SUS) da capital neste começo do ano, segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a rede de saúde do Rio sofre um colapso devido à falta de leitos, com filas para internação e aumento da procura na atenção primária. Para infectologistas, medidas restritivas impostas pelas autoridades no Rio são insuficientes.
O sinal vermelho já havia sido aceso no mês passado, quando pacientes morreram se ter acesso a UTI. É o caso do paciente Cleber Fabrício, 67, que, mesmo com ação judicial, não conseguiu ser transferido para um leito de terapia intensiva e morreu de covid após 12 dias internado no CER (Centro de Emergência Regional) da Barra da Tijuca, na zona oeste.
Ele ficou em estado gravíssimo na sala vermelha do CER. Entrei na Justiça para que ele pudesse ser transferido para uma UTI, mas não conseguimos. No hospital só falavam que não tinha vaga. Foi horrível, não pudemos nem nos despedir dele.
Para Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, "foi uma decisão equivocada desativar o Hospital de Campanha do Riocentro sem um planejamento adequado e sem ter previamente conveniado os leitos com o setor privado".
A prefeitura estuda alugar leitos na rede privada, mas uma definição ainda não foi anunciada. Números da Associação de Hospitais do Estado do Rio também mostram lotação na rede privada —a taxa de ocupação dos leitos de UTI para covid é hoje de 98% na capital e de 78% no estado.
"A gente está analisando algumas instituições privadas que se propuseram a oferecer leitos e a gente deve ter, mais ou menos, na primeira ou na segunda semana de fevereiro já essas instituições credenciadas pra oferta de leitos", disse o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.
Para a Fiocruz, a alta taxa de mortalidade (157,8 óbitos por 100 mil habitantes) é reflexo de graves falhas no sistema de atenção e vigilância em saúde. Entre elas, a falta de profissionais qualificados para suprir a demanda.
As emergências ficam lotadas e as pessoas começam a morrer em casa. É um efeito cascata. Esse é um risco que estamos vivendo agora. Existe uma necessidade imediata da criação de novos leitos de terapia intensiva e aí entramos em um outro problema, porque, mesmo que se abram novos leitos, você não vai ter pessoal suficiente.
Márcio Nehab, médico da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Fiocruz.
Pesquisadora sênior da Fiocruz, Margareth Portela diz que é como se o Rio tivesse voltado no tempo. "Estamos com um padrão de casos se aproximando do que tivemos em julho e agosto e óbitos mais ou menos do que aconteceu em maio. Muitos hospitais estão tendo dificuldades de contratação de pessoal especializado em UTI."
Especialistas cobram medidas mais duras.
O prefeito Eduardo Paes (DEM) anunciou nesta semana um plano com medidas a serem seguidas por regiões da capital conforme classificação em três níveis de risco (moderado, alto e muito alto). Entre elas, está o funcionamento com restrições de bares, restaurantes, academias, cinemas e teatros mesmo em situação de "risco muito alto".
O prefeito pediu respeito às restrições, chegou a defender que "você tem uma forma de funcionar boates em que as pessoas não precisem ficar dançando" e afirmou que "a prefeitura não vai conseguir ficar de babá fiscalizando todo o cidadão".
Para Telles, "com o colapso que se teve na rede [de saúde], a prefeitura fez uma resolução que não impõe de maneira satisfatória o isolamento e o distanciamento social".
O infectologista Alberto Chebabo também defende que o isolamento seja mais rigoroso "principalmente com as atividades consideradas pouco essenciais como casas de shows, bares e restaurantes depois de certo horário".
Mesmo revogando a liberação nos estádios de futebol, só o fato de a prefeitura ter cogitado a reabertura ao público acendeu um alerta.
"A questão dos estádios não tem justificativa, o estádio é um local onde tem uma concentração grande de pessoas. Não é uma atividade que deveria ser, nesse momento, cogitada de ser liberada para público", disse o infectologista Alberto Chebabo.
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