quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Afastado de UPA e recebendo salário, médico atende em clínica particular

 

Por problemas psicológicos, médico foi afastado da UPA Leblon, em Campo Grande

Embora esteja afastado de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) desde outubro do ano passado "por razões psicológicas", um médico em Campo Grande (MS) continua atendendo clientes em clínicas particulares de cirurgia plástica enquanto recebe salário de R$ 5.000 pela Previdência Social em razão da licença.

Contratado desde 2012 para trabalhar na emergência da UPA do bairro Leblon, zona sul da capital de Mato Grosso do Sul, o cirurgião plástico Jovino Nogueira da Silva pediu, em outubro, à prefeitura que o transferisse de unidade porque não teria condições psicológicas para trabalhar no local. Ele alegou sofrer "perseguição" por parte de uma família que o acusa de negligência médica, segundo seu advogado.

Diante da negativa da Secretaria de Saúde em transferi-lo, ele apresentou um atestado médico apontando problemas psicológicos. A prefeitura acolheu o pedido em dezembro último com data retroativa a outubro. Em janeiro, renovou o afastamento até 16 de fevereiro.

Paciente marca cosulta com médico afastado de unidade de saúde pública; o UOL apagou seu nome na imagem.

Com salário médio bruto de R$ 5.000 para trabalhar uma vez por semana em plantão de 12 horas, o médico recebeu da previdência os vencimentos entre outubro e dezembro. Em janeiro e fevereiro, os pagamentos não aparecem no Portal da Transparência.

Durante todo o afastamento, porém, ele estaria atendendo como cirurgião plástico em pelo menos três hospitais e duas clínicas particulares. O UOL procurou uma delas, que confirmou a disponibilidade do médico para atendimento, mas não quis se pronunciar sobre a polêmica.

A reportagem teve acesso a uma denúncia anônima entregue à prefeitura e ao CRM (Conselho Regional de Medicina). Nela, uma pessoa agenda —por telefone e WhatsApp— uma consulta com o médico para o dia 4 de fevereiro, 12 dias antes de vencer o prazo de afastamento. Na conversa (imagem abaixo), a atendente de uma das clínicas relaciona outros quatro locais em que o médico poderia atendê-lo.

O que diz a defesa do médico

Advogado de Silva, David Frizzo afirmou ao UOL que o afastamento por razões psicológicas era "apenas para aquela unidade de saúde (UPA Leblon)". Segundo o advogado, o médico era "perseguido" pelos familiares e amigos de dona Maria do Carmo de Sousa Oliveira, morta em junho do ano passado, aos 71 anos, depois de esperar mais de sete horas por uma internação.

Inconformados, os filhos expuseram no Facebook o nome e o registro profissional do médico, que teria se negado "a mandar a imagem do eletrocardiograma solicitada várias vezes pela regulação para que fosse agilizada uma vaga em hospital", o que o advogado nega.

Evandro, filho da paciente que morreu sem atendimento, protesta contra morte da mãe

De acordo com Frizzo, "diante das ameaças e publicações, o médico ficou psicologicamente abalado e procurou apoiou psiquiátrico". "Ele pediu à prefeitura transferência daquela unidade porque isso prejudicava sua saúde", disse.

A prefeitura, no entanto, negou o pedido em razão da necessidade de profissionais para atuar no combate à pandemia de covid-19. O cirurgião, então, entregou um atestado médico pedindo afastamento da UPA, o que foi aceito.

"O atestado médico é específico para o atendimento naquela unidade", diz o advogado. "O que está causando isso é essa família, que faz protestos com cartazes e camisetas em frente à UPA. Quando o médico não está na unidade, ele se sente bem." O advogado também responsabilizou a prefeitura.

É como se uma mulher vítima de violência doméstica fosse mandada pelo delegado de volta para casa David Frizzo, advogado do médico.

Procurado, o filho de dona Maria do Carmo, o enfermeiro aposentado Evandro Oliveira, 47, disse que "não existiram protestos". "Foi apenas um protesto na frente da UPA numa terça-feira, 16 de junho, às 05h57", afirma.

Após a polêmica, o médico pediu na semana passada uma "licença não remunerada para tratamento de questões pessoais". "Como é servidor público, ele pode ficar até 2 anos afastado", diz o advogado.

Caso precisa ser investigado, diz professor

Professor de direito administrativo da PUC-SP, o advogado Marcelo Figueiredo diz que a secretaria deve abrir um processo administrativo "para saber se ele recebeu indevidamente e por quê".

"Só há improbidade quando há dano ao erário e ao princípio da administração pública", diz. "Esse atestado é verdadeiro? Ele estava doente ou não? Se foi uma fraude, quem deu esse atestado? Isso tudo deve ser investigado antes de dizer se ele praticou improbidade", afirma Figueiredo.

"Ele pode ser inocente ou ter cometido apenas falta de ética. O correto é a secretaria abrir uma sindicância para investigar. Ele precisa ter direito a ampla defesa", diz.

Procurada, a prefeitura afirmou em nota que "foi solicitada abertura de sindicância para apuração dos fatos" e que "o exercício da função em outras localidades sem as condições adequadas para tanto devem ser levadas ao conselho de classe, que tem como dever avaliar a sua conduta e se o mesmo tem condição de prestar atendimento".

Já o CRM de Mato Grosso do Sul informou em nota que "encaminhou o caso para sindicância", mas não informou prazos: "Sendo constatada irregularidade, será aberto processo para as punições cabíveis".

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