Para médica obstetra e enfermeira entrevistadas pelo Balanço Geral Florianópolis, orientações durante o pré-natal podem ajudar a proteger a gestante e o bebê
A denúncia de violência obstétrica revelada por Raquel Afonso, que perdeu a bebê e teve o útero retirado por complicações durante o parto, trouxe à tona outras dezenas de relatos de mulheres que viram o momento mais esperado da vida, se transformar em um episódio traumático.
“A gente tem que ficar de olho, sim, em todas as instituições hospitalares, porque infelizmente as mulheres são tratadas muito mal. Tem uma infantilização muito grande e as mulheres não são ouvidas de forma alguma. Os métodos utilizados são ultrapassados. Não são métodos recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e não são baseados em evidências científicas. Inclusive, métodos proscritos pelo próprio Ministério da Saúde”, alertou a advogada especialista em violência obstétrica, Luaralica Souto Maior.
Nos corredores hospitalares, nem sempre a condição da paciente ou do bebê permite que o parto saia como idealizado pela mãe. Para a médica obstetra Fabiana Costa, é preciso melhorar a orientação às gestantes durante o pré-natal.
“A paciente muitas vezes chega na maternidade com uma expectativa que ela mesma criou, sem ter tido nenhuma orientação durante o pré-natal, e cabe a nós ali, naquele momento, na emergência, internar e tentar oferecer num tempo curto as informações que ela precisa. Por isso, a gente, em maternidade, tem que seguir protocolos. Eles são elaborados através de evidências científicas e eles que vão nos guiar”, explicou a médica.
Conforme especialistas, a indução do parto muitas vezes é necessária para preservar mãe e bebê. Mas a escolha do método precisa levar em conta o histórico da paciente, e principalmente, o consentimento dela. No caso da ocitocina sintética, medicamento amplamente utilizado para estimular o início das contrações, há protocolos rígidos para dosagem e acompanhamento.
Segundo Fabiana, “a ocitocina não pode ser usada à revelia, sem nenhum controle e com doses altas, por exemplo. Ela é colocada em bomba de infusão, é aumentada conforme a resposta que a gente tem dessa paciente. Então, tem pacientes que respondem com uma dose menor, tem pacientes que respondem com uma dose um pouquinho mais alta. De acordo com a evolução da paciente, a gente vai aumentando essa ocitocina até atingir uma dose ideal para produzir as contrações necessárias para a dilatação do colo”.
A infraestrutura hospitalar também é um fator determinante para a qualidade do atendimento na maternidade. Enfermeira e ativista do parto humanizado, Rafaela Queiroz Farias diz que as condições nem sempre são favoráveis.
“A gente lida diariamente com uma demanda muito grande para a quantidade de leitos e de equipe. Então, muitas vezes a gente não consegue dar todo esse suporte que a mulher vai precisar — de informação, de estar do lado, de apoiar, que realmente é uma assistência humanizada. Ainda mais no SUS, que nem sempre as equipes vão estar 100% ali para aquela única mulher. Vão estar com uma demanda grande, muitas mulheres para atender e isso dificulta o trabalho”, relatou a enfermeira.
O estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado em 2010, apontou que um a cada quatro partos tem relatos de violência, no Brasil. As queixas mais comuns das mães são de não receber o filho para amamentar logo após o nascimento, não poderem ficar com o bebê logo após dar à luz e terem a dor desmerecida durante o trabalho de parto.
As violências podem ser várias e em níveis diferentes. Como a negligência, quando há, por exemplo, a restrição do acesso do acompanhante previsto por lei. A violência física, como a aplicação de medicamentos de indução do parto sem consentimento. Ou a realização de procedimentos invasivos desnecessários. Além da violência verbal, que humilha, faz pouco caso da dor, ou constrange a mãe.
A psicóloga Marília Borba Candaten falou sobre os efeitos que a violência obstétrica pode ter em quem a sofreu: “Os sentimentos podem vir desde uma frustração, um sentimento de impotência, de indignação, raiva, medo, medo de uma nova gestação, medo do parto, rejeição à amamentação, rejeição ao próprio bebê, dificuldades nas questões sexuais, na auto imagem, depressão pós parto, síndrome do pânico, são alguns dos acometimentos que podem vir em decorrência de uma situação de violência obstétrica”.
Na lei, a violência obstétrica não está tipificada como crime. A Coordenadoria das DPCAMIs (Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso) em Santa Catarina não tem estatísticas sobre os casos no Estado. A subnotificação também é um problema. O choque emocional desencoraja as vítimas e sem denúncia, não há investigação.
Conforme a coordenadora das DPCAMIs em Santa Catarina, Patrícia Zimmermann D’Ávila, “não há um crime específico de violência obstétrica, mas pode caracterizar alguns crimes contra a honra ou talvez crimes de agressão física. Por isso, fica a informação à população: se você sofreu esse delito, procure ajuda, busque a delegacia de polícia para se informar”.
Para relatos dolorosos, de quem viu a maternidade chegar com violência, a orientação é não abrir mão da ajuda psicológica e dos direitos por meio da investigação. Para quem ainda vai viver o momento do parto, a recomendação da enfermeira Rafaela é “que as mulheres busquem mais ajuda nesse momento de gestação, busquem acompanhamento de uma enfermeira obstetra ou de uma doula, um grupo de gestantes. (…) que vão atrás e se informem para se preparar para esse momento”.
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