sábado, 19 de junho de 2021

TJ-BA obriga empresa a indenizar paciente que teve queimaduras no rosto por peeling

 


Uma clínica de estética de Salvador foi condenada pela Justiça a indenizar uma paciente em R$ 30 mil por ter sofrido queimaduras com peeling. Na ação, proposta em 2006, a paciente relata que procurou a clínica para realizar um tratamento na pele e foi orientada a usar uma fórmula e fazer um procedimento sem avaliação.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o peeling químico é a aplicação de agentes que destroem as camadas superficiais da pele. Em seguida, há regeneração com aparência geral melhorada. É uma forma de esfoliar e acelerar a renovação da pele. Pode ser superficial, médio e profundo. Os peelings superficiais precisam ser feitos em séries e a descamação costuma ser fina, já os médios e profundos são feitos em aplicações únicas, com descamação mais intensa e formação de crostas.

 

Segundo a autora da ação, mesmo tendo seguido todas as orientações médicas, começou a sentir fortes dores, com início de uma luxação e escurecimento da pele, tendo limitações de movimento facial e hematomas. Por conta do sofrimento, precisou se afastar do trabalho, pois atuava em um local aberto, e a exposição ao sol provocava mais irritações na pele. Ela teve que tomar analgésicos e ansiolíticos, além de outros medicamentos para amenizar a dor. Com o tempo, percebeu que as manchas estavam aumentando e as dores permaneciam. Como a situação não melhorou, procurou outro médico que a informou que o procedimento realizado no rosto foi exatamente o que provocou os hematomas e as queimaduras. 

 

A paciente processou a clínica para ser indenizada por danos morais e materiais. A ação tramitou na 2º Vara de Relações de Consumo de Salvador, sendo julgada pelo juiz Roberto José Lima Costa em dezembro de 2019.

 

A empresa, em sua defesa, alegou que a paciente já procurou o tratamento com queixas de manchas escuras no rosto, tendo sido avaliada com uma pele oleosa, associada a um quadro de fotoenvelhecimento cutâneo. Após a avaliação, foi proposto um tratamento médico com peeling químico de ácido retinóico. O procedimento consiste na esfoliação química da pele, que provoca sensação de ardor, vermelhidão e escurecimento da pele, com formação de crostas. A empresa diz que, por isso mesmo, a cliente deveria se proteger do sol por um período prolongado. A ré afirma que orientou a paciente a não ficar exposta ao sol.

 

A clínica narrou ainda que, logo que a mulher os procurou se queixando da vermelhidão, foi prescrita uma medicação anti-inflamatória e que pediu para ela não retirar as crostas, e acrescentou que em outra consulta deu amostras grátis de uma pomada para o rosto e reforçou a necessidade de uso de protetor solar. Também realizaram um tratamento chamado microcorrentes, sem novos custos. Logo após um acidente doméstico, a clínica receitou um antibiótico. Diz que posteriormente a paciente abandonou o tratamento e só pediu uma receita médica. Devido a essas considerações, pediu que a ação fosse julgada improcedente, pois não houve falha da prestação de serviço e que a paciente já havia tentado outros procedimentos anteriormente, mas que não obteve sucesso.

 

“Ora, se a autora procurou o tratamento de peeling exatamente com o fim de embelezamento, por óbvio, as queimaduras provocaram uma violação à sua imagem física. O contrato, neste caso, é de fim e não de meio. Daí, não ter alcançado o resultado almejado”, diz o juiz na decisão. Para o magistrado, fica evidente que “houve a quebra na relação de confiança firmada entre as partes”. “Configurada a quebra da confiança é um direito de qualquer das partes encerrar o vínculo contratual, pois ninguém é obrigado a permanecer em uma relação jurídica em que já não existe mais confiança ou segurança seja no tratamento ou em relação ao profissional que irá realizar o serviço”, analisou o juiz. A indenização foi fixada em R$ 30 mil.

 

A empresa recorreu da decisão. O recurso foi relatado pelo desembargador José Cícero Landin, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Nesse momento, a empresa declarou que o arranhão provocado por um cachorro de estimação da autora deu causa ao agravamento da situação. No acórdão, o desembargador destaca que “a falha do médico no exercício de sua profissão é o mau resultado ou resultado adverso decorrente da sua ação ou omissão, por inobservância de conduta técnica”. “A imperícia decorre da falta de observação das normas técnicas, por despreparo prático ou por insuficiência de conhecimento. A imprudência ocorre quando o médico assume riscos para o paciente sem respaldo científico para seu procedimento. E, por fim, a negligência é a falta de cuidados inerentes ao paciente, sendo a forma mais frequente de erro médico”, declarou no voto.

 

Para ele, houve imperícia médica no caso, e os profissionais de saúde “têm a obrigação moral e o dever profissional de cumprir protocolos e rotinas dos quais não podem se descurar, garantindo eficácia no tratamento e, talvez, salvaguardando-se de futuras acusações, como no presente caso”.

 

“Restou evidenciado o nexo de causalidade entre a conduta da médica da apelante e o estado de saúde que apresentou posteriormente a recorrida, posto que, se agisse como determina o procedimento padrão, sendo diligente e atenciosa, quando do retorno da recorrida com as queixas de dores e apresentação das lesões, poderia ter evitado as sequelas apontadas”, avaliou o desembargador. Desta forma, o colegiado manteve a indenização de R$ 30 mil.

 

ACOMPANHAMENTO PREVENTIVO

 

Para evitar complicações, o cirurgião plástico Vitor Felzemburgh, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Sociedade Brasileira de Queimadura (SBQ), aponta alguns cuidados que devem ser tomados antes e após o procedimento, além de explicar como deve ser feito o tratamento.

 

Sem citar o caso específico, o cirurgião, que também é professor da UniFTC, alerta que os peelings médio e profundo, por serem mais agressivos, só devem ser feitos por profissionais treinados para execução do procedimento. Fatores como o grau de alteração ou espessura da pele, risco de pigmentação ou alergia determinam qual tipo é o adequado para cada caso.

 

"Os peelings realmente são mais agressivos, eles vão gerar uma resposta inflamatória mais intensa. Se pesar um pouquinho a mão ou se houver alguma alteração do produto, pode causar uma queimadura". Além da lesão profunda em forma de ferida, o profissional afirma que pode haver outros graus de sequela, como atrofia de parte do subcutâneo com diminuição de elasticidade, cicatriz, região hipercrômica (mais escura) ou hipocrômica (mais clara).

 

O cirurgião recomenda buscar um profissional de confiança, para que nessas situações o paciente continue sendo acompanhado pelo médico que fez o procedimento. Mas caso o peeling químico tenha sido feito por um aplicador não capacitado, ou que não seja médico, Felzemburgh recomenda que o paciente busque atendimento. "O que temos de referência de queimadura aqui na Bahia é o Hospital Geral do Estado (HGE), esses tipos de lesões também são tratadas lá".

 

"A melhor forma de prevenir, no meu ponto de vista, é a escolha do profissional que tem treinamento", alerta. O cirurgião conta que há prepatatórios para o procedimento com carga horária de 15 mil horas, enquanto há outros com duração de um fim de semana. "Tem que ser médico, de preferência cirurgião plástico ou dermatologista". Felzemburgh recomenda procurar o nome do profissional escolhido no site do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) ou da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

 

Após o peeling químico, o cirurgião recomenda evitar exposição ao sol, usar um filtro solar prescrito pelo médico a cada quatro horas, evitar tocar na área afetada, não usar creme sem conhecimento do profissional que realizou o procedimento e hidratar bastante a pele antes e depois do processo. Mas reforça a indicação de continuar o acompanhamento com o médico responsável pelo caso.


"Cada pessoa cicatriza de uma forma diferente. Se você pegar mil pessoas e aplicar o mesmo produto, talvez alguém apresente uma reação adversa. Por isso é importante esse acompanhamento", completa.



Bahia Notícias


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