domingo, 23 de outubro de 2022

Advogado de Santos lança livro com alerta sobre erros médicos em hospitais privados - A Tribuna

 


Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019 mostra que, todos os anos, milhões de pessoas sofrem as consequências, muitas vezes fatais, de erros médicos. Os hospitais privados também têm essa preocupação. Para isso, se faz cada vez mais necessária a aplicação do princípio de compliance (integridade ou conformidade), comum a muitas empresas.

É o que demonstra o livro A Aplicação do Compliance em Hospitais Privados Para Prevenção de Erro Médico e Mitigação de Danos, baseado na dissertação de mestrado do advogado Márcio Gonçalves Felipe, do escritório Cury & Moure Simão Advogados Associados. A obra, da editora norte americana Lawinter, já está em pré venda no site da Amazon e aborda o tema, trazendo à discussão a função social do hospital privado e a necessidade de procedimentos e protocolos de segurança específicos. Confira a entrevista

Eu advogo há 13 anos e cuido (juridicamente) da Beneficência Portuguesa de Santos. Como cuido dessa área da Saúde, concluí mestrado neste ano em Direito da Saúde. O objetivo é demonstrar essa ferramenta de compliance para que os hospitais comecem a ficar mais sintonizados com as necessidades da população e o aprimoramento do trabalho hospitalar nos seus mais diversos segmentos. Meu trabalho, em específico, é para prevenção do erro médico, e isso envolve segurança do paciente, respeito à legislação, a figura do hospital perante a sociedade. A ideia é que você seja bem recebido do momento em que entra no hospital até receber alta.

O senhor entende que não é preciso aguardar a ocorrência de um grande problema para que haja essa conscientização.

Exatamente. Quando você viaja de avião, não deseja que o erro aconteça enquanto esteja viajando e que a empresa comece a consertar nos próximos voos. É a mesma coisa um hospital tem que trabalhar com essa perspectiva. É natural que os erros cotidianos aprimorem o serviço. Ele tem que trabalhar com todo o arcabouço de informações que já existem.

Sua ênfase é nos hospitais privados. Por que essa opção, sendo que o serviço público também necessitaria de algo nesse sentido?

O hospital privado é visto como o que só procura o lucro e esquece do paciente. Se um hospital público for condenado, ele vai ser representado pelo procurador, por um corpo jurídico próprio. E, se for pagar, vai ser por meio de precatórios. O que o hospital privado precisa entender é que vai ser penhorado da conta dele amanhã. Uma penhora de conta inviabiliza os serviços diários e, pior, cria uma imagem negativa do hospital perante a sociedade.

Os dados são retirados de índices eletrônicos nacionais, com base no banco de dados do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e também de órgãos como a Associação Nacional de Hospitais Privados. Esses erros acontecem porque existe uma lacuna entre a formação do profissional médico e a necessidade de ele entender como os tribunais estão pensando. Quase nenhuma faculdade tem na sua grade uma disciplina sobre responsabilidade civil ou sobre orientações de Direito Médico.

Uma das dificuldades de quem passa por erro médico é conseguir comprovar essa condição, por falta de provas ou disposição de reunir testemunhas. Como proteger esse paciente?

O compliance tem, entre suas principais ferramentas, o canal de denúncias. Ele nasceu por conta de grandes escândalos nos Estados Unidos com relação à contabilidade. Funciona como um departamento autônomo interno de uma instituição. Por isso é caro implantar, porque precisa destacar certos profissionais para realizar este tipo de trabalho. Não é uma caça às bruxas, porque não se pode tirar um profissional dali e utilizar como mártir para exemplificar aos outros. Você também tem que dar uma chance nesse processo de transição de cultura, para que ele entenda que precisa adotar uma outra postura.

Em termos de legislação sobre erro médico ela é adequada ou carece de modificações?

Ela precisa ser aprimorada, porque, hoje em dia, o erro médico é relacionado ao Código de Defesa do Consumidor, quando há uma relação contratual com um hospital privado. Existem autores que estão discutindo isso porque eu presto um serviço de saúde, ele é uma prestação comum? Na Alemanha, o Código Civil já introduziu o contrato de tratamento.

Como as entidades de classe, como CRM e CFM (conselhos Regional e Federal de Medicina), trabalham essa questão junto a seus membros?

Toda classe profissional tem seu lado corporativista. Acontece que tem aumentado muito o número de processos nos conselhos regionais e no Conselho Federal e têm crescido, consequentemente, as punições. Isso pode ser analisado por vários prismas, sobretudo quanto à formação profissional. Agora, como cada local coloca isso para funcionar é a grande preocupação do meu trabalho e de qualquer empresário que queira imprimir uma marca no seu hospital.

Se o senhor fosse elencar três ou quatro medidas prioritárias para implementar o compliance nos hospitais, quais seriam?

Deve haver uma revisão da cultura, da mentalidade; unir os departamentos necessários, como médicos, enfermagem e fisioterapeutas. E todo o trabalho de compliance começa pela alta direção. Pegar os responsáveis pelo departamento pessoal, recursos humanos, segurança de saúde e do paciente — este, a lei determina que exista esse núcleo. A partir daí, é feito um gerenciamento de risco, das áreas que, potencialmente, podem oferecer mais problema, e isso tudo incluido na governança. Depois, vêm monitoramento, treinamento, canal de denúncias e começar a desenvolver protocolos e diretrizes. Quantos por cento dos nossos casos, por exemplo, oferecem risco de infecção hospitalar? Podemos reduzir essa porcentagem? De que forma? Chamar os responsáveis e começar a elaborar uma política.

Muitos hospitais particulares também prestam atendimento ao SUS. Como fica essa questão do compliance, nesse caso?

Quando você tem um atendimento SUS, tem uma relação com o Poder Público local. Os contratos firmados com esses departamentos já possuem uma avaliação periódica de qualidade, feita com os gestores de saúde locais. É necessário que você também tenha essa interface, porque tem que mostrar números para o ente público que o remunera, de acordo com o que ele espera que você atenda. Por exemplo às vezes, você vai lidar com um órgão fiscalizador, como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que aplica multas e penalidades por conta de erros de procedimentos em atendimento. Por isso, também precisa de uma frente para lidar com isso.

Durante a pandemia, os médicos se submeteram a jornadas extenuantes, tanto física como mentalmente. Este é um elemento que pode facilitar a ocorrência de erros médicos?

Os médicos procuram mais atendimentos para aumentar os rendimentos. O médico sabe que isso tem um custo, porque, se é cirurgião, também trabalha com a parte física. Se ele está trabalhando com isso, sabe que o seu trabalho será avaliado. Ele deve ter conscientização, mas o hospital deve fazer uma avaliação do profissional. É necessário que haja limites. Isso começa a falhar quando achamos que temos que tratar de doenças, não de doentes.

Tanto o programa de compliance deve ser visto como uma necessidade pela alta direção dos hospitais, assim como de uma forma interessada pelas faculdades de Medicina. Se há um gasto inicial, no final, a agregação do valor ao nome do hospital fica na mente por muitas gerações.




Nenhum comentário:

Postar um comentário