segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Quatro médicos são denunciados por homicídio culposo contra criança de 2 anos em Fortaleza

 Vitima morreu com quadro de meningite, o que não foi observado, conforme a denúncia, pelos quatro médicos que atenderam a vítima

De acordo com o advogado da família da vítima, Daniel Maia, a criança morreu pela "negligência" desses quatro médicos

O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou quatro médicos por homicídio culposo contra uma criança de dois anos em que, supostamente, aconteceu devido a negligência médica. A denúncia foi enviada à Justiça Estadual na última sexta-feira, 7. O caso aconteceu em Fortaleza. O óbito da criança foi registrado em decorrência de meningite, quadro que não teria sido observado, conforme a denúncia, pelos quatro médicos que atenderam a vítima.

O caso aconteceu entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2021, num hospital da rede privada na Capital. A denúncia foi feita pela 174ª Promotoria de Justiça de Fortaleza. Foi apresentada à 13ª Vara Criminal, na última sexta-feira.

O POVO opta por ainda não publicar nomes dos médicos e do hospital porque a denúncia ainda não foi oficiada às partes. O documento foi obtido pelo O POVO junto a fontes.

Conforme a denúncia, no dia 30 de agosto do ano passado, a criança, identificada como Bernardo Jacob Granjeiro, deu entrada no sistema do hospital apresentando sintomas de febre, indisposição, inapetência e início de coriza.

No primeiro atendimento à criança, feito pela plantonista 1, na noite do dia 30, foi passado apenas medicação para febre e orientação de espera, em pronto atendimento, até a febre passar. Na ocasião, nenhum exame laboratorial foi passado à criança pela médica, que em seguida encerrou o seu plantão.

A criança passou a ser atendida pelo segundo médico, plantonista 2, no mesmo dia. O médico concluiu pelo diagnóstico de febre "inespecificada", com alta após consulta. A criança deixou o hospital, às 22h38min, quatro horas após ter dado entrada no sistema.

Ainda segundo a denúncia do MPCE, nos dois atendimentos, os pais da criança não receberam registro de solicitação de exames clínicos, como também a criança não foi reavaliada em exame físico pelo Plantonista 2, no momento da alta médica.

No dia seguinte, pela manhã, a criança retornou ao hospital após não ter apresentado melhora. Os pais relataram o caso para a terceira médica que atendeu a vítima.

Em exame físico, foi constatado "estado geral comprometido". Foi receitado medicamento para febre e soro. Também foram indicados exames laboratoriais, como ultrassom de abdome e raio X de tórax, os quais anteriormente não haviam sido prescritos.

Conforme orientação da médica, os exames deveriam ser feitos duas horas após a febre passar e, por este motivo, manteve a criança em bolsa de soro com medicação para febre, "prolongando o início do tratamento com uso de antibióticos ou outros fármacos" - registra a denúncia.

Outros exames que poderiam auxiliar no diagnóstico de meningite não foram solicitados pela plantonista 3, como exame neurológico. Além de não mencionar a prescrição de internação ou tratamento por antibióticos.

O MPCE aponta que a médica optou por aguardar a realização de exames laboratoriais, por quase duas horas, "ignorando o quadro clínico da criança, que estava em franco declínio, e que horas depois culminaria no óbito do paciente".

A terceira médica encerrou o plantão sem os exames terem sido liberados e sem ter iniciado algum tratamento medicamentoso para melhorar o quadro sintomático da criança. No período da tarde, no dia 31 de agosto, ainda no hospital, a criança iniciou outro atendimento, conforme o documento do MPCE.

A quarta médica que atendeu a vítima avaliou e registrou declínio do estado de saúde da criança que, segundo a denúncia, parece ter sido omitido ou negligenciado nos registros da médica antecessora.

A plantonista 4, pelo Relatório de Reavaliação Médica, descreveu que o menino preenchia os critérios para sepse clínica (disfunção de órgãos com risco de vida, por conta de quadro infeccioso), indicando a internação hospitalar "para melhor observação do paciente". Ela também solicitou prioridade no resultado dos exames feitos pela criança.

Apesar da suspeita de diagnóstico de sepse clínica, a médica solicitou nova ingestão de soro fisiológico, a fim de que a criança urinasse. O surgimento de nenhum outro sintoma foi percebido no momento pela quarta médica que atendeu a criança.

Divergência de informações

De acordo com o Ministério Público, foi notada a divergência de informações entre as plantonistas 3 e 4. A primeira descreveu presença de estado geral comprometido e manteve a criança aguardando resultados de exames clínicos. A plantonista 4 registrou queda importante do estado geral da criança, aliado a sinais de desidratação, febre e alterações, preenchendo critérios para sepse clínica.

Ainda conforme o órgão, a "observação demonstra a imperícia por parte da plantonista 3 que não reconheceu os sinais clínicos presentes na sepse e, por este motivo, absteve-se de prescrever condutas médicas adequadas ao manejo do paciente".

Os pais da criança também foram informados que o hospital era uma unidade de pronto atendimento, onde não tinha leitos de internamento para crianças na faixa etária de Bernardo.

Diante da situação, a família manteve contato com um neuropediatra, amigo da família. Na denúncia, consta que o médico foi ao hospital e ao realizar exames físicos no paciente suspeitou de meningite.

A criança foi transferida para outro hospital particular. No local, o paciente foi internado, fez exames laboratoriais e foi administrado antibiótico e soro. A neuropediatra fez avaliação neurológica, confirmando a hipótese de meningite, em razão da rigidez da nuca, manchas discretas no corpo, fotofobia, sonolência e febre contínua.

A criança começou a ficar cianótica (pele arroxeada), com piora da frequência cardíaca e queda da pressão arterial. Foi injetada adrenalina na veia e feita a intubação da criança. O menino sofreu cerca de sete paradas cardíacas entre Centro Cirúrgico e UTI. O óbito foi confirmado no dia 1º de setembro de 2021.

O Ministério Público requisitou perguntas aos médicos envolvidos no caso para saber da atuação de cada um no atendimento à criança. O órgão denunciante diz que as respostas "corroboram o erro médico culposo", devido a contradições que revelam ausência de cuidado.

O MPCE denunciou os quatro médicos plantonistas por crime de homicídio culposo, especificamente praticado mediante erro médico - considerado no Código Penal Brasileiro. O Ministério Público também pediu à Justiça não caber acordo de não persecução penal.

Os denunciados deverão responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias, e em seguida, comparecer à audiência de julgamento.

De acordo com o advogado da família da vítima, Daniel Maia, a criança morreu pela "negligência" desses quatro médicos. "Conduta criminosa essa que está fartamente comprovada pela denúncia do Ministério Público. Há muitas provas que demonstram que eles não seguiram os procedimentos médicos que deveriam ter seguido", disse.

Ainda segundo Maia, a denúncia é muito forte. "A defesa da vítima, que é o pai do garoto, não tem dúvida de que eles serão condenados por homicídio culposo. Foi um homicídio cometido mediante a falta de observação de normas técnicas que eles deveriam ter", pontua.

Defesa

O POVO procurou a defesa dos quatro médicos para falar sobre o caso neste domingo, 9. No entanto, apenas um se manifestou.

Por meio de mensagem, o medico informou que ainda não está ciente da denúncia do Ministério Público, mas que irá se posicionar quando estiver ciente da situação.

O POVO também procurou a rede de hospitais que administra a unidade onde a criança foi recebida inicialmente, para saber se haverá posicionamento sobre o caso, e aguarda resposta.

O Departamento Jurídico do Conselho Regional de Medicina do Ceará (Cremec) informou ao O POVO que irá tomar as "medidas administrativas cabíveis" quando tiver ciente da denúncia.






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