A Constituição abre precedente para estados e municípios assumirem a gestão integral da Saúde durante a crise do novo coronavírus
Uma vida não vale mais que a outra. Em tempos de pandemia do novo coronavírus,
hospitais abarrotados, escalada nas mortes e sociedade fraturada, é
preciso relembrar até o mais fundamental dos princípios humanos. E é a
partir dele que nasce uma campanha, ainda embrionária, chamada Vidas Iguais.
O mote é simples: em uma situação de calamidade pública, como esta
que vivemos, cabe ao SUS assumir integralmente a gestão de hospitais e
profissionais de saúde. Sejam eles públicos ou privados.
É o que defende Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e colunista de CartaCapital. “Independentemente
de o sistema estar lotado ou não, há mais leitos disponíveis a quem tem
dinheiro”, explica. Os estados, municípios e até a União garantiriam
acesso igualitário a esse serviço.
Essa ideia não é inédita. Desde o dia 16, a Espanha repassou ao
conselhos de Saúde pública o poder sobre todos os recursos sanitários.
Incluindo os hospitais. Também há exemplos bem sucedidos no Brasil. Na
cidade de Betim (MG), o hospital Mater Dei cedeu quatro andares de sua
estrutura física para tratar infectados pelo novo coronavírus.
A indenização pelo “empréstimo” viria assim que a rotina volte ao
normal. A ideia tem ampla base na lei brasileira, completa o jurista,
citando inciso XXV do art 5º da Constituição:
“XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade
competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano.”
Além de garantir recompor a unidade social, a igualdade no acesso
também pode conter o ímpeto suicidário de parte da população
que, animada pelo pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na TV, tem
estrelado carreatas de “incentivo ao trabalho” em diversas cidades do
Brasil.
Curiosamente, a organização repassou aos manifestantes orientações
rígidas: todos os carros devem conter álcool em gel, máscaras, e uma
bandeira do Brasil. Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) proibiu manu militari que esse eventos ocorressem.
Pedro Serrano: Quando se decreta estado de
emergência, cria-se o direito ao poder público de requisitar bens,
serviços e pessoal de qualquer atividade privada. Esse pedido, é claro, é
objeto de indenização. Mas o pagamento só é feito quando acabar a
emergência.
Independentemente de o sistema estar lotado ou não, quem tem convênio
e quem tem dinheiro possui acesso a um número proporcionalmente maior
que o resto da população. Pode haver lotação e crise, mas a população
comum sofre mais. Em meio a uma pandemia e a essa crise, é justo que
haja igualdade no acesso a esses leitos. Vidas com dinheiro não valem
mais que as outras.
CC: Há exemplos bem sucedidos?
PS: Já houve na Itália e na Espanha, mas tardiamente. Aqui temos a chance de começar mais cedo. Na Itália, chegou-se a estatizar fábricas de remédios. Na Espanha, só os hospitais. Mas nós não precisamos chegar tão longe. Basta requisitar e entregar temporariamente ao SUS.
PS: Além do ganho material, há um efeito simbólico muito grande. Tratar as pessoas de forma diferente em um momento como esse, só promove desunidade, tumulto, desordem… E há também um efeito político. Parte da sociedade tem agido de forma muito perversa, vai fazer carreata, pedindo para afrouxar as orientações técnicas e científicas.
Eles sabem que são privilegiados. Eles acham que a doença não chegará neles e, caso chegue, haverá cuidado. Isso não é justo. Essa perversão, de propor ao outro o sacrifício, só perdura porque temos, nesse momento de pandemia, uma estrutura desigual. A campanha é a resposta adequada a essas carreatas.
CC: Conforme crescem os casos de Covid-19, mais o presidente e governadores se digladiam. E essa divisão começa a afetar também a sociedade. Nesse cenário, como tirar a campanha do papel?
PS: É preciso um movimento social. E também pedir ao Ministério Público que exija essa requisição da Justiça. Não é justo, em uma crise pandêmica, que os mais pobres sofram mais que os mais ricos. O sofrimento também precisa ser igual. Essa perversão de arriscar o outro em nome do próprio dinheiro meu fica inibida.
CC: Há exemplos bem sucedidos?
PS: Já houve na Itália e na Espanha, mas tardiamente. Aqui temos a chance de começar mais cedo. Na Itália, chegou-se a estatizar fábricas de remédios. Na Espanha, só os hospitais. Mas nós não precisamos chegar tão longe. Basta requisitar e entregar temporariamente ao SUS.
"Parte da sociedade tem agido de forma muito perversa. Eles sabem que são privilegiados. E isso não é justo"CC: E quais seriam os ganhos à sociedade?
PS: Além do ganho material, há um efeito simbólico muito grande. Tratar as pessoas de forma diferente em um momento como esse, só promove desunidade, tumulto, desordem… E há também um efeito político. Parte da sociedade tem agido de forma muito perversa, vai fazer carreata, pedindo para afrouxar as orientações técnicas e científicas.
Eles sabem que são privilegiados. Eles acham que a doença não chegará neles e, caso chegue, haverá cuidado. Isso não é justo. Essa perversão, de propor ao outro o sacrifício, só perdura porque temos, nesse momento de pandemia, uma estrutura desigual. A campanha é a resposta adequada a essas carreatas.
CC: Conforme crescem os casos de Covid-19, mais o presidente e governadores se digladiam. E essa divisão começa a afetar também a sociedade. Nesse cenário, como tirar a campanha do papel?
PS: É preciso um movimento social. E também pedir ao Ministério Público que exija essa requisição da Justiça. Não é justo, em uma crise pandêmica, que os mais pobres sofram mais que os mais ricos. O sofrimento também precisa ser igual. Essa perversão de arriscar o outro em nome do próprio dinheiro meu fica inibida.
CartaCapital