O ‘Nexo’ falou com dois professores de psicologia e uma professora de
microbiologia para reunir dicas a fim de incentivar a prevenção dos
incrédulos
A pandemia do novo coronavírus, que causa a síndrome respiratória chamada de covid-19, tem sido marcada pela rápida disseminação do vírus, o aumento de doentes e mortos e a pressão sobre os sistemas de saúde em todo o mundo. A crise, que extrapola os problemas sanitários, também abalou a economia e redefiniu prioridades de governantes.
Para evitar a contaminação, autoridades de saúde têm recomendado em todo o mundo que as pessoas limpem constantemente as mãos e o rosto. Elas também sugerem a adoção de medidas que mudam radicalmente o cotidiano, como o afastamento das atividades coletivas e a reclusão em casa. Isso vale inclusive para quem não tem a covid-19.
Uma pesquisa Datafolha divulgada no domingo (22) mostrou que a maior parte da população (74%) tem medo de ser contaminada pelo coronavírus e aprova medidas de contenção, como a quarentena temporária (73%). Além disso, quase todos (97%) os entrevistados da pesquisa disseram estar tomando atitudes para evitar o contágio.
88% consideram a pandemia “muito séria”, segundo pesquisa Datafolha; 11% dizem que não há motivo para tanta preocupação e 1% não sabe
Apesar da preocupação geral, há pessoas que demonstram indiferença à pandemia e não cumpre com as recomendações das autoridades sanitárias, saindo de casa sem precisar, por exemplo. A situação tem sido muito relatada por quem convive com idosos, que são parte do grupo de risco da covid-19.
A propagação de desinformação mostra que também há quem subestime a pandemia nas redes sociais. Agências de checagem mostram que um vídeo de janeiro do médico Drauzio Varella tem sido usado agora como desculpa para não adotar o distanciamento (em janeiro, não havia casos de coronavírus no Brasil, portanto o vídeo de Varella dizia que a vida continuava normal; hoje o cenário é outro).
O presidente Jair Bolsonaro minimizou várias vezes o problema. “Fantasia”, “histeria” e “gripezinha” foram alguns dos termos usados por ele para se referir à pandemia. Mesmo sob suspeita de estar contaminado com o vírus, ele foi a atos em março a favor do governo. Na terça-feira (24), pediu à população que voltasse à normalidade. O governo ainda lançou uma campanha “O Brasil não pode parar”.
Para evitar a contaminação, autoridades de saúde têm recomendado em todo o mundo que as pessoas limpem constantemente as mãos e o rosto. Elas também sugerem a adoção de medidas que mudam radicalmente o cotidiano, como o afastamento das atividades coletivas e a reclusão em casa. Isso vale inclusive para quem não tem a covid-19.
Uma pesquisa Datafolha divulgada no domingo (22) mostrou que a maior parte da população (74%) tem medo de ser contaminada pelo coronavírus e aprova medidas de contenção, como a quarentena temporária (73%). Além disso, quase todos (97%) os entrevistados da pesquisa disseram estar tomando atitudes para evitar o contágio.
88% consideram a pandemia “muito séria”, segundo pesquisa Datafolha; 11% dizem que não há motivo para tanta preocupação e 1% não sabe
Apesar da preocupação geral, há pessoas que demonstram indiferença à pandemia e não cumpre com as recomendações das autoridades sanitárias, saindo de casa sem precisar, por exemplo. A situação tem sido muito relatada por quem convive com idosos, que são parte do grupo de risco da covid-19.
A propagação de desinformação mostra que também há quem subestime a pandemia nas redes sociais. Agências de checagem mostram que um vídeo de janeiro do médico Drauzio Varella tem sido usado agora como desculpa para não adotar o distanciamento (em janeiro, não havia casos de coronavírus no Brasil, portanto o vídeo de Varella dizia que a vida continuava normal; hoje o cenário é outro).
O presidente Jair Bolsonaro minimizou várias vezes o problema. “Fantasia”, “histeria” e “gripezinha” foram alguns dos termos usados por ele para se referir à pandemia. Mesmo sob suspeita de estar contaminado com o vírus, ele foi a atos em março a favor do governo. Na terça-feira (24), pediu à população que voltasse à normalidade. O governo ainda lançou uma campanha “O Brasil não pode parar”.
O Nexo conversou com Luciana Costa, professora do Instituto de Microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Leila Salomão, professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), e Daniel Kupermann, psicanalista e também professor do Instituto de Psicologia da USP. Eles reuniram dicas de como conversar com quem não leva a pandemia do coronavírus tão a sério assim.
Relembre o básico
A covid-19 é uma doença altamente contagiosa, capaz de produzir um número enorme de infectados e afetar radicalmente a sociedade, segundo Luciana Costa. Ela diz que, numa conversa, o primeiro passo é sensibilizar o interlocutor para os possíveis efeitos da doença no Brasil.
“A primeira coisa é conscientizar e sensibilizar para a gravidade da situação. A pandemia tem um potencial devastador grande. Há chances de termos a maioria da população infectada. É preciso sensibilizar as pessoas para que cada um se proteja e proteja a comunidade” - Luciana Costa, professora na área de microbiologia na UFRJ, em entrevista ao Nexo
As boas práticas de prevenção durante a pandemia contribuem não só para a saúde individual, mas de todos que estão à volta. Medidas como o distanciamento social são defendidas porque ajudam a “achatar a curva” do coronavírus. Em outras palavras, elas ajudam a desacelerar o contágio, para que um número muito grande de pessoas não seja infectado num curto espaço de tempo, algo que pode sobrecarregar os sistemas de saúde.
Apesar de muitos casos serem assintomáticos ou apresentarem sintomas leves (como de uma gripe), a quantidade de infectados que têm quadro mais grave e precisa de atendimento hospitalar é grande — cerca de 20%, segundo Costa. Além disso, o quadro grave pode acontecer com qualquer pessoa, desde infectados idosos até os mais jovens.
Organize as fontes de informação
A pandemia do novo coronavírus está sendo acompanhada por uma enxurrada de informações que se atualizam todos os dias, rapidamente rearranjando as impressões sobre a covid-19 e os cenários da doença no mundo. Além das informações oficiais, uma onda de desinformação, mentiras e alarmismo acompanhou a repercussão do vírus no país.
A exposição ao excesso de informações (e desinformação) que sempre mudam e às vezes se desencontram é um dos motivos que afastam as pessoas de saber sobre a pandemia, segundo Leila Salomão. A resposta para levá-las ao debate é apresentar as fontes de informação seguras, como o jornalismo, os cientistas e as autoridades de saúde.
“Os cientistas, médicos, autoridades de saúde pública, os técnicos de saúde de forma geral — todos eles estudam epidemias, vírus e doenças infecciosas há muitos anos. Tudo que é dito é embasado em fatos científicos, em observações feitas se usando o método científico” - Luciana Costa, professora na área de microbiologia na UFRJ, em entrevista ao Nexo
Contra a desinformação nas redes sociais, sugira que o interlocutor cheque as mensagens que recebe antes de acreditar no que vê e antes de repassá-las para amigos e familiares. É possível encontrar checagens de conteúdos disseminados na internet em sites jornalísticos especializados nisso, como Aos Fatos, Agência Lupa e Comprova.
Use exemplo de outros países
As experiências de países que passaram por surtos de covid-19 antes do Brasil ajudam a mostrar ao interlocutor como a doença pode atingir o país à medida em que avança, disseram Leila Salomão e Luciana Costa ao Nexo. Além disso, é possível analisar quais medidas adotadas no exterior foram bem ou mal-sucedidas no combate ao coronavírus.
É possível, por exemplo, comparar o caso da China (onde o vírus foi descoberto e onde o governo adotou duras medidas de confinamento), da Itália (onde o confinamento demorou mais até valer), da cidade italiana de Milão (onde o prefeito pediu que os serviços não parassem, e os casos da covid-19 estouraram) e da Coreia do Sul (que fez altíssimo número de testes nas pessoas e conseguiu controlar a epidemia).
Não alimente o pânico
Ainda que o objetivo seja mostrar ao interlocutor por que a pandemia deve ser levada a sério, é preciso ter cuidado na hora de conversar para não causar pânico, disse Leila Salomão. A sensação de medo ou tristeza intensa prejudica as pessoas e pode afastá-las da conversa.
“Situações de estresse podem fazer com que as pessoas tenham duas posturas. A primeira é minimizar, dizer que é tudo mentira. A segunda é catastrófica, pessimista. Essas reações não ajudam em nada em um momento em que precisamos de responsabilidade, seriedade, contato com o que está acontecendo e seguir orientações científicas” - Leila Salomão, professora no Instituto de Psicologia da USP, em entrevista ao Nexo
Para aliviar o pânico, Salomão sugere lembrar às pessoas que os sacrifícios da pandemia, como o distanciamento, contribuem para ajudar outras pessoas (doentes, profissionais de saúde, pessoas que precisam trabalhar etc.). Ela também diz que é possível fazer distanciamento com criatividade, buscando criar uma rotina positiva dentro de casa.
Outra sugestão é incentivar que as pessoas busquem ajuda sempre que precisarem. “Precisamos de cuidados com a saúde mental, sem nos deixar levar pelo desânimo ou tristeza, nem pela negação”, disse. “A pandemia está, sim, acontecendo. Ela é séria. Mas vamos vencer.”
Acima de tudo, ouça
Antes de começar a conversa com alguém que tem outra visão da pandemia, é preciso escutar os argumentos da pessoa, afirma Daniel Kupermann. Aos poucos, dentro do possível, pode-se mostrar a ela quais partes do que ela disse são enganosas e não se sustentam.
“A informação, como a educação, se faz por meio do que chamamos de repetição. Mas não adianta ficar embrutecido e com raiva. É preciso escutar os argumentos. E tentar, a partir do estabelecimento de uma conversa respeitosa — de preferência, amorosa —, combatê-los” - Daniel Kupermann, psicanalista e professor no Instituto de Psicologia da USP, em entrevista ao Nexo
Kupermann atribui a desconfiança da covid-19 a uma característica muito humana, que é a resistência ao desconhecido. “A incerteza, o medo da contaminação, o medo da morte, o isolamento social, todas essas situações incrementam o sentimento de desamparo”, disse. Para sobreviver, há quem prefere negar o problema, abraçar a ignorância.
Por causa disso, ao falar com alguém que parece estar na defensiva, é importante também criar um vínculo de afeto. “O respeito, a amizade e o amor na hora da conversa são uma compensação para o sujeito, para o medo que ele tem daquilo que ele desconhece”, afirmou o psicólogo.
A politização da pandemia
No Brasil, o debate sobre o novo coronavírus caiu na polarização e foi diversas vezes abordado sob um viés político. Sem provas, o presidente Jair Bolsonaro insinuou em março, por exemplo, que há “interesse econômico” por trás da pandemia. A covid-19 também foi chamada de mentira em atos de apoio ao governo federal no dia 15 de março.
“Em 2009, 2010, tivemos uma crise semelhante [com a H1N1, a gripe suína], mas aqui no Brasil era o PT que estava aqui no governo, e nos Estados Unidos eram os democratas. A reação não foi nem sequer perto dessa que está acontecendo hoje em dia aqui no mundo todo” - Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista à CNN Brasil no dia 15 de março
A pandemia também foi usada por Bolsonaro para se opor ao Congresso e a governadores que restringiram o convívio social em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. O presidente defende que quarentenas trazem prejuízos econômicos maiores que a disseminação da covid-19 e pede que medidas como essa sejam revogadas.
É importante evitar a politização da pandemia durante conversas, segundo Leila Salomão. “A ciência não é política”, disse. “A Organização Mundial da Saúde dá as mesmas orientações para países com diferentes tipos de governo.” Além disso, “o vírus atinge todos. Ele não está nem aí para quem pensa A ou B”, disse Luciana Costa.
Ambas repetem que, neste caso, a opção mais segura é ouvir o que dizem as autoridades de saúde. “A ciência tem que estar acima de qualquer discurso político neste momento”, disse Costa. “Isso porque são a ciência e a medicina que vão de fato resolver [a pandemia]. Não é a opinião do político de que você gosta ou do grupo de WhatsApp.”
A desconfiança no vírus, apesar das evidências
A desconfiança algumas pessoas na pandemia do coronavírus está entre os exemplos da crise de credibilidade que atingiu a ciência em geral. Apesar das evidências sobre a covid-19, há quem conteste a confiabilidade dos estudos científicos e dos próprios pesquisadores.
64,2% dos brasileiros confiam na ciência, segundo levantamento de 2018 com dados do Banco Mundial e da pesquisa Gallup World Poll
Atualmente, uma série de estudos busca identificar as razões pelas quais algumas pessoas não confiam na ciência, apesar das informações disponíveis sobre a pandemia do coronavírus, a eficácia de vacinas ou a mudança climática. Entre essas razões estão a religião, a posição política, a moralidade e o grau conhecimento científico das pessoas.
Para Daniel Kupermann, a negação da ciência se relaciona, no caso de agora, à resistência em lidar com as incertezas que envolvem a pandemia. “Além de toda a incerteza, no caso da pandemia existem as más notícias”, disse. “A ciência dá más notícias porque nos coloca frente à nossa finitude, aos limites de nossa consciência e onipotência.”
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