Caso ocorreu no Hospital do Tricentenário. Larissa Ferreira da Silva, de 20 anos, disse que foi amarrada a uma maca e que demora causou morte da menina.
Grávida passa por três unidades de saúde, bebê morre e polícia investiga negligência
A Polícia Civil está investigando uma denúncia de negligência e violência obstétrica que resultaram na morte de um bebê, no Hospital do Tricentenário, em Olinda. De acordo com a mãe, uma jovem de 20 anos, foram três dias tentando ser atendida, em três unidades de saúde diferentes, na Região Metropolitana do Recife (veja vídeo acima).
Larissa Ferreira da Silva disse que teve atendimento recusado em mais de uma unidade, foi amarrada a uma maca e forçada a tentar um parto normal quando havia indicação de cesárea. Uma equipe do Hospital Tricentenário também começou a apurar o caso.
As complicações começaram no dia 6 de novembro. Com muitas dores, Larissa procurou a Maternidade Barros Lima, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife.
Moradora da comunidade de Ilha de Santana, no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda, a jovem disse que evitou ir para o Tricentenário, mesmo sendo mais perto, devido à "má fama" do local.
Segundo a jovem, na Maternidade Barros Lima, o médico que a atendeu afirmou que não se tratava de trabalho de parto e disse que ela fosse para casa.
Ainda de acordo com Larissa. as contrações aumentaram e ela decidiu voltar a procurar atendimento médico. Quando tudo aconteceu, a jovem estava com 40 semanas e três dias de gestação.
"Disseram que eu estava com bolsa íntegra. Eu não conseguia nem comer de tanta dor. Fui para o Hospital do Tricentenário e, lá, me mandaram para o Hospital Agamenon Magalhães [também na Zona Norte do Recife]. Recebi a mesma resposta e, lá, me deram analgésico na veia por causa da dor e me mandaram para casa", disse a jovem.
No mesmo dia, Larissa, ao voltar para casa, começou a vomitar e, por não aguentar mais as dores, voltou à Maternidade Barros Lima, no Recife.
"O médico que me atendeu me tratou muito mal, disse que não ia me internar de forma alguma, que não importava quantas vezes eu fosse lá, que não iria me internar, porque eu não estava em trabalho de parto. Decidi tentar, no dia seguinte, mais uma vez, o Tricentenário. De imediato, o médico disse que eu não estava parindo, mas me examinou e viu que eu estava com cinco centímetros de dilatação e que minha bolsa tinha rompido", declarou a paciente.
Larissa e o marido, Edvaldo, esperavam a filha Lunna Manoella
No Hospital Tricentenário, onde foi internada, Larissa pensava que, enfim, receberia o atendimento médico de que precisava. Segundo ela, a situação piorou.
"Eu estava perdendo muito líquido esverdeado, que é quando existe mecônio [material fecal produzido pelo feto e normalmente é expelido nas primeiras 12 horas após o nascimento]. O médico que me atendeu encerrou o plantão e me deixaram lá a madrugada inteira, sem assistência, esperando por um parto normal. Só vinham enfermeiros para dar toque", disse.
No terceiro dia de sofrimento, dia 8 de novembro, segundo Larissa, a situação se complicou ainda mais, quando a bebê parou de mexer na barriga.
"Foram tentar escutar o coração e não conseguiram. Ainda demoraram bastante, até que decidiram me levar para uma cesariana de emergência. Fui internada às 23h do dia 7, às 3h do dia 8 estava com dez centímetros de dilatação e só tive minha filha, Lunna Manoella, às 8h. O coração dela tinha parado de bater fazia tempo. Essa demora causou a morte dela", declarou.
"Amarraram meus braços e eu perguntei o porquê. Disseram que era procedimento padrão. Ela nasceu e não ouvi o choro. Saiu todo mundo e me deixaram sozinha, amarrada, na sala de cirurgia. Uma enfermeira veio meia hora depois, disse que a pediatra ia falar comigo. Me levaram para o corredor e trouxeram minha filha toda arrumadinha, morta. Não souberam responder minhas perguntas nem me deram esclarecimentos", afirmou.
Advogada
O caso está sendo acompanhado pela advogada Flávia Andrade, que foi procurada pela família depois de ter acompanhado um caso em que o bebê, que também nasceu no Tricentenário, teve a orelha cortada durante o parto.
A advogada afirmou que, pelo fato de precisar ir a diversas unidades de saúde, a mulher já teria sido vítima de irregularidades. "Somente a grosseria do médico que atendeu ela na Barros Lima já é violência obstétrica", disse.
"Ela sofreu negligência de todos os lados. Já foi feito um boletim de ocorrência, mas a mãe não foi ouvida. Vou até a delegacia e falar com o delegado para marcar o depoimento. Nesse caso, a demora por atendimento causou a morte da criança. Também vamos denunciar o caso no Ministério Público e no Conselho Regional de Medicina (Cremepe)", explicou.
Responsável pelo caso, o delegado Ozias Tibúrcio afirmou que vai ouvir os pais da criança e a equipe do hospital. A princípio, o caso está sendo investigado como negligência.
"Eu quero justiça. Eu amava muito minha filha. Estava tudo pronto para receber ela. Foram três dias para cima e para baixo, procurando maternidade que me internasse. Pretendo levar a denúncia adiante, para que o hospital seja interditado. Ele é o único hospital que a gente tem na região e tem fama de matadouro", declarou a jovem.
Resposta
Por meio de nota, o Hospital do Tricentenário (HTRI) afirmou que "no decorrer do trabalho de parto da gestante foi evidenciado líquido amniótico meconizado, sendo indicado um parto cesáreo, com RN [recém-nascido] sem vitalidade".
A nota diz, ainda, que foram realizadas manobras de ressuscitação, sem sucesso. "Como solicitado, a paciente recebeu uma cópia de seu prontuário via e-mail. O caso já foi direcionado para a Comissão de Ética Médica, para que sejam apurados os fatos e o HTRI possa tomar as medidas cabíveis".
O G1 também entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Recife, responsável pela Maternidade Barros Lima, que lamentou a morte da bebê e disse que "está verificando as queixas relatadas pela paciente sobre o atendimento recebido na Maternidade Professor Barros Lima, em Casa Amarela, no dia anterior ao óbito".
O Conselho Regional de Medicina, acionado pela reportagem, afirmou que, considerando as notícias veiculadas na mídia sobre o caso, "irá instaurar sindicância 'ex-offício' para apuração do fato. A partir de então, a sindicância corre em sigilo processual, para não comprometer a investigação, e segue o que estabelece o Código de Processo Ético Profissional".
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