segunda-feira, 6 de março de 2023

Foragido, médico tem registro para atuar em MS e SP

 

Contra Salvador Walter Lopes de Arruda há mandado de prisão expedido pela Justiça de Mato Grosso do Sul desde outubro do ano passado


Exposto ao escrutínio da opinião pública, e aos rigores da lei, desde que ataques sexuais a colegas de trabalho e pacientes vieram à tona, em 2020, o médico Salvador Walter Lopes de Arruda, 69 anos, tornou-se, desde outubro do ano passado, um homem foragido da Justiça de Mato Grosso do Sul.

Salvador Arruda em foto do banco de dados do CFM.

Contra ele, há mandado de prisão expedido porque simplesmente deixou de responder às convocações judiciais em ação penal decorrente da investigação policial responsabilizando-o por importunação sexual e assédio sexual.

Salvador Arruda, como é conhecido continua registrado como profissional da Medicina, sem qualquer impedimento de exercer a atividade.

No CFM (Conselho Federal de Medicina) aparece com duas inscrições ativas, uma em Mato Grosso do Sul, e outra no estado de São Paulo.

Pelas informações constantes no registro no Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), Arruda passou a atuar no estado vizinho em 2022, no mês de julho. Ou seja, migrou para o estado vizinho, depois de ser transformado em réu com a detonação do escândalo envolvendo suas atitudes no ambiente de trabalho e com as pacientes.

Em palavras menos burocráticas: tudo indica uma fuga para o lado de cima do rio Paraná.

Na consulta ao banco de dados de médicos registrados, do CFM, não consta endereço nem telefone do médico em solo paulista, por opção dele. Também não há especialidade indicada. Há uma foto (a que você vê na abertura deste texto) de Arruda.

Em Campo Grande, chegou a ser diretor do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul e atuou nos maiores hospitais, como a Santa Casa e a Maternidade Cândido Mariano, além do próprio consultório particular. Aparece como sócio do Hospital Miguel Couto, junto com mais 87 médicos. Esse hospital funcionou na Avenida Mato Grosso até ser comprado pela cooperativa Unimed. A sociedade segue ativa.

Quando se consulta o banco de dados, o registro sul-mato-grossense apresenta endereço, telefone, mas não tem foto.

Telas do banco de dados que mostra o registro dos médicos

Os ataques dentro de unidades de saúde


Na Justiça, sob sigilo, por se tratar de crimes de natureza sexual, correm pelo menos três processos por importunação sexual e ainda há um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), forma como são tratados os casos de menor potencial ofensivo, cujas penalidades não ultrapassam dois anos. É assim com o assédio sexual.

Tudo veio a público quando uma professora universitária procurou o médico, em janeiro de 2020. Em vez de sair do consultório mais tranquila e com o tratamento encaminhado, deixou o lugar traumatizada com a forma como foi recebida pelo ginecologista e obstetra.

Depois de ir embora, também recebeu mensagens de Whatsapp de conteúdo sexual.

Não se calou e foi à Polícia Civil. Meses antes, em setembro de 2019, uma profissional da saúde já havia denunciado Salvador Arruda.

A partir daí, foram formalizadas, conforme divulgado à época, denúncias de seis mulheres, entre pacientes e três parceiras de trabalho, duas técnicas de enfermagem e uma médica.

De acordo com o depoimento das vítimas, os ataques vinham em forma de palavras, de baixo calão, e de investidas físicas. Uma das mulheres foi agarrada pelas costas, segundo contou. Outra apontou que o médico tentou beijá-la à força.

Quando ouvido na fase final dos inquéritos da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), em Campo Grande, Salvador Arruda optou pelo silêncio, direito garantido legalmente.

Salvador Arruda durante evento em Campo Grande

Histórico de comportamento inadequado


Especialista em ginecologia e obstetrícia, ele já havia sido processado por situação semelhante em 2015. Foi inocentado sob o entendimento judicial de falta de provas.

Uma rápida pesquisa no sistema on-line onde ficam os autos da Justiça de Mato Grosso do Sul mostra Salvador Walter Lopes de Arruda como parte ré em processos de erro médico. Nos detalhamentos feito pelas mulheres, relatos de descaso e desrespeito às pacientes.

Em ação movida por paciente que teve um parto complicado, com uso de fórceps, que resultou em ferimentos na criança e consequências psicológicas para a mãe, a descrição é no mínimo desconfortável.

Tambem foi utilizada pela equipe uma manobra reprovada no Brasi, de pressionar fortemente a barriga da mãe, sem êxito. Por fim, optou-se pelo parto cirúrgico, desejo manifestado assim que o parto se tornou complicado.

“Mesmo diante dessa situação a Autora ainda teve que escutar piadinha de muito mal gosto do médico, dr. Salvador que, ao  terminar de costurar a Autora, retornou e disse: “vim ver se não esqueci nenhuma gaze porque senão iria chegar em casa e lembrar, igual a um caso anterior”, contra trecho de petição em ação movida por uma mulher contra os profissionais responsáveis pelo parto da filha dela, em abril de 2019.

Trecho de processo em andamento no TJMS

“Toma vergonha na cara e vai pra academia!”, escutou outra paciente, que também decidiu levar o comportamento do médico ao Judiciário.

Trecho de processo em andamento no TJMS
Não foram só palavras pesadas. O diagnóstico foi tardio, informa a petição da defesa da paciente. A massa atribuída ao médico à falta de atividade física, era uma condição de saúde para a qual só uma cesárea seguida de histerectomia (retirada parcial ou total do útero) serviram como tratamento.
A cirurgia foi feita, por outro profissional da mesma equipe, bem depois do protocolo, tanto em razão da demora no diagnóstico quanto da decisão pela operação. Os danos físicos foram severos.
“Após a cirurgia os médicos explicaram que em sua barriga tinha um Abcesso Perianexial, que em termos de entendimento é definido como RESTO DE PLACENTA, que estava colado onde foi feita o parto de cesárea, que ao infeccionar grudou o intestino com o útero, e por isso teve que cortar 05 cm (cinco)centímetros do intestino da Requerente”
Todo o quadro médico participante dos fatos e o hospital estão sendo processados.
Uma família que foi à Justiça contra equipe da qual Salvador Arruda integrava viveu um drama, no momento do nascimento de um bebê, de onde só se espera alegria, no ano de 2019, bem no Domingo de Páscoa. Pai e quatro filhos ficaram órfãos de uma mulher de 26 anos.
Gestante nas semanas finais, ela havia feito o primeiro atendimento com Arruda, em razão de dores fortes no abdomen. Sem exame algum, ele receitou antibiótico para infecção urinária.
Orientou o retorno da paciente para casa. O quadro pirou, a grávida voltou para a emergência, foi internada, e morreu horas depois.
No pedido de indenização à Justiça, a argumentação dos advogados da família é de que, além da necessidade de exames laboratoriais para saber se a pessoa está mesmo contaminada por bactéria, o medicamento receitado é contraindicado durante a gestação.

“Repisamos que o Dr. Salvador Arruda não atuou conforme prescreve o protocolo de condutas médicas, sendo negligente ao se omitir no seu dever de diagnosticar corretamente os sintomas da senhora Thamires. O doutor também foi imprudente ao não refletir sobre as consequências de sua conduta. Enfim, por desleixo, preguiça ou até mesmo excesso de pacientes, o Dr. supracitado podemos dizer que abandonou a senhora (…), pois, ao deixar de verificar oque de fato acontecia a esta, o médico que fez o juramento de Hipócrates deixou de guardar o máximo de respeito pela vida humana, simplesmente mandando a paciente de volta para a sua casa, sem realizar nenhum exame de sangue/hemograma, ultrassom ou urocultura na paciente, que horas mais tard veio a óbito.”

Trecho de ação que corre no TJMS
Só nesses três casos citados, os pedidos de indenização chegam perto de R$ 1,5 milhão.
Essas ações, pelo que a Capivara Criminal investigou, estão em andamento processual, incluindo a fase de perícia com autorização judicial. Não houve qualquer sentença.
Conforme a pesquisa feita, o requerido deixou-se ser representado pela Defensoria Pública, em vez de pagar advogado particular. Um dos profissionais que aparece como contratado pelo médico em ações anteriores, Abadio Rezende, foi procurado pela Capivara Criminal, mas não deu retorno às mensagens.

“Censura pública”


O CRM em Mato Grosso do Sul foi procurado via e-mail para entendimento da situação do profissional, que segue com registro apesar desse rastro problemático deixado. Não houve retorno.

Na época do surgimento do escândalo, foi levantado que sindicâncias envolvendo Salvador Arruda haviam sido arquivadas.

No dia 1º de março, foi publicada pelo CRM/MS e pelo Cremesp edital de punição disciplinar, em forma de censura pública. Estão descritos no texto quatro artigos do Código de Ética desrespeitados por Salvador Walter Lopes de Arruda.

São eles:

  • Artigo 1º: Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
  • Artigo 8º: Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.
  • Artigo 36: Abandonar paciente sob seus cuidados.
  • Artigo 87: Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.

Essa é uma punição aos médicos com efeitos subjetivos, pois tem o poder de afetar a imagem, mas não impedir a atuação.

Em 2020, depois das denúncias, o investigado foi afastado dos hospitais onde atuava e desligado de planos de saúde.

Como os procedimentos são sigilosos, não há informações disponíveis, ainda, sobre outras sindicâncias no Conselho Regional de Medicina, que eventualmente possam provocar a punição mais severa existente, a cassação do registro.






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