sexta-feira, 24 de março de 2023

Mãe denuncia negligência em atendimento a jovem com síndrome de Down no DF: “Morreu nos meus pés”

 

Jovem com síndrome de Down morreu após diversas complicações. Família aponta negligência e preconceito no atendimento do paciente



Warlley Eduardo Pires, 30 anos, morreu em uma unidade da rede pública de saúde após longas horas de espera por atendimento. A família aponta negligência médica e preconceito, devido à condição de saúde do homem: Warlley tinha Síndrome de Down.

O calvário da família Pires começou na quinta-feira da semana passada (9/3). Em vídeos, é possível ver o rapaz se debatendo no chão da unidade de pronto atendimento (UPA II ), no Setor O. Os profissionais de saúde viam a cena e passavam pelo paciente, sem demonstrar qualquer preocupação. Maria de Lourdes Pires, 50, mãe de Warlley, informou que, minutos após o registro das imagens, ele começou a perder os sinais vitais. “Morreu nos meus pés”, desabafou a diarista.

No atestado de óbito, uma das causas da morte deixou a família revoltada. O documento listava insuficiência renal, pneumonia, diabetes e síndrome de Down como motivo da fatalidade.

O rapaz registrava febre de 39ºC e diarreia havia quatro dias, com vômitos desencadeados por tosses intensas. A família buscou atendimento em uma unidade básica de saúde (UBS III) de Taguatinga, onde foi orientada a procurar uma UPA de Vicente Pires, onde foi confirmado o quadro de pneumonia e glicemia alta. Medicado, o rapaz recebeu alta e foi para casa.

Sem apresentar melhora nos dias seguintes, de acordo com o prontuário médico, Warlley deu entrada com pneumonia às 8h50 na UPA II, de Ceilândia, sendo levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em 9 de março. Nesse primeiro momento, é confirmado pelos médicos do Samu o quadro de hiperglicemia e o estado febril do paciente.

Às 9h30, é solicitado antibiótico. Aproximadamente 15 minutos depois, os profissionais registram que Warlley apresentava “agitação psicomotora, engatinhando no chão e deitado no corredor”. A partir desse momento, a família informa que os profissionais da saúde não deram atenção ao jovem, que foi apresentando uma sequência de piora.

“Meu filho não tinha aquele comportamento, e eu falava ‘moço, meu filho não está bem”, lembrou a mãe. Apesar das súplicas, Warlley recebeu alta às 14h20, conforme consta no prontuário. Com a liberação médica, ela chega a sair do hospital, mas na porta se arrependeu e voltou com o filho para dentro da UPA.

Nesse momento, a mãe disse que foram levados para a “sala verde”, onde aguardaram por um leito. Warlley, então, deitou no chão e se debateu. A mãe clamou por ajuda, mas, segundo ela, foi ignorada. “Eu via que ele estava morrendo”. Maria de Lourdes contou que só quando o filho perdeu a consciência uma enfermeira identificou o agravamento do caso.

O prontuário médico relata que às 15h53, outro médico foi chamado à sala de emergência para analisar o estado do paciente. Às 16h20, o documento mostra que ele teve 30 minutos de parada cardiorrespiratória e se encontrava em estado grave geral. Duas horas depois, às 18h57, Warlley apresentou uma segunda parada cardiorrespiratória, dessa vez por 10 minutos.

O paciente foi classificado como estado gravíssimo, com necessidade de ventilação respiratória. A partir das 19h10, ele foi encaminhado para o Hospital Regional de Samambaia (HRSam). Às 20h27, o prontuário registra que o paciente aguardava por uma vaga em UTI, com prioridade.

Ao Metrópoles mãe contou que, quando o médico do HRSam recebeu Warlley para atendimento, já informou que o estado de saúde do paciente era grave. “Ele me disse que meu filho não iria resistir e que já veio com um quadro de morte”. Às 5h40 do dia 10/3, o óbito foi declarado.

A família registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) nessa segunda-feira (13/3), na 24ª Delegacia de Polícia (Ceilândia) que investiga a possível omissão médica nos socorros. Um amigo da família disse que “ele se debatia porque estava morrendo”. No vídeo acima , é possível ver os profissionais da saúde passando por Warlley e observando a cena enquanto a mãe pede para que o rapaz seja amparado.

Sobre Warlley


De acordo com familiares e amigos, Warlley era um jovem tranquilo e muito divertido. Ele estudava do Centro de Ensino Especial 1, de Taguatinga, e participava da Banda Acorde.

Revoltada com o caso, a Associação DFDown manifestou nota de repúdio sobre a forma com que Warlley foi atendido. “Imagens e depoimentos aos quais integrantes e diretoria da Associação tiveram acesso dão indícios de negligência e capacitismo inadmissíveis, sobretudo em se tratando de profissionais da saúde dos quadros da administração pública”, diz a nota.

O documento pontua, ainda, que a “a vida de um homem de 30 anos foi perdida em razão de evidente descaso, imperícia e preconceito”. A associação reforça que as autoridades devem investigar as causas da morte e punir os responsáveis.

Outros lados


O Instituto de Gestão Estratégica em Saúde (IgesDF) – responsável pela administração das UPAs do DF – disse em nota que “foram realizados todos os procedimentos possíveis para atender o paciente”. O instituto também informou que abriu uma sindicância interna para apurar os fatos relacionados ao atendimento do paciente.

Segundo o órgão, Warlley foi levado pelo Samu até a UPA de Ceilândia II na manhã de quinta (9/3) e foi prontamente classificado com gravidade laranja. “Foram realizados exames laboratoriais e RX, iniciado antibiótico venoso. O paciente evolui com agitação psicomotora, foi administrado medicamento conforme quadro clínico apresentado. Por volta das 14h10, evoluiu com rebaixamento do nível de consciência, encaminhado para sala vermelha.”

No mesmo dia, sofreu uma parada cardiorrespiratória e, após 30 minutos, “restabeleceu circulação espontânea, acoplado ao ventilador mecânico e submetido a medicamentos”. Horas depois, foi transferido para a UTI do Hospital de Samambaia.

Em nota, a Secretaria de Saúde do DF informou ao Metrópoles que o paciente chegou no Hospital Regional de Samambaia (HRSam) com suspeita de morte encefálica, sendo rapidamente atendido na UTI do hospital por conta da gravidade do quadro. Segundo a secretaria, o paciente foi admitido às 0h5 e veio a óbito às 05h48.

Veja a íntegra da nota o IgesDF

O IgesDF explica que o paciente W. E. P. C. S. deu entrada da UPA de Ceilândia II no dia 09/03/2023 às 8h50, levado pelo SAMU devido a um quadro de convulsão e febre no dia anterior, avaliado e classificado com gravidade laranja às 8h54 e atendido pelo médico às 9h03. Foram realizados exames laboratoriais e RX, iniciado antibiótico venoso. O paciente evolui com agitação psicomotora, foi administrado medicamento conforme quadro clínico apresentado. Por volta das 14h10, evoluiu com rebaixamento do nível de consciência, encaminhado para sala vermelha para melhor avaliação, sinais vitais e exames laboratoriais.

Evolui em parada cardiorrespiratória às 14h20, sendo realizadas as manobras de reanimação conforme protocolo ACLS e Intubação Orotraqueal. Após 30 minutos, restabeleceu circulação espontânea, acoplado ao ventilador mecânico e submetido a medicamentos. Apresentou nova PCR, novamente restabelecida circulação central.

Ele foi prontamente inserido em leito de regulação, com solicitação de Leito de UTI. O leito de UTI foi disponibilizado no Hospital de Samambaia e o paciente foi transferido às 23h45 do mesmo dia.

O óbito não ocorreu na UPA.

O IgesDF informa que abriu uma sindicância interna para apurar os fatos relacionados ao atendimento do paciente.

Veja a íntegra da nota da Secretaria de Saúde

“A Secretaria de Saúde informa que o paciente chegou no Hospital Regional de Samambaia (HRSam) com suspeita de morte encefálica. Ele foi rapidamente atendido na UTI do hospital por conta da gravidade do seu quadro clínico. O paciente foi admitido às 00:05 e veio a óbito às 05h48.”




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