Deyse exibe o pedaço de tecido que segundo ela, foi esquecido na cirurgia |
Em 1998, enquanto trabalhava, Deyse Cândida da Costa sentiu fortes dores abdominais. Logo foi diagnosticada com cálculos na vesícula, os quais teria que retirar por meio de uma intervenção cirúrgica.
Foi aí que começou um pesadelo que já remonta 21 anos e, até o momento, não há qualquer sinal de desfecho.
No procedimento cirúrgico, realizado na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá (MT), esqueceram uma compressa no abdômen da paciente. O erro grosseiro só veio a ser descoberto meses depois, após sofrimento da paciente e muita negação dos médicos que a acompanharam.
A cirurgia relativamente comum, com recuperação rápida teve desdobramentos que ela jamais poderá esquecer.
“Além das dores, físicas e emocionais, ficou também uma grande cicatriz que eu tive que cobrir com uma tatuagem, para que me olhar em um espelho não fosse algo tão difícil”, desabafa.
Deyse precisou passar por duas cirurgias e ficou 15 dias na UTI, até que, espontaneamente, seu corpo expeliu o material.
O que era para ser um corte discreto, precisou de uma tatuagem para devolver autoestima |
“O que era para ser uma cirurgia de pouco mais de quatro pontos com alta rápida, virou um tormento de meses. A cicatrização também foi comprometida e eu chegava a ir ao hospital fazer curativos umas três vezes ao dia, de tanto pus que saía. Eu exalava um odor fortíssimo, me mantinha longe das pessoas de tanta vergonha”.
Em 1999 ela entrou com uma ação indenizatória por erro médico. O valor estimado foi de R$ 500 mil. Cobriria os danos materiais e morais causados pela desastrada intervenção cirúrgica, realizada na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, além do impacto causado na vida da paciente.
Além da Santa Casa, que tem prazo para nomear novo advogado de defesa, três médicos são réus no processo. E Deyse pode ter sido vítima também do corporativismo médico.
Em 2001, a Justiça determinou que fosse realizada perícia médica, mas dos nove cirurgiões intimados, sete se declararam sob suspeição e se negaram a realizar o exame, o que atrasou a tramitação do processo movido por ela.
Um desses médicos faleceu e finalmente, em 2013, Mairy Noce Brasil foi intimada e aceitou a determinação da Justiça. No entanto, como os réus demoraram para pagar pelo exame, a perícia foi realizada só em maio de 2018. Vinte anos depois.
“Fora tudo isso, me sinto muito traída, pois eu trabalhava com o médico que fez minha cirurgia. Além dele ter se negado a assumir o erro, acredito que ele tenha me atrapalhado bastante”.
Deyse é técnica de enfermagem, mas depois que entrou com o processo, foi despedida de vários empregos. “Acho que eles se comunicavam. Como eu não consegui mais trabalhar em hospitais, recentemente mudei de ramo. Estou cozinhando e vendendo marmitas”.
Os percalços nos momentos que sucederam a cirurgia foram muitos: ela teve que contar com a ajuda de amigos para comprar remédios com preços exorbitantes, sentiu tremores, febres…
“Lembrava muito os sintomas de malária. Eu vivia atormentada e, depois, veio a doença da depressão”. Seu cabelo caiu, por conta da situação estressante com que teve que conviver.
“Me lembro que o dia que, enfim, isso saiu de mim, tive uma dor que em muito se assemelha à dor de um parto. Foi um alívio, pois além da febre e tremor, eu sentia muita dor. Era como se uma bucha, uma esponja, tivesse dentro de mim, me agredindo o tempo todo”, relembra.
Mas como justificar tanta demora para conclusão do processo? “Foram tantas coisas, pode ser também porque sou preta e pobre. As coisas são mais difíceis para gente”.
Deyse passa muito tempo em uma prisão de torturantes lembranças |
O Livre
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