Carla Patrícia Furtado acredita que teve gêmeas, mas só recebeu uma das meninas, em 1996. O Correio notificou o caso à época, mas a história segue sem respostas
O Correio noticiou o caso em 1998. Na foto estão Carla Patrícia e a filha Jéssica da Silva Vasconcelos |
A 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro) investiga um suposto desaparecimento de uma criança recém-nascida, no Hospital das Forças Armadas de Brasília (HFA), em 16 de fevereiro de 1996. A apuração começou na quinta-feira (19/9), após a gestora de negócios Carla Patrícia Furtado, 48 anos, registrar uma denúncia na polícia. Ela tem certeza de que teve filhas gêmeas, contudo, após a cesárea, só recebeu uma criança: Jéssica da Silva Vasconcelos, 23. Desde então, ela luta para encontrar Nathália da Silva Vasconcelos.
Patrícia relata que, durante a gestação, realizou ecografias que indicavam a gestação de gêmeos. Ao dar entrada no HFA, ela afirma ter feito mais três exames para comprovar a necessidade da cesárea, uma vez que estava grávida de oito meses. “Passei pela cirurgia, mas só tive contato com minha filha Jéssica dois dias depois, porque ela precisou ficar na incubadora. Quando o médico chegou só com ela, não entendi. Então, ele alegou houve erro nos exames e que nunca estive esperando gêmeas”, relata.
Jéssica da Silva Vasconcelos |
Ainda debilitada física e emocionalmente pela cirurgia, a gestora de negócios não questionou o profissional naquele momento. Acolheu Jéssica nos braços e, posteriormente, foi liberada para ir embora. À época, ela vivia no 4º andar de um prédio no Cruzeiro. No conforto do lar, sentiu-se enganada pela primeira vez. “Tudo passou pela minha cabeça de novo e vi que tinha algo errado. Não conseguia aceitar que tinha sido vítima de um golpe tão cruel. Mas não tinha provas”, conta.
Seis meses depois, Patrícia seguia para o HFA, onde Jéssica havia sido internada mais uma vez. No ônibus, a enfermeira Maria Rodrigues da Silva, 47, reconheceu a mulher. “Ela se aproximou e perguntou se eu tinha encontrado minha outra filha. Eu fiquei perplexa. Ela disse que eu tinha tido gêmeas, sim, e que uma tinha sido levada para substituir a filha de um general. Ela nunca disse me disse o nome dela e, em um momento de desespero, procurei explicações na direção do hospital”, lembra Patrícia.
Na nota de alta: "Cesárea por gemelaridade e aprestação de alta" |
Uma apuração interna foi aberta no Hospital das Forças Armadas. Entretanto, a investigação foi arquivada. A reportagem entrou em contato com a assessoria do HFA por e-mail e aguarda retorno da demanda. A matéria será atualizada assim que o posicionamento for encaminhado.
O Correio notificou o caso em 4 de abril de 1998. Na época, o relações públicas do HFA, o tenente-coronel Etevaldo Marques Barbosa alegou que o obstetra Álvaro Dacomuni se enganou. “Ele fez uma leitura errada da ecografia. Como o útero da mãe estava cheio de água, a cabeça da criança ficou girando lá dentro de um ponto para outro, dando a impressão de serem duas. Realizamos sindicância e chegamos à conclusão de que houve erro”, afirmou na ocasião. A reportagem também indicou que os prontuários de Patrícia apresentavam indícios de adulteração.
De acordo com a delegada Claudia Alcântara, chefe da 3ª DP, será pedido o processo de investigação arquivado em 1998. “Irei entrar em contato com a Justiça Militar para ter acesso ao documento. Assim, poderei avaliar o que foi apurado ou não. Esse é nosso primeiro passo”, adianta.
Morte da enfermeira
O inquérito por desaparecimento em apuração aberto na 3ª DP também irá investigar a morte da enfermeira Maria Rodrigues, única testemunha que poderia comprovar a suposta existência das duas filhas de Patrícia. A profissional da saúde faleceu em 29 de dezembro do mesmo ano, após dar entrada no HFA para passar por procedimento cirúrgico de histerectomia — retirada completa do útero.
O servidor público José Wesley Rodrigues Bezerra, 39, esteve nesta sexta-feira (20/9) na delegacia. Ele relata ao Correio que acredita que a mãe foi morta por negligência médica, porque a enfermeira seria um “problema”.
“Quando o desaparecimento ocorreu, em fevereiro, minha mãe contou para mim e para meu pai sobre a história. Ela disse que tinha cuidado de duas meninas, mas que uma delas havia sumido e, para mãe, alegaram erro na ultrassonografia. Só que ela nunca disse o que tinham feito com a menina”, afirma Wesley.
O homem explica que Maria Rodrigues foi internada no HFA em 21 de outubro, para exames pré-cirúrgicos, que indicariam alergias a medicamentos ou a anestesia. Às 7h do dia 22, a enfermeira foi para a mesa de cirurgia e tomou a anestesia. Ela sequer chegou a ser operada.
“Ela teve reação alérgica à anestesia e os médicos levaram mais de 10 minutos para entubá-la. Quando questionamos isso, alegaram que o procedimento tinha sido difícil. Por causa do tempo, diminuiu o oxigênio no cérebro da minha mãe e ela entrou em coma. Ela passou todos os dias na Unidade de Tratamento Intensivo, com visitas restritas. Até hoje não tiro da minha cabeça o quão receosa ela estava por fazer a cirurgia naquele hospital (HFA)”, lamenta Wesley.
Ele destaca que não tinha contato anterior com Patrícia e só a encontrou nos últimos dias, pela internet. “Eu vi a postagem sobre a Jéssica e Nathália. Ao ler sobre o testemunho da enfermeira, que morreu pouco depois, percebi que se tratava da minha mãe. Seria muita coincidência dois desaparecimentos de gêmeas, no mesmo ano, no HFA”, afirma.
Wesley voltará à 3ª DP na semana que vem, para formalizar o depoimento. O pai dele, o aposentado José Bezerra da Silva, 72, também será chamado para prestar esclarecimentos.
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