A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou o município de Guarulhos (SP) a pagar pensão vitalícia e indenização por danos morais de R$ 20 mil a uma criança que, após receber injeção em posto médico administrado pela prefeitura, sofreu danos permanentes na perna em que a medicação foi aplicada. A decisão foi unânime.
De acordo com o processo, a criança foi levada pela mãe à Santa Casa de Guarulhos com febre alta e tosse. Ela foi diagnosticada com pneumonia e, em atendimento posterior, no posto médico, recebeu uma injeção de benzilpenicilina benzatina que atingiu o nervo ciático. Após a administração do medicamento, a criança passou a apresentar problemas na perna, que resultaram em incapacidade parcial permanente.
Em primeiro grau, o juiz reconheceu a responsabilidade objetiva do município pelo erro na aplicação da medicação, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e o condenou a pagar pensão vitalícia de 25% do salário mínimo, além de danos morais de R$ 10 mil.
No julgamento de segunda instância, contudo, o TJSP elevou a indenização para R$ 20 mil, por entender que o montante era mais adequado para compensar os danos causados à criança.
Distribuição dinâmica
O município de Guarulhos recorreu ao STJ alegando que as disposições do CDC não se aplicariam ao processo. Também questionou o valor da indenização por danos morais e a fixação de pensão mensal vitalícia.
Em relação ao CDC e à inversão do ônus da prova, o relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que, embora essa possibilidade não tenha sido expressamente contemplada pelo Código de Processo Civil, a interpretação sistemática da legislação – inclusive do próprio CDC – confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias de cada caso.
O relator também destacou a jurisprudência do STJ no sentido de que a revisão dos valores fixados a título de danos morais só é possível quando o montante for exorbitante ou insignificante, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade – o que não foi constatado no caso dos autos.
No tocante à pensão vitalícia, Herman Benjamin apontou que, "como cediço e acertadamente decidido" pelo tribunal paulista, "em casos de incapacidade permanente, como noticiado nos autos, o pagamento de pensão deve ser vitalício".
RECURSO ESPECIAL Nº 1.806.813 - SP (2019/0060369-2)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE GUARULHOS
PROCURADORE
S
: IZILDA MARQUES DO NASCIMENTO NEVES - SP073567
CRISTINA NAMIE HARA E OUTRO(S) - SP206644
RECORRIDO : DEBORA CRISTINA ARAUJO SILVA
ADVOGADO : FRANCISCO JOSE DA COSTA RIBEIRO - SP123847
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. ERRO MÉDICO. MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTO SEM
OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCEDIMENTO MÉDICO. SEQUELAS
PERMANENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. REVISÃO DOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
INCAPACIDADE PERMANENTE. PENSÃO VITALÍCIA.
POSSIBILIDADE. AFERIÇÃO DO GRAU DE SUCUMBÊNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. JUROS
MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO.
SÚMULA 54/STJ.
1. Cuida-se, na origem, de ação em que a parte autora pleiteia indenização por
danos morais e materiais decorrentes de erro médico.
2. Em relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor e à inversão do
ônus probatório, embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC,
uma interpretação sistemática da nossa legislação, inclusive do Código de Defesa
do Consumidor (art. 6º, VIII) e da Constituição Federal, confere ampla
legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova,
segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir
a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo nos termos de
consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309/SC, Rel. Ministro Ruy Rosado
de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no AREsp 216.315/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.11.2012; REsp
1.135.543/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7.11.2012;
REsp 1.084.371/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe
12.12.2011; REsp 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda
Seção, DJe 17.12.2010; REsp 619.148/MG, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é
regra estática de julgamento, mas norma dinâmica de procedimento/instrução
(EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ acórdão
Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012).
3. É inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, de que o valor fixado
a título de danos morais seria excessivo, pois inarredável a revisão do conjunto
probatório dos autos para afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão
recorrido. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido
de que a revisão dos valores fixados a título de danos morais somente é possível
quando exorbitante ou insignificante, em flagrante violação aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, o que não é o caso dos autos. A
verificação da razoabilidade do quantum indenizatório esbarra no óbice da
Súmula 7/STJ.
4. Em casos de incapacidade permanente, como noticiado nos autos, o pagamento
de pensão deve ser vitalício. Precedentes: EDcl no REsp 1.269.274/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 13/3/2013; AgInt no
AREsp 1.162.391/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe
de 9/3/2018; AgRg no AREsp 388.448/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, DJe de 6/3/2014.
5. Quanto à distribuição dos ônus sucumbenciais, a jurisprudência do STJ é firme
no sentido de que rever a conclusão adotada pelo Tribunal a quo, quanto à
sucumbência recíproca ou mínima de uma das partes, por implicar revolvimento
do contexto fático-probatório, é inviável em Recurso Especial,
considerando-se o óbice da Súmula 7/STJ.
6. Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios fluem a partir do evento
danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, nresão provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por
unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro
Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro
Relator."
Brasília, 15 de agosto de 2019(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
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