sábado, 4 de fevereiro de 2023

Fisioterapeuta acusado de violentar mulheres em SP foi preso por abuso de criança e tentativa de homicídio na Argentina

 

Nas duas denúncias, os relatos das vítimas em hospitais diferentes são semelhantes. Segundo elas, Nicanor dos Santos Modesto Junior encostava nas partes íntimas dizendo que era uma técnica para aliviar dores musculares.


Nicanor dos Santos Modesto Junior

O fisioterapeuta Nicanor dos Santos Modesto Junior, de 46 anos, foi acusado por duas mulheres que vivem na Grande São Paulo por abuso sexual, em janeiro deste ano e em outubro de 2021. A polícia e o Conselho Regional de Fisioterapia (Crefito) investigam.

Nicanor já havia sido condenado na Argentina a sete anos de prisão, em 2015, pela tentativa de assassinato de uma mulher e por abusar sexualmente de uma criança.

O primeiro caso de abuso em São Paulo teria ocorrido em outubro de 2021. Segundo informações obtidas pelo g1, Nicanor trabalhava no Hospital Maternidade Jesus, José e Maria, em Guarulhos, na Grande São Paulo, como prestador de serviços. Já o segundo, ocorreu em 24 de janeiro deste ano, no Hospital São Luiz, no Jabaquara. Nos dois casos, os relatos das vítimas são semelhantes. Segundo elas, Nicanor enfiou os dedos na vagina delas dizendo que era uma técnica para aliviar dores musculares.

O Hospital São Luiz informou, por meio de nota, que ele foi afastado em 23 de janeiro, assim que a denúncia foi recebida. "Esclarece que ele era funcionário de uma empresa de fisioterapia terceirizada e estava prestando serviços na unidade há cerca de um mês", diz nota (leia completa abaixo).

Cronologia


  • Nicanor esteve em Buenos Aires entre 2008 e 2021.
  • Em Buenos Aires, foi condenado a 7 anos de prisão por tentativa de homicídio e abuso de menor. Ele tentou matar a mãe de uma criança que o denunciou por abusar sexualmente da filha dela.
  • Em 2021, de volta ao Brasil, Nicanor passou a trabalhar em uma maternidade em Guarulhos, onde uma paciente grávida fez uma denúncia contra ele por abuso sexual.
  • Em janeiro deste ano, uma outra mulher, que estava internada na UTI de um hospital na Zona Sul, abriu um boletim de ocorrência contra Nicanor em que o acusa de estupro.


A mulher que o acusa de estupro se recuperava de uma cirurgia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela conta que teve um pós-cirúrgico difícil e tinha a necessidade do acompanhamento de um fisioterapeuta. O g1 e a TV Globo procuraram Nicanor, mas ele não respondeu.

"No dia 18 de janeiro me apresentaram ele. No dia seguinte, ele apareceu no período da tarde para iniciar o tratamento. A partir daí eu comecei a notar uns comportamentos estranhos da parte dele. Ele sempre aparecia no quarto no horário do meu banho, como fisioterapeuta ele não podia me auxiliar nisso, mas, de qualquer forma, em um dos dias chegou a me despir na parte superior alegando que ia ajudar a encaixar os fios do eletro. Ele também sempre me perguntava sobre a minha vida pessoal, se eu namorava”, afirmou.

“Em uma dessas conversas, ele disse: ‘Você é muito linda, se na UTI é linda assim, imagina lá fora, maquiada’. Me senti desconfortável com o comentário, mas tentei entender que ele estava querendo ser educado”, relatou.

Ela teve mais um contato com o fisioterapeuta no dia 22, e o atendimento foi normal.

Segundo a vítima, em cerca de 20 dias de internação, ela sempre esteve acompanhada pela mãe, mas, em 23 de janeiro, Nicanor entrou no quarto dela enquanto estava sozinha.

"Ele me deu bom dia, disse que soube da minha cãibra e que iria me auxiliar para a dor passar. Ele começou massageando minha perna direita iniciando pelos pés. Até que ele pediu para que eu relaxasse e começou a subir a mão até a minha virilha, eu não estava entendendo por que ele estava fazendo isso, e então ele falou: ‘Vou colocar os dedos dentro de você para soltar a musculatura da sua vagina e liberar a tensão’. Fiquei em estado de choque, não conseguia reagir àquela situação e então ele o fez: introduziu os dedos e começou a ‘massagear’. Até que ele parou e disse que voltava mais tarde", afirmou.

“Assim que ele saiu me veio um sentimento de angústia, de chegar a me questionar se aquilo era certo ou não. Passei o dia me sentindo estranha, tive que tomar meu remédio para me acalmar", conta.

A mesma situação voltou a ocorrer na parte da tarde do mesmo dia. Nicanor teria ainda voltado ao quarto da vítima uma terceira vez, à noite. "Ele entrou no quarto, eu estava assustada e falei que não queria fazer fisio, e ele foi embora.”

Nicanor em imagem feita pela vítima durante um dos atendimentos

A vítima relata que, em 24 de janeiro, conversou com uma outra fisioterapeuta, que também acompanhava seu tratamento, e relatou a situação questionando se a atitude de Nicanor era o procedimento correto. “Ela entrou em estado de choque e disse que ele não poderia fazer aquilo em hipótese alguma e que se eu tivesse algum problema clínico deveria ser passado ao ginecologista.”

A mãe da vítima conta que pediu para o segurança do hospital falar com o superior para que chamassem a polícia.

"Passado algum tempo, os policiais chegaram, e eu relatei tudo o que aconteceu para o tenente e a policial feminina que estava para acompanhar e me ouvir. [Eu avisei que] tinha uma câmera dentro da UTI também, mas a direção do hospital disse para mim que o equipamento não gravava, só fazia o monitoramento", conta a mãe da vítima.

"A única coisa que eu desejo é que a justiça seja feita, para que esse homem não faça isso com outras mulheres."

A 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) informou que "investiga um estupro contra uma mulher de 28 anos, ocorrido na segunda-feira (23) em um hospital, no Jabaquara, zona sul da Capital. O autor seria um fisioterapeuta da unidade, de 46. A mãe da vítima foi ouvida e foi solicitado exames periciais à vítima. Diligências são realizadas para esclarecer todas as circunstâncias do fato. Detalhes serão preservados por se tratar de crime sexual".

O que diz o hospital


Em nota, o Hospital São Luiz informou "que o profissional em questão foi afastado de suas atividades em 23/1, assim que a denúncia foi recebida. Esclarece que ele era funcionário de uma empresa de fisioterapia terceirizada e estava prestando serviços na unidade há cerca de um mês. A sindicância interna continua em andamento e a cooperação com as autoridades é total. Aproveita para esclarecer que, por questão de privacidade, imagens de leitos de pacientes não ficam gravadas, apenas as que registraram áreas comuns. O hospital repudia qualquer violência sexual".

Fachada do Hospital São Luiz, no Jabaquara

Abuso contra grávida


Em outubro de 2021, uma outra mulher denunciou o fisioterapeuta. O caso foi registrado como importunação sexual no 1º DP de Guarulhos e foi aberto um inquérito policial. Segundo apurado pelo g1, o Ministério Público ofereceu a denúncia para a Justiça, que acatou, e os fatos estão aguardando o julgamento. Nesse caso, a Defensoria Pública, que defende Nicanor, disse que não vai se pronunciar.

De acordo com a denúncia, Nicanor teria entrado no quarto da vítima - que estava grávida e em isolamento por suspeita de Covid-19 - sem constar na lista de profissionais permitidos para estarem no local. A vítima se queixou de gases quando o fisioterapeuta informou que ela teria que sentir prazer para que as dores passassem e colocou os dedos dentro da vagina da vítima.

A mulher relatou o ocorrido para a chefe da enfermagem do hospital no mesmo dia. A profissional informou que um fisioterapeuta não poderia tocar as partes íntimas da paciente, e o hospital acionou a polícia.

Nicanor confirmou à polícia que entrou no quarto sem ser acionado e disse que realizou massagem abdominal na vítima.

A Justiça marcou audiência de instrução e julgamento do caso para maio deste ano. Em nota, o hospital informou que "foi uma ocorrência lamentável e que atendemos imediatamente. Desligamos o referido profissional e acionamos a autoridade policial. A Maternidade Jesus, José e Maria repudia veementemente o ocorrido e toma todas as medidas preventivas para evitar fatos desta natureza. Em 20 anos de funcionamento não havíamos registrado nada parecido".

Nesta quinta-feira (2) o Conselho Regional de Fisioterapia informou que tomou conhecimento das duas denúncias "e o levou de forma urgente para o conhecimento da Diretoria da Autarquia a qual se reuniu no dia 30/01/2023 e deliberou sobre o caso, determinando a abertura imediata de processo ético em face do profissional".

Disse também que efetuou diligências no Hospital denunciado e está acompanhando toda a situação.

Tentativa de homicídio em Buenos Aires


Em maio de 2015, Nicanor foi condenado a sete anos de prisão em Buenos Aires pela tentativa de assassinato de uma mulher que teria o denunciando pelo abuso sexual da filha dela de 10 anos.

Segundo a decisão da Justiça argentina obtida pelo g1, o crime aconteceu em 18 de março de 2014. A vítima estava em casa quando Nicanor invadiu o local portando uma arma de choque e spray de pimenta, desferiu descargas elétricas na região do peitoral e da garganta da vítima repetidas vezes, gritando que iria matá-la.

A mulher foi jogada no chão, e as agressões continuaram. Nicanor chegou a morder a mão da vítima. O ataque só parou quando uma vizinha apareceu, após ouvir gritos da filha e da mulher.

Nicanor tentou, então, fugir pelas escadas do prédio, mas foi impedido pelo porteiro, que bloqueou a passagem e acionou a polícia, que fez a prisão em flagrante.

Abuso sexual de criança


O ataque ocorreu cinco dias após a vítima denunciar Nicanor, pela segunda vez, pelo abuso sexual da filha dela, que na época tinha 10 anos. Os abusos teriam começando em fevereiro de 2014, a mãe questionou a criança sobre quantas vezes teria ocorrido, mas, segundo a Justiça, ela afirmou que "não se recordava, mas seriam muitas".

Segundo a sentença, quando perguntada sobre o que tinha acontecido, a menina ficou angustiada e não sabia o que dizer, mas sentia que faziam "algo ruim" e contou que Nicanor a "tocava nas partes íntimas e com a mão" e a "beijava de língua na boca".

Os abusos foram descobertos pela mãe depois que ela encontrou trocas de mensagens de conteúdo sexual entre o fisioterapeuta e a criança. No mesmo dia, em 12 de março de 2014, ela procurou uma delegacia para fazer a denúncia.

A criança é filha de pais separados e, na época, Nicanor morava com o pai da menina e com a atual companheira dele. A criança dormia na casa do pai quinzenalmente e era nessas ocasiões que ocorriam os abusos. Na sentença, a mãe da menina levanta a suspeita de que uma outra garota, filha da companheira do pai da vítima, também teria sido abusada sexualmente pelo fisioterapeuta.

Ne época, após a denúncia, um juiz concedeu uma medida protetiva para a mãe e a filha contra Nicanor e o pai da criança.

"Ontem, ele [Nicanor] veio e quis me matar, por isso, para mim é obvio que veio me matar por conta da denúncia que eu fiz, porque ele sabe que tenho provas, tenho as conversas dele com a minha filha", afirmou, no depoimento, a mãe da criança.

À Justiça argentina, Nicanor não negou as acusações e afirmou que estava arrependido. Ele admitiu que tinha uma arma de choque e estava "nervoso e angustiado pela situação que estava enfrentando".

Segundo a Justiça argentina, ele foi preso e depois recebeu liberdade condicional.

Caso em Salvador


Nicanor também foi réu em um caso que consta na Justiça da cidade de Salvador, na Bahia, pela suspeita de beijar uma criança que, na época, em 2007, tinha 7 anos.

A mãe da vítima informou à TV Globo que o fisioterapeuta era dono de uma Lan House e pediu um beijo para a filha dela. Assustada, a mãe acionou a polícia, e Nicanor foi encaminhado para a delegacia, mas foi liberado.

Ela não soube informar como prosseguiu a denúncia. O caso foi arquivado no mesmo ano. O g1 procurou o Tribunal de Justiça da Bahia para esclarecimentos sobre o caso, mas foi informado que "não é possível disponibilizar informações de processos arquivados".









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