Miguel Guimarães morreu aos 4 anos, no Hospital Santa Helena. A criança, que tinha síndrome de Down, foi vítima de negligência médica
A ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aumentou o valor da indenização por danos morais a uma família que perdeu o filho de 4 anos após erro médico. A magistrada revisou decisão da Justiça do Distrito Federal que condenou a Rede D’Or São Luiz, responsável pelo Hospital Santa Helena, a pagar R$ 60 mil para cada um dos pais da criança, totalizando R$ 120 mil. Gallotti determinou que o montante seja de R$ 200 mil – ou seja, R$ 100 mil para cada genitor.
O pequeno Miguel Guimarães Resende Soares, que tinha síndrome de Down, morreu na unidade hospitalar. A defesa da família argumentou que “é possível a majoração do valor fixado para danos morais, em prol dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Os advogados dos genitores haviam solicitado indenização entre R$ 300 e 500 salários-mínimos em favor de cada um dos pais.
Após a decisão da Justiça do DF, a defesa dos pais de Miguel recorreu alegando que houve “divergência gritante” entre o valor solicitado e o determinado pelo Judiciário. A multa fixada ao hospital foi inferior a 50 salários-mínimos.
A ministra do STJ acatou os argumentos e elevou o valor cobrado por negligência na prestação de serviços médicos de R$ 120 mil para R$ 200 mil.
Falha
Em primeira instância, o juiz Luís Martius Holanda Bezerra Júnior, da 22ª Vara Cível de Brasília, tinha condenado a rede de hospitais ao pagamento de indenização por danos materiais e extrapatrimoniais decorrentes de falha na execução de serviços médicos, o que culminou no óbito da criança.
Conforme a decisão, Miguel deu entrada no Hospital Santa Helena em 18 de abril de 2019, com febre, vômitos, diarreia e hiporexia. Na enfermaria, foi prescrita hidratação venosa, mantida em reavaliação realizada em seguida. A médica responsável pela análise do paciente atestou, porém, que ele se mostrava “bem hidratado, embora pouco tolerante à reidratação oral, vislumbrando-se hipótese diagnóstica de gastroenterocolite aguda”.
À 1h do dia 19 de abril de 2019, Miguel apresentou quadro de dispneia, palidez, extremidades frias e queda de saturação e foi encaminhado para a emergência pediátrica. Em nova avaliação, realizada já na unidade emergencial, às 2h30, “teria sido constatado quadro de desidratação, cuja intensidade estaria a demandar reposição volêmica, só então prescrita, não tendo havido diagnóstico conclusivo da moléstia, permanecendo, como meramente aventadas, as hipóteses de gastroenterocolite aguda e desidratação”.
“Seguiu-se a prescrição de intubação em centro cirúrgico, ao que sobreveio o primeiro episódio de parada cardiorrespiratória e reanimação, sendo atestado, às 4h42 do dia 19/04/2019, que o paciente não se manteria hidratado, apesar da hidratação venosa administrada. O quadro de desidratação teria persistido, evoluindo com choque hipovolêmico, assim diagnosticado às 17h45 do dia 19/04/2019, apresentando o paciente ainda diarreia aguda grave”, diz o texto da sentença.
Em 2021, o pai da criança contou ao Metrópoles que o garotinho passou uma semana na UTI. Em 27 de abril, Miguel faleceu por edema cerebral, choque refratário, miocardite infecciosa e gastroenterite. Apesar disso, consta ainda no atestado de óbito que uma das causas da morte foi a síndrome de Down. “Síndrome de Down não é causa de morte. Isso é um absurdo, um preconceito sem tamanho”, lamentou o radialista e empresário Daniel Resende Soares, pai de Miguel.
Miguel era o único filho de Daniel e de Karla Mota Guimarães. Após o falecimento, os pais do menino entraram com ação na Justiça pedindo o pagamento de R$ 6.723,02 correspondente às despesas com o funeral do filho. Solicitaram, ainda, a compensação dos danos extrapatrimoniais, devido à morte da criança, por meio de indenização estimada em R$ 522.500,00, para cada um. Agora, o valor fixado está em R$ 200 mil.
Diagnóstico inadequado
Na decisão inicial, o juiz Luís Martius Holanda Bezerra Júnior considerou que “a sucessão consignada no prontuário evidencia que o paciente, no momento do atendimento inicial, já apresentava alterações patológicas tipicamente determinantes de desidratação (vômito frequente, diarreia e febre), que não teria sido adequadamente diagnosticada e tratada pela médica responsável pela segunda avaliação”.
“Constata-se a existência de conduta culposa, externada sob o viés específico da negligência, a determinar, pela deficitária atenção dispensada, a irreversibilidade do quadro”, afirmou o magistrado.
Na sentença, Luís Martius destaca ainda que “salta aos olhos, ante as circunstâncias e os desdobramentos do caso em exame, a atuação claramente deficitária, e, portanto, negligente, imputável a integrante da equipe médica do requerido, que, claramente, subestimou os sintomas do paciente e prescreveu, de forma insuficiente, tratamento incapaz de reverter, a tempo, o quadro apresentado”.
O magistrado também apontou que a prescrição teria sido limitada a 500 ml de soro fisiológico, por via intravenosa, a cada oito horas, sendo que, diante da grave desidratação, a reposição adequada seria de 260 ml por hora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário