Demora para realizar parto deixou criança sem oxigênio, aponta laudo. Defesa do hospital disse que vai recorrer.
Santa Casa de Misericórdia de Anápolis (Foto: Reprodução/TV Anhanguera) |
O juiz Eduardo Walmory Sanches condenou a Santa Casa de Misericórdia de Anápolis e um médico da instituição a indenizarem R$ 200 mil a um casal cujo filho recém-nascido, por suposto erro médico, ficou tetraplégico e sofreu paralisia cerebral. Também foi determinado que, juntos, paguem pensão mensal no valor de um salário-mínimo – atualmente R$ 954 – até a data em que o garoto complete 72 anos de idade.
A defesa da unidade de saúde informou que discorda da sentença e vai recorrer. A decisão é do dia 19 de abril e tem efeito retroativo. O menino, hoje com 16 anos, nasceu em setembro de 2001. O casal procurou a Justiça em 2009. O G1 não conseguiu contato com o advogado do médico e da família.
No processo, a mãe conta ter feito o pré-natal adequadamente e afirma que a obstetra que a acompanhava sempre disse que o feto se desenvolvia bem. Já com nove meses de gravidez, quando sentiu as primeiras contrações, por volta de 5h30, ela relata ter ido para o hospital, de onde teria sido dispensada.
A mulher conta que voltou, então, às 11h30, “sentindo fortes dores no pé da barriga”. O médico plantonista a encaminhou para um sala pré-parto. “No local, ela permaneceu por mais de duas horas até que surgiu uma enfermeira que lhe aplicou soro. Contudo, apesar das constantes reclamações de dores e contrações sentidas, nenhum médico foi atendê-la”, diz o processo.
“Somente por volta das 17h30, percebendo a agonia da mulher, um médico entrou no quarto para observar o motivo de tantas lamentações. Após o diagnóstico, solicitou urgentemente ajuda de enfermeiras para realizar o parto cesáreo, diante do grave quadro que se formou pela ausência de atendimento médico.”
“Após o parto, o recém-nascido apresentou quadro preocupante, sem qualquer reação, sendo levado para incubadora, onde permaneceu por vários dias”, completou.
Os pais afirmam que, com o passar do tempo, perceberam que o bebê não se comportava como outras crianças. Um médico consultado pela família diagnosticou que ele tinha sequelas decorrentes da falta de oxigênio no cérebro, porque "passou da hora de nascer". A Santa Casa de Misericórdia nega erro médico.
“A Santa Casa não reconhece culpa na condução do parto e defende a tese de que a anóxia perinatal que acometeu o recém-nascido é multifatorial e não apresenta nexo de causalidade com os atos médicos praticados”, disse o advogado Adhemar Cipriano Aguiar.
No processo, o defensor alegou que houve prolapso de cordão umbilical, uma complicação rara, que ocorre em 1 a cada 1.000 partos, no qual o cordão precede o bebê na passagem pelo canal de parto.
"É inerente à própria evolução da gestação, inexigindo procedimento médico para sua ocorrência", argumentou.
Para o juiz Eduardo Walmory Sanches, os laudos periciais anexados ao processo confirmam que o serviço prestado pelo hospital foi defeituoso. O magistrado afirmou ainda que a falta de exames de imagem impediu que a equipe médica percebesse os problemas.
“O hospital e seu corpo médico, irresponsavelmente, permitiram que a mãe do autor, que já havia comparecido ao hospital de madrugada (5 e 30 horas) com fortes dores, voltasse para sua residência sem ao menos realizar um único exame de imagem na gestante que reclamava de fortes dores”, afirmou o juiz.
Consequências
Ouvida no processo, uma avó do menino disse que o hospital informou que faria a cesária porque "já havia passado de hora do parto". Por causa disso, ele precisa de acompanhamento com fonoaudióloga e fisioterapeuta. As mesmas informações foram passadas por uma dia.
"O bebezinho havia comido as fezes e bebido a urina", explicou o médico, segundo a avó.
O quadro é conhecido como hipóxia perinatal – quando o feto tem diminuição ou ausência da oferta de oxigênio e nutrientes processados pela placenta. As causas são diversas e podem ter relação com doenças maternas, prolapso de cordão e descolamento de placenta, diz o tesoureiro da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia, Reisson Serafim Cruz.
Especialista em medicina fetal, o médico diz que a gravidade da hipóxia perinatal pode variar, podendo causar até a morte. Já a recuperação depende da capacidade de adaptação do feto.
"Quando o sofrimento fetal é logo identificado e solucionado, a recuperação do feto costuma ser rápida e não deixar sequelas. Mas, se é prolongado, pode levar a lesões irreversíveis, principalmente no sistema nervoso central, como lesões cerebrais de baixa severidade ou lesões encefálicas extensas (paralisia cerebral)", explica.
Reisson afirma ainda que nem sempre é possível identificar o quadro. "A frequência da hipóxia perinatal e bastante variável segundos os estudos e depende diretamente da frequência da causa envolvida em cada situação, variando de 2% a 10% das gestações."
O juiz Eduardo Walmory Sanches afirma que a questão vai além da demora para concluir o parto.
"Quando o profissional médico faz a opção técnica pela espera da dilatação, deve haver acompanhamento de exames de imagens durante esse período. [...] O erro médico fundamental reside na omissão do réu em não realizar os exames de imagem durante o tempo em que a gestante permaneceu no hospital."
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