Empresa terceirizada contratada pela prefeitura teria empregado como pediatras mais de 20 médicos sem a especialização. MP investiga erro por falta de habilidade técnica.
Secretários e vereadores de Guaíba são afastados por suspeita de fraudes na saúde |
O Ministério Público informou que investiga se 27 médicos contratados como pediatras por empresas terceirizadas que prestavam serviço para a Prefeitura de Guaíba tinham ou não a especialização. A situação pode ter contribuído para quatro mortes que também estão sendo investigadas. Na manhã desta quinta-feira (26) foi realizada uma operação que afastou vereadores e secretários municipais.
"A gente tem alguns indicativos que houve por parte de algum médico um procedimento equivocado para determinada situação exatamente por ausência de habilidade técnica [...] temos certeza disso: que houve um erro de procedimento médico, que não é um procedimento padrão, nem adequado", afirmou o promotor de Justiça João Beltrame.
Ele destaca ainda que a situação causou espanto tanto para promotoria quanto para as autoridades de saúde.
"Investigados que não possuem habilitação para serem médicos pediatras, e que excerciam a atividade na cidade de Guaíba, o que causa grande perplexidade para nós, e para o Cremers. E temos nessa investigação, a morte de quatro pessoas no PA (Pronto Atendimento), que a gente acredita que tenha se dado, eventualmente, por alguma dificuldade técnica", afirmou o promotor.
Secretários e vereadores afastados
Dois secretários municipais, dois vereadores e seis integrantes da Comissão Municipal de Licitação de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foram afastados de seus cargos pelo Ministério Público na manhã desta quinta-feira (26).
São eles o secretário municipal da Saúde, Itamar José da Costa, o secretário de Administração, Finanças e Recursos Humanos, Leandro Luis Wurdig Jardim, além do vereador Bento Alteneta da Silva e do presidente da Câmara de Vereadores, Renan dos Santos Pereira. O afastamento é por 120 dias.
Por meio das redes sociais, o vereador Dr. Renan Pereira disse que as notícias veiculadas a seu respeito são "requentadas", e questiona as denúncias, conforme ele, "infundadas e com teor 100% político e advindas de adversários políticos". Ele nega as acusações e se diz vítima de perseguição política, e afirma ainda que as denúncias surgiram após ele ter adotado postura de oposição contra o atual prefeito, e ter sido reeleito para a presidência da Câmara de Guaíba.
A prefeitura informou por meio de nota que está disposta a colaborar com toda a investigação, mas ainda não se teve acesso ao conteúdo do inquérito. O G1 entrou em contato com o gabinete do vereador Bento Alteneta, que não foi encontrado para falar sobre o assunto. Os dois secretários afastados também não foram localizados para comentar sobre o caso.
Eles são suspeitos de participar de um esquema de fraude em licitações para prestação de serviços médicos no Pronto Atendimento Solon Tavares e no Samu do município, por meio de dispensas irregulares de licitação, contratações emergenciais e subcontratações. O esquema, investigado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Núcleo Saúde, do Ministério Público, e pela Promotoria de Justiça de Guaíba apontam prejuízo de R$ 4,9 milhões em 14 contratos, firmados entre 2014 e 2017.
"A gente tem duas secretarias municipais envolvidas, toda a comissão de licitação do município facilitando que determinadas empresas tivessem ganhos extraordinários nas contratações, com sobrepreço e superfaturamento, sempre sendo indicada por alguém, normalmente pelo secretário de Saúde ou de Administração", detalhou o promotor João Beltrame.
No caso do Pronto Atendimento, por exemplo, a empresa contratada por dispensa de licitação subcontratou a empresa pertencente ao presidente da Câmara de Vereadores para a prestação dos serviços.
A empresa, no entanto, não possui funcionários, estava inativa durante parte do período dos contratos, não possui estrutura física e é utilizada para que o vereador receba valores da subcontratação sem ter qualquer tipo de atividade empresarial, conforme o MP.
Após o término do contrato, foram realizadas várias dispensas ilegais de licitação para a contratação de outras empresas investigadas.
Fura-fila no SUS
Os vereadores foram apontados pelo Gaeco Saúde, também, como integrantes de um esquema de "fura-fila" no SUS. Renan, que também é médico do município, se utilizava da sua condição de regulador local do Telessaúde para beneficiar determinadas pessoas. Ele também foi afastado de seu cargo de médico pelo MP. Dos 441 registros realizados em um período de pouco mais de um ano, 124 foram realizados por Renan - quase 30%.
Tentativa de fraude nos serviços de vigilância da Câmara
As investigações ainda dão conta de que há indícios de fraude à licitação para a contratação de serviços de vigilância da Câmara de Vereadores. As provas colhidas até agora apontam para o fato de que o certame foi fraudado para que vencesse empresa vinculada aos investigados. Tal contrato, após apontamento do Tribunal de Contas do Estado, foi suspenso pelo investigado, que é o presidente da Câmara.
A pedido do MP, a Justiça decretou o bloqueio de bens e valores de 30 investigados, além de seis empresas, possivelmente adquiridos com os crimes praticados e, por vezes, utilizados para lavagem de dinheiro.
'Se algo está errado, temos que arrumar'
O prefeito de Guaíba, José Sperotto, diz ter ficado surpreso ao ver o caso na imprensa. Ele diz confiar nos secretários e membros da comissão de licitações investigados, mas decidiu afastá-los para mostrar às autoridades que a prefeitura de Guaíba dá total apoio e seguirá colaborando com as investigações.
"Estamos de portas abertas para as autoridades, na hora e no dia em que quiserem entrar, sem necessidade de mandado judicial. Quero fazer tudo com absoluta transparência tanto para ajudar nas investigações quanto para que a população saiba o que está acontecendo. Se algo está errado temos que arrumar."
Sobre os indícios de fraudes em contratos, o prefeito disse não ter tido acesso à íntegra do processo, mas já determinou que todos os servidores da prefeitura colaborem com as investigações.
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