segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

A importância do dever de informação e o risco da omissão nos serviços médicos: Por que o Termo de Consentimento Informado não basta?

Quando se trata de contratação de serviço médico, a informação é ainda mais imprescindível, uma vez que o bem jurídico em discussão é a integridade física do indivíduo e sua vida.


Não privativa à área médica, a obrigação de informação se estende a todos os ramos, uma vez que para se realizar um negócio jurídico é necessário que se saiba que está se negociando, faz parte do elemento volitivo, portanto, requisito de validade.
Quando se trata de contratação de serviço médico, a informação é ainda mais imprescindível, uma vez que o bem jurídico em discussão é a integridade física do indivíduo e sua vida.
Historicamente o dever de informação na atividade médica nem sempre existiu, em razão da medicina, nos primórdios, ser considerada função divina, não podendo o médico ser contestado em suas decisões.
Todavia, paulatinamente, foram surgindo mudanças acerca da relação médico-paciente, atrelando a atuação médica aos princípios da bioética, em especial à autonomia do paciente e princípio da beneficência.
Tendo seu início a partir das Revoluções Francesa e Industrial, com grande influência de julgados norte-americanos[1] e europeus[2], principalmente após a 2ª Guerra Mundial e a força dos julgados do Tribunal Militar de Nuremberg[3], que enalteceram o direito do paciente a se autodeterminar.
O dever de informação surge da premissa de que o paciente não possui condições técnicas para entender o que lhe acomete, de modo que não tem conhecimento necessário para saber o que a doença, o tratamento ou o procedimento diagnóstico lhe causará, sem que um médico lhe explique.
Do mesmo modo, apenas é possível que o paciente escolha se pretende ser submetido às técnicas terapêuticas ou diagnósticas, se lhe for explicado as perdas e ganhos dos procedimentos.
O Código Civil, em seu artigo 15, determina que ninguém será constrangido a submeter-se a tratamento ou intervenção cirúrgica, deixando claro que o paciente possui escolha e autonomia sobre sua integridade física.
Na mesma direção, a Constituição Federal estabelece, como direito de todos, o acesso à informação (art. 5º, XIV), enquanto o Código de Defesa do Consumidor estipula, como direito básico do consumidor, a informação clara e adequada sobre os serviços, inclusive quanto aos seus riscos (art. 6º, III e 8º).
Em se tratando de legislação específica da área da saúde, a Lei n. 8.080/90[4] determina que as ações e serviços públicos e privados de saúde, contratados ou conveniados com o SUS obedecem ao princípio do direito à informação (art. 7º, V).
Não diferente, o Conselho Federal de Medicina possui o Código de Ética Médica, normativa aplicada aos médicos, na qual impõe deveres e disciplina punições a eventuais descumprimentos. Nele, o Conselho concebe, em vários artigos[5], o dever de informação e a promoção da autonomia do paciente.
Atualmente, muito se fala sobre o Termo de Consentimento Informado, documento por meio do qual o médico assistente ou a clínica obtém, por parte do paciente, a autorização para que este seja submetido à tratamentos, procedimentos cirúrgicos e diagnósticos.
No entanto, apenas a consecução de uma assinatura neste termo se mostra insuficiente para o real cumprimento ao dever de informação. Isto porque, o documento apenas comprova – quando muito – que o paciente concorda com os riscos do procedimento ao qual se submeterá, não comprovando que ele fez uma escolha esclarecida.
Na melhor das hipóteses, mesmo que o Termo seja redigido da maneira adequada – personalizado para o paciente, em linguagem adequada -, explicado ao paciente, dado o tempo de refletir e oportunidade de formular perguntas, ainda assim este não basta.
Como acima discorrido, o direito de informação se faz necessário para que o paciente possa exercer seu poder de autodeterminação. Ou seja, se apenas é apresentado uma hipótese de tratamento, mesmo que esta seja explicada ao paciente, não é dada a oportunidade de autodeterminar, já que a ele foi imposta apenas uma possibilidade.
Cenário adequado é aquele no qual o paciente participa efetivamente de seu diagnóstico e tratamento, sendo a ele oportunizada a discussão acerca de qual tratamento se adequa melhor e até a possibilidade de se recusar a qualquer terapêutica.
No entanto, apenas é possível que o paciente participe das decisões, caso tenha as informações necessárias para refletir e, em conjunto com o médico assistente, fazer sua escolha esclarecida.
Sobre a importância do dever de informação, cabe citar um recente julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que gerou certa repercussão. De acordo com o sítio de informações oficial do Tribunal[6], no caso, a autora desenvolveu doença chamada “mielite actínica”, como consequência do tratamento de “linfoma de Hodking” ao qual foi submetida.
No processo, o hospital e o médico foram condenados ao pagamento no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) à paciente, uma vez que não informaram a ela a possibilidade – de 0.3% - de ser desenvolvida a doença “mielite actínica” a partir do tratamento do câncer.
Ressalta-se que a perícia não observou nenhuma falha técnica no tratamento em si, razão pela qual se concluiu que a doença foi adquirida pela paciente em razão do próprio risco do tratamento do câncer. Assim, a condenação se deu exclusivamente pela falha no dever de informação.
Com efeito, o liame do dever de informação é a boa relação médico-paciente, na qual o médico se disponibiliza a dissolver as dúvidas do paciente, ao passo em que o informa sobre sua doença, as hipóteses terapêuticas, quais são as complicações esperadas, e todos os demais esclarecimentos para que o paciente faça uma escolha segura e esclarecida.
 Escrito por Victória Fernandes Carneiro, Advogada, graduada pela Universidade Católica de Goiás, pós-graduada em Direito Civil, Processo Civil e Direito Médico e Proteção Jurídica aplicada a saúde, atuante na área de Direito Civil com foco no Direito da Saúde e Consumidor.

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