sábado, 26 de fevereiro de 2022

STJ mantém dano moral de R$ 50 mil por desvio produtivo decorrente de erro médico

 


O ministro Luiz Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou a condenação de médico a indenizar paciente, em R$ 50 mil, por danos morais decorrentes de erro médico.

Conforme o recurso, o médico liberou a paciente que apresentava sintomas graves após cirurgia (dores no local do dreno, aparecimento de caroço vermelho, dores de cabeça, repuxos abaixo do queixo, sensação de enforcamento, secreção purulenta e com sangue), mesmo diante das reclamações da paciente sobre intercorrências no local da cirurgia. A paciente apresentou sintomas graves, por longo período, inclusive com gradual piora do quadro, o médico não realizou investigação mais detalhada do problema ou mesmo encaminhamento da paciente a outro profissional.

indenização
Créditos: Ildo Frazao | iStock

Para o TJTO, restou evidenciada a conduta negligente do médico demandado, que levou cerca de dois anos para apurar os sintomas da autora, com diversas consultas médicas infrutíferas até a realização de nova cirurgia por outro médico, que retirou do local granuloma de corpo estranho oriundo de fios cirúrgicos da primeira cirurgia.

Ao analisar o Recurso Especial 1.974.362/TO do médico-requerido quanto à condenação em danos morais, o relator do caso no STJministro Luiz Felipe Salomão, concordou com o entendimento do TJ-TO que afirmou que:

exame médico
Créditos: megaflopp / iStock

Ainda, a pretensão de reparação extrapatrimonial se mostra legítima em decorrência do desgaste e significativo tempo despendidos pela autora nas várias idas e vindas de consultórios e emergências na tentativa de apurar a causa de seus sintomas. Nesse cenário, têm-se consagrado a tese do desvio produtivo ou perda de tempo útil, suficiente, por si só, a legitimar o reconhecimento de abalo moral, segundo a qual o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável (Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. Marcos Dessaune. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011).

Diante das peculiaridades do caso concreto, notadamente a gravidade e extensão da lesão subjetiva decorrente da demora na apuração dos sintomas da autora, que perdurou por cerca de dois anos, o relator ministro Salomão entendeu que o valor fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais não se mostra excessivo, ou seja, a condenação em R$ 50 mil por danos morais não destoa daqueles reputados razoáveis e proporcionais por esta Corte em situações semelhantes, de modo a não haver justificativa para afastamento do óbice inserto na Súmula 7/STJ.

Marcos Dessaune

Para Marcos Dessaune, autor da Teoria do desvio produtivo do consumidor, “a decisão revela que a paciente-consumidora sofreu dois danos extrapatrimoniais distintos, que acabaram contemplados sob a tradicional denominação genérica de ‘danos morais’: um dano anímico (ou moral stricto sensu), pela lesão à sua integridade psicofísica, adicionalmente a um dano existencial (ou moral lato sensu), pela lesão ao seu tempo vital e às suas atividades existenciais, com alteração danosa do seu cotidiano ou projeto de vida”.

Contudo, Dessaune faz a ressalva de que sendo a Teoria do desvio produtivo a pioneira na tratativa da temática, considero inadequada a nomenclatura ‘tempo útil’ ou ‘tempo livre’. Denominá-lo ‘útil’ implicaria reconhecer que existe algum tempo inútil na vida humana. E chamá-lo de ‘livre’ desconsidera que todo o tempo é ‘ocupado’ – do ócio ao negócio. Na minha doutrina, denomino esse precioso bem jurídico de ‘tempo vital ou existencial’ – ou simplesmente ‘tempo’.


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