O que mais parece incomodar o doente vítima do erro médico não é propriamente a extensão ou a qualidade do dano produzido. Na maioria das vezes é a sensação de impotência diante do gerador do dano, da própria categoria detentora do conhecimento singular da medicina. O erro por sinal é uma espécie de inércia da cultura médica, como a linguagem em estado de dicionário, segundo Drummond, inerte e fria.
A medicina não se realiza sem o homem versado na cultura médica e adestrado em suas possibilidades técnicas, não se proclama se não houver relação viva entre médico e paciente. Feita essa digressão para destacar a figura do médico ou definir sua grandeza para o paciente, fica a impressão de que a arrogância decorrente da posse do conhecimento técnico, a soberba no seu uso, o não-reconhecimento do erro, leva o paciente lesado ao desespero.
Isso nos chega pela leitura proveitosa de um livro escrito por uma jornalista de Goiás, Leda Selma, vítima de erro médico que ela conceituou com muita propriedade como "ferida social". A visão da jornalista pôs em destaque a insensibilidade do médico diante dos seus queixumes e reclamos, sua arrogância diante do erro consumado, a absoluta falta de humildade para reconhecer ou pelo menos solidarizar-se com o dano irreparável.
O paciente, às vezes, sofre o mesmo escárnio e discriminação do líder que ao protestar contra o governante poderoso se vê obstado pela segurança, que o sufoca, cala e afasta.
A soberba do médico e suas infindáveis ocupações com rápidos deslocamentos exercem na prática o mesmo efeito protetor da autoridade, além da sua credibilidade social alta em desfavor do mísero paciente, agora feio, pobre e lesado.
A recusa do médico em admitir seu erro é quase uma obsessão patológica, intolerável para quem se presume o legítimo herdeiro da graça divina, o benfeitor número um da humanidade. Isso oferece ao erro do médico uma dimensão social áspera e grave."
Júlio Cézar Meirelles Gomes
Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, 1º Secretário do Conselho Federal de
Medicina e Pneumologista do Hospital Universitário de Brasília, Brasília-DF.
Fonte: Revista Bioética
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