Rubens Belfort Jr., professor titular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). |
"O Profissionalismo em medicina compreende as atitudes e comportamentos que mantém o interesse do paciente acima do interesse médico. Inclui altruísmo, responsabilidade, compromisso com a excelência, dever, serviço, honra e respeito pelos outros".
Esta é a opinião de Rubens Belfort Junior, professor titular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), defendendo o chamado "Projeto Profissionalismo", instituído em 1992 pelo American Board of Internal Medicine e, a partir de então, adotado, discutido e incentivado por várias entidades médicas de todo o mundo inclusive, recentemente, pelo Conselho Internacional de Oftalmologia. O Projeto Profissinonalismo tem o objetivo de promover a integridade da atividade médica no ambiente profissional e no ambiente educacional, entre estudantes, médicos, residentes e especialistas. Procura desenvolver ações práticas que promovam a ética médica diagnosticar e remover os obstáculos à sua plena implementação.
Para Belfort Junior, a competência do médico envolve não somente conhecimento, raciocínio clínico e habilidades clínicas e cirúrgicas, mas também atitudes profissionais e de comportamento que são fundamentais. Acredita que os exames para emissão de títulos de especialista e universitários deveriam levar em consideração e estabelecer algum tipo de avaliação também para as qualidades humanísticas (integridade, respeito e compaixão) além do treinamento técnico.
Ao falar das qualidades humanas necessárias para o desempenho da Medicina ressaltadas pelo Projeto Profissionalismo, Rubens Belfort Junior, explica que o altruísmo é a essência do profissionalismo, exercido sempre que se coloca o interesse do paciente em sua devida prioridade máxima.
"A responsabilidade é requerida em três níveis: individual, social e profissional. Os médicos devem ser responsáveis no seu relacionamento com o paciente, mas também devem ser responsáveis e sensíveis às necessidades da sociedade e da população em termos de saúde pública", declara.
Entre os sinais e sintomas que destroem o profissionalismo, Belfort Junior destaca o abuso de poder, ameaça sexual, conflitos de interesse, arrogância profissional, fraude em pesquisa e dependência física-mental a álcool e outras drogas.
Afirma que o Programa Profissionalismo requer a adesão rigorosa aos procedimentos institucionais estabelecidos em cada sociedade para avaliar os candidatos à residência, sub-especialidade ou docência e incentiva a força do exemplo, que deve ser dado por todos os profissionais médicos envolvidos no programa: "o que adianta um ótimo "professor" que, seus residentes, fellows etc sabem que tem interesses escusos em óticas, solicita exames desnecessários, realiza tratamentos clínicos e cirúrgicos temerários e coloca seus interesses econômicos e sociais acima dos pacientes?" pergunta.
De acordo com postulados do Projeto Profissionalismo, a atividade médica sempre teve posição especial na sociedade. Nas últimas décadas, as mudanças econômicas e os avanços científicos e tecnológicos passaram a exercer uma pressão considerável sobre os médicos e na maneira pela qual devem difundir informações para pacientes e integrantes de outros segmentos sociais. Muitos médicos teriam perdido a percepção do real significado de sua posição social, que teria como resultado a redução do prestígio e do respeito que a profissão historicamente deteve. O Projeto Profissionalismo enfatiza alguns pontos para reverter esta tendência.
Belfort Junior considera que a atuação comunitária é um importante componente do profissionalismo e que os residentes devem ser incentivados a participar de organizações profissionais e programas comunitários. Os residentes também devem demonstrar qualidades humanísticas importantes desde a sua formação profissional entre as quais integridade, respeito, compaixão, responsabilidade profissional, cortesia, sensibilidade aos pacientes, capacidade de transmitir aos pacientes o conforto e o encorajamento que precisam, além de uma atitude profissional adequada para os seus colegas na área de saúde, não somente a outros médicos.
"A arrogância, em todas as suas formas, deve ser combatida como um dos maiores obstáculos ao profissionalismo já que reduz a capacidade do médico em pensar juntamente com o paciente em seu benefício, torna a empatia com o paciente difícil e remove o benefício da dúvida"
"Todo programa de treinamento tem a responsabilidade de propiciar um ambiente adequado em relação à ética profissional. Isto inclui a demonstração de altos padrões de moral pelos próprios responsáveis pelo programa em sua vida profissional e pessoal. Os exemplos continuam sendo um dos grandes fatores de formação para os jovens", afirma o professor.
A preocupação com a excelência deve ser constante. A complacência em não se lutar para o paciente ter a melhor medicina (pelas dificuldades econômicas do convênio, da clínica ou do país ou por qualquer outro motivo) é muito perigosa e pode revelar negligência. O paciente deve ser informado de seus direitos, do que a medicina tem de melhor para o seu caso das limitações do quanto está recebendo. Belfort Junior considera que existem sintomas e sinais que, quando reconhecidos, permitem o diagnóstico do enfraquecimento do profissionalismo e a superação desta situação. Entre estes sintomas está o abuso do poder que se manifesta na sonegação de informações aos pacientes e na exploração de colegas em publicações ou na carreira acadêmica.
"O Programa Profissionalismo enfatiza que nenhum indivíduo deve ser prejudicado em decorrência de eventual defeito físico, raça, sexo, religião, cultura, estado civil ou condição familiar ou econômica", diz. Todos devem ser instruídos no reconhecimento e manuseio dos perigos da dependência de substâncias químicas como álcool, drogas e estados como depressão, demência e outras doenças emocionais e psíquicas. A identificação e o aconselhamento para tratamento deve ser realizada em si próprio e nos colegas.
A arrogância, em todas as suas formas, deve ser combatida como um dos maiores obstáculos ao profissionalismo já que reduz a capacidade do médico em pensar juntamente com o paciente em seu benefício, torna a empatia com o paciente difícil e remove o benefício da dúvida. Rubens Belfort Junior considera que onde a ganância predomina e o profissionalismo desaparece. Os médicos devem se perguntar continuamente se suas ações são guiadas pelo interesse máximo do paciente ou pelos próprios interesses econômicos. Considera também que a mentira e a fraude são práticas que devem ser continuamente denunciadas e combatidas.
"Os exemplos são muitos. Mentir sobre os serviços realizados para obter o pagamento maior de companhias de seguros ou convênios é exemplo de fraude e falta de consciência, mas também temos o médico que sempre faz o mínimo, não retorna as chamadas dos pacientes, examina os dados rapidamente e sempre culpa o sistema de saúde, o convênio, os outros, por todos os problemas, estando sempre muito ocupado para cuidar do paciente. Para os médicos envolvidos com o ensino, cabem preocupações adicionais porque muitas vezes não se interessam pelos residentes ou pelo estudante de medicina. Sempre com desculpas que estão envolvidos em algo mais importante", afirma Belfort Junior.
Qualquer programa para incentivar o Profissionalismo precisa enfatizar que o médico precisa evitar situações onde os seus interesses sejam colocados acima do paciente. Atenção permanente de ser dada à identificação das diferentes maneiras onde conflitos de interesse possam colocar o paciente em uma situação inferior a do médico e também a defesa dos interesses da sociedade substituído pela defesa dos interesses corporativistas, diferentes do paciente. Entre os exemplos de conflitos de interesse mais comuns na prática médica, o professor da UNIFESP cita a auto-referência, ou seja, a solicitação de exames de laboratórios ou testes diagnósticos, exames auxiliares e de tratamentos realizados pelo próprio médico ou por centros onde tem interesse econômico, a aceitação condicionada de presentes e donativos, a prescrição de tratamentos impróprios, cobranças excessivas, prolongamento do tempo de tratamento ou do tempo de estadia em hospital e consultas em número maior do que o estritamente necessário e a colaboração anti-ética com a indústria, escamoteando relações e interesses como se fossem integridade científica e preocupação com o paciente.
"...o altruísmo é a essência do profissionalismo, exercido sempre que se coloca o interesse do paciente em sua devida prioridade máxima"
"Acredito que programas semelhantes devam ser adotado por conselhos de médicos, entidades de especialidades, sociedades e universidades. Uma recente manifestação do Conselho Internacional de Oftalmologia incentiva todos os que se dedicam à especialidade a seguir metodologias próximas ao Projeto Profissionalismo e nós mesmos já debatemos o assunto num artigo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia. Vejo a adoção do Programa Profissionalismo por diferentes entidades médicas como uma resposta positiva às sucessivas crises de nosso tempo no campo da ética médica e acho que a Oftalmologia tem um importante papel a cumprir neste sentido", concluiu Rubens Belfort Junior.
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