domingo, 6 de dezembro de 2020

DF deve indenizar mãe por falta de atendimento ao filho em hospital da rede pública

 

Ela receberá R$ 30 mil, a título de danos morais.



Número do processo: 0712452-14.2019.8.07.0018

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: M. D. C. F. P. B.

REU: DISTRITO FEDERAL

SENTENÇA

Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por M. D. C. F. P. B. em face do DISTRITO FEDERAL.

Narra a autora que no dia 01/05/2019, após queixas de mal-estar e diarreia pelo seu filho C. R. P. B., levou-o ao Hospital Regional de Sobradinho, chegando ao local por volta de 09h15min.

Relata que, após fazer a ficha cadastral do seu filho, pediram-lhe que aguardasse o atendimento.

Afirma que, por volta de 12 horas, buscou informações acerca do atendimento de seu filho, uma vez que o mesmo se encontrava com muitas dores, chegando a deitar-se no chão, mas não obteve sucesso.

Diz que por volta de 16 horas, tendo em vista o agravamento do estado de saúde do seu filho, solicitou ajuda aos seguranças do hospital, os quais alegaram que não podiam tocar em paciente, mas que iam chamar por alguém. Aduz que, após, apareceu uma funcionária do hospital informando que o seu filho seria o próximo a ser atendido.

Menciona que procurou por informações de atendimento, novamente, às 20 horas, mas que, às 20h30min, o chefe do plantão hospitalar teria ido até o hall de atendimento e informado que havia se encerrado o expediente no nosocômio, sendo orientada a buscar atendimento na Unidade de Pronto Atendimento – UPA de Sobradinho II.

Narra que, então, se dirigiu à UPA de Sobradinho, onde, ao preencher o cadastro do seu filho, o mesmo teve uma crise convulsiva e parada respiratória, sendo levado para o interior da unidade pelos médicos.

Manifesta que decorrido cerca de 40 minutos, um médico lhe informou que o estado de saúde de seu filho era grave, encontrando-se entubado, e que foi orientada a ir a sua casa para buscar algumas roupas de cama para o mesmo e, após, voltar para a sua residência para descansar.

Expõe que seguiu a orientação e que retornou à UPA por volta de 8h30min do dia seguinte, quando obteve a informação de que o estado de saúde de seu filho havia se agravado e que o mesmo estava à espera de um leito de UTI.

Cita que, no período da tarde, outro filho, ao dirigir-se ao hospital para visitar o irmão, foi informado que o estado de saúde do Sr. C. havia se agravado ainda mais, recomendando-o a procurar a Defensoria Pública a fim de conseguir um leito de UTI.

Informa que, após sofrer nova parada cardíaca, recebeu a notícia às 19h10min de que seu filho havia falecido.

Alega que às quase 12 horas de espera sem atendimento no Hospital Regional de Sobradinho fizeram agravar o estado de saúde de seu filho.

Alega, ainda, abalo moral  ao ver seu filho agonizando por quase 12 horas, sem ter qualquer atendimento ou auxílio dos funcionários do Hospital Regional de Sobradinho.

Tece arrazoado acerca da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado e da teoria da perda de uma chance.

Requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e pugna pela concessão dos benefícios da justiça gratuita.

A inicial veio acompanhada de documentos.

O feito foi, inicialmente, distribuído ao Juízo da 1ª Vara Cível de Samambaia, sendo redistribuído a este Juízo por declínio de competência.

A inicial veio acompanhada de documentos.

Emenda à inicial ao ID nº 55276957.

A Decisão de ID nº 55407449 recebeu a inicial e concedeu a justiça gratuita à requerente.

Regularmente citado, o DISTRITO FEDERAL ofertou Contestação ao ID nº 59436343, alegando ausência de Responsabilidade Civil do Estado por não se observar conduta administrativa irregular, desidiosa ou negligente no serviço público de saúde prestado. Alega, ainda, que o filho da autora apresentava uma situação clínica particular que não foi relatada no Hospital Regional de Sobradinho, motivo pelo qual não teria recebido atendimento prioritário, apenas constando da ficha cadastral do dia do ocorrido o relato de asma. Defende que o falecimento do filho da requerente teria ocorrido em virtude de doença pré-existente que possuía, não constando do prontuário do mesmo que fazia acompanhamento para tratar a enfermidade, e rebate o valor pedido a título de danos morais, no caso de procedência do pedido formulado na inicial. Ao final, requer a improcedência dos pedidos autorais.

À Contestação, foram acostados documentos.

O réu, também, acostou documentos à petição de ID nº 59869651.

Em Réplica à Contestação (ID nº 63746302), a autora rechaça as alegações do réu de exorbitância do valor requerido a título de danos morais, sustentando a deficiência na triagem realizada ao paciente no Hospital Regional de Sobradinho, e reitera os pedidos constantes na exordial.

A autora acostou documentos à réplica.

A Decisão de ID nº 69858759 indeferiu o pedido da autora de oitiva de testemunhas e deferiu o pedido do réu de oitiva das testemunhas médicas que arrolou.

A audiência foi realizada, conforme Termo acostado ao ID nº 74179512, com os depoimentos registrados por meio de gravação em áudio e vídeo, nos termos dos artigos 367, § 5º, e 460, do CPC.

Alegações Finais apresentadas pela requerente ao ID nº 75045383, nas quais argumenta que a prova testemunhal produzida demonstra que, caso o filho da autora tivesse recebido atendimento no Hospital Regional de Sobradinho, teria apresentado quadro diverso ao chegar à UPA, bem como poderia ter sido outro o desfecho do caso. Ressaltou, ainda, que ficou caracterizada que a triagem feita no referido Hospital são realizadas por técnicos administrativos e não por médicos ou enfermeiros. Por fim, reitera os argumentos da inicial.

O réu apresentou Alegações Finais ao ID nº 76766174, sustentando que a fase instrutória corrobora com a tese de defesa no sentido de que o óbito do paciente se deu em virtude de situação clínica pré-existente, que não estava sendo tratada e não foi comunicada aos agentes de saúde. Ao final, requer a improcedência do pedido formulado na inicial ou, no caso de procedência, a redução do valor requerido a título de danos morais.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório. 

Decido e Fundamento. 

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não havendo outra questão de ordem processual pendente, passo à análise do mérito da questão.

A solução da controvérsia da presente demanda reside em averiguar se há Responsabilidade Civil do Distrito Federal em relação aos danos morais que a autora alega ter sofrido com a ausência de atendimento no Hospital Público e que teria contribuído para o falecimento do seu filho.

A Responsabilidade Civil do Estado em reparar o dano encontra-se disciplinada no artigo 37, § 6º, da Constituição, segundo o qual: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 

Adotou a Carta Magna, no citado dispositivo, a responsabilidade civil do Estado do tipo objetiva, cuja característica principal é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. Trata-se da adoção da Teoria do Risco Administrativo.

Portanto, para que seja caracterizada a responsabilidade civil objetiva, faz-se necessária a presença apenas de três pressupostos: a) fato administrativo, consistente na atividade ou na conduta comissiva ou omissiva imputada a agente do Estado ou a prestador de serviço público; b) dano, configurado no resultado lesivo – seja patrimonial ou moral; e  c) nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano, devendo o lesado demonstrar que o prejuízo se originou da conduta estatal. Com a presença dos referidos pressupostos, o Estado tem o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhes foram causados.

Quanto à responsabilidade civil por atos omissivos, prevista de forma implícita no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação a qual teoria deve ser aplicada: se da responsabilidade objetiva ou da responsabilidade subjetiva ao Estado. Nesta última, há o entendimento de que para a configuração da Responsabilidade Estatal, é necessária a existência de culpa, consistente no descumprimento do dever legal de impedir a consumação do prejuízo e a efetiva ocorrência de dano indenizável.

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “adotam a teoria da responsabilidade subjetiva em caso de omissão, José Cretella Júnior (1970, v. 8:210), Yussef Said Cahali (1995:282-283), Álvaro Lazzarini (RTJSP 117/16), Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979, vol. II:487), Celso Antônio Bandeira de Mello (RT 552/14). É a corrente a que também me filio. A maioria da doutrina, contudo, parece pender para a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, em casos de sua omissão.”[1].

Explica a jurista, ainda, que a diferença entre as teorias da responsabilidade objetiva e subjetiva é tão pequena que a discussão perde um pouco de interesse. Ademais, acerca do posicionamento que adota, esclarece que:

Com Celso Antônio Bandeira de Mello (2008:996), entendemos que, nessa hipótese, existe uma presunção de culpa do Poder Público. O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou dolo. Ao Estado é que cabe demonstrar que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque a sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer essa demonstração, não incidirá a responsabilidade.[2]

José dos Santos Carvalho Filho, por seu turno, embora não concorde que nas condutas omissivas do Estado incida a responsabilidade subjetiva, mas sim a responsabilidade comum aos demais sujeitos, leciona o seguinte:

Na verdade, nenhuma novidade existe nesse tipo de responsabilidade. Quer-nos parecer, assim, que o Estado se sujeita à responsabilidade objetiva, mas, quando se tratar de conduta omissiva, estará ele na posição comum de todos, vale dizer, sua responsabilização se dará por culpa. Acresce notar, por fim, que, mesmo quando presentes os elementos da responsabilidade subjetiva, estarão fatalmente presentes os elementos da responsabilidade objetiva, por ser esta mais abrangente que aquela. De fato, sempre estarão presentes o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade. A única peculiaridade é que, nas condutas omissivas, se exigirá, além do fato administrativo em si, que seja ele calcado na culpa.[3]

De acordo com os juristas acima citados, portanto, são pressupostos para a configuração da Responsabilidade Civil do Estado nas condutas omissivas, além da prova do dano e da existência do nexo de causalidade, a comprovação da culpa.

Nada obstante, parte considerável da doutrina e da jurisprudência Pátria tem adotado o entendimento de que a Responsabilidade Civil do Ente Público, no contexto constitucional vigente, é regida pela Teoria do Risco Administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto para as omissivas, já que foi afastada a Teoria do Risco Integral.

Seguindo essa linha de pensamento, cite-se o Precedente do STF, no julgamento do RE 841.526/RS, submetido à sistemática de repercussão geral[4].

No referido julgado, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o entendimento de que se aplica a responsabilização objetiva do Estado, com base no parágrafo 6º, do art. 37, da Constituição Federal, nas hipóteses em que o Poder Público tem o dever específico de agir e a sua omissão cria a situação que dá ensejo ao dano suportado pelo administrado ou ao usuário do serviço público.

A situação em exame retrata exatamente caso em que o Poder Público possuía o dever específico de agir para evitar um evento danoso, qual seja, prestar atendimento médico ao administrado que queixava-se de mal-estar.

Destarte, há que se analisar apenas se houve nexo de causalidade entre a omissão do Estado, caracterizada pela ausência de atendimento no Hospital Público de Sobradinho, ou falha no atendimento médico prestado posteriormente, e o evento danoso, consistente no óbito de C. R. P. B., filho da autora.

Da análise dos elementos de provas trazidos aos autos, tenho que o nexo de causalidade não é observado. Vejamos.

Alega o DISTRITO FEDERAL que a morte do filho da autora teria ocorrido em virtude de situação clínica pré-existente, que não estava sendo tratada e não foi comunicada aos agentes de saúde.

Na oitiva do médico J. R. D. P., que participou dos cuidados iniciais do filho da requerente na Unidade de Pronto Atendimento – UPA de Sobradinho, no dia 01/05/2019, este esclareceu que o filho da autora chegou ao local em estado grave, desacordado, apresentando glicemia baixa  e sem possibilidade de se comunicar, motivo pelo qual a equipe médica teria colhido o histórico de saúde do paciente pelo relato da genitora, a qual teria informado que o Sr. C. já apresentava uns 03 (três) dias de sintomas em casa, quando procurou o atendimento.

O depoente informou que lhe foi passado durante o atendimento, que o paciente tinha um histórico de uso de bebida alcóolica em grande quantidade e que era fumante, não lhe sendo relatado nenhuma outra enfermidade. O médico informou, ainda, que não chegou a verificar, durante o atendimento do paciente, sobre doenças pré-existentes, colhendo informações apenas na anamnese e em conversa com familiares, sobre o histórico de saúde do mesmo.

Consignou, também, que o paciente chegou em estado  grave, desacordado, motivo pelo qual não passou pela classificação, sendo encaminhado direto para a sala de emergência, chamada de “sala vermelha”, onde são feitos os atendimentos com maior complexidade. Asseverou que foi prestado ao paciente todas as medidas para estabilização inicial na sala de emergência, tal como a correção de glicemia e outros procedimentos.

Enfatizou o depoente que o primeiro procedimento realizado no paciente, tendo em vista o histórico de etilismo, foi aferir a glicose do mesmo, sendo constatada a glicemia extremamente baixa, motivo pelo qual acredita que ele tenha ficado desacordado. Narra que, com a constatação, foi feita, imediatamente, a correção da hipoglicemia. Relata que o paciente também foi hidratado, pois encontrava-se com desidratação, e monitorizado, tendo evoluído para a estabilidade do quadro, sem piora em relação à chegada à UPA, embora tenha permanecido em estado grave, sendo essa a situação até o final do plantão médico que era responsável.

Por fim, asseverou que na UPA de Sobradinho não há leitos de UTI, mas apenas leitos de emergência, com monitores, para prestar o atendimento inicial.

Já no depoimento do médico V. D. S. P., o qual atendeu o filho da autora no plantão do dia seguinte (02/05/2019) em que o mesmo deu entrada na UPA, há o relato de que o paciente se encontrava na “sala vermelha”, tendo apresentado convulsão, sendo aferida a glicose e constatado que a mesma se encontrava baixa. Enfatizou o médico que o Sr. C., pelo histórico coletado com o mesmo e observado em seu prontuário, tratava-se de paciente alcoólatra e que fazia uso do tabaco, sendo comum aos pacientes etilistas sofrerem síndrome de abstinência e de serem cronicamente desnutridos, tendo em vista que, por consumirem muito álcool, não se alimentam adequadamente. Ressalta que a abstinência alcóolica, comumente, pode levar o paciente a apresentar convulsão. Diz que o paciente encontrava-se internado, fazendo uso de toda a medicação necessária ao seu caso, mas que, em razão da gravidade do quadro, apresentou crise convulsiva. Destaca que a equipe médica estabilizou o quadro do paciente com correção da glicose, mas seu estado de saúde permaneceu grave, até porque os pacientes alcoólatras, geralmente, além de cronicamente desnutridos, são um pouco imunossuprimidos e apresentam algum grau de insuficiência na função do fígado.

O médico segue relatando que, passada a crise convulsiva do paciente, que ocorreu entre 7 horas e 8 horas, o mesmo apresentou, entre 8 horas e 9 horas, uma parada cardiorrespiratória, o que pode ter acontecido devido ao quadro grave que o mesmo possuía, e, considerando que havia, ainda, a suspeita de infecção. Informa que após prestar toda a assistência necessária, junto com a equipe de enfermagem, a fim de conter a parada cardiorrespiratória, entubou e reanimou o paciente, tendo o mesmo retornado a circulação espontânea, porém, acoplado ao ventilador mecânico e respirando com o auxílio de aparelhos.

Aduz o depoente que a impressão que tem é que o paciente, por conta das doenças pré-existentes que apresentava, possuía uma saúde um pouco mais frágil, frisando que os pacientes alcoólatras, em geral, têm uma expectativa de vida mais baixa do que o paciente não etilista, mas, destacando, que o filho da requerente recebeu toda a assistência que era necessária, dentro das dependências da UPA, tais como medicação para hidratar, glicose para recompor os níveis de glicemia, vitamina na veia para a desnutrição, remédio para controle da crise convulsiva, antibiótico para controle do quadro de infecção do trato digestório. Afirma que, a despeito disso, infelizmente, o paciente sofreu a parada cardiorrespiratória, sendo solicitada uma vaga de leito de UTI para o mesmo, uma vez que a UPA possui apenas a “sala vermelha” com todo o suporte para paciente grave, sendo como uma semi intensiva. Esclarece que o paciente foi definido como prioridade máxima para a necessidade do leito de UTI solicitado, ressaltando, contudo, que caso o leito surgisse, tendo em vista o quadro grave apresentado, não saberia se o mesmo teria condições de ser transportado, até porque apresentou mais uma parada cardíaca, quando veio a óbito.

O médico consigna que não tem como prever se, pelo quadro que o Sr. C. apresentava, caso tivesse recebido atendimento por volta de 09h30min ou 10 horas da manhã do dia 01/05/2019, dia anterior ao óbito, o caso poderia ter tido outro desfecho, embora haja a possibilidade da demora de atendimento ter agravado a situação clínica. Por fim, informa que a vaga de UTI, embora solicitada, não chegou a ser concedida, tendo em vista que em menos de 12 horas o paciente evoluiu para o óbito.

Portanto, percebe-se, pela análise da prova oral produzida nos autos, que na UPA de Sobradinho foram empregados todos os cuidados necessários para estabilizar o quadro do paciente e que o estado grave de saúde que apresentou mostrou-se compatível com a situação clínica pré-existente que possuía, havendo imprecisão ou dificuldade sob o aspecto médico de se estabelecer qual a probabilidade de chance de não ter evoluído ao óbito.

Desse modo, observa-se que o filho da requerente já apresentava situação clínica pré-existente que contribuiu para o quadro de saúde grave que apresentou e, por conseguinte, para o óbito, não havendo evidência de que a demora de atendimento médico, pelas quase 12 (doze) horas de permanência no Hospital Regional de Sobradinho, tenha influenciado no resultado morte.

Tal constatação afasta o nexo causal entre a morte e qualquer conduta estatal, não caracterizando, dessa maneira, a Responsabilidade Civil do Estado.

Além disso, em que pese a necessidade de transferência do paciente para ambiente de terapia intensiva, ficou evidenciado pelos depoimentos colhidos que não houve tempo suficiente para o transporte, tendo em vista o estado grave da situação clínica, com evolução a óbito em menos de 24 (vinte e quatro) horas da internação na UPA.

Nessa toada, não há o indicativo de conduta negligente ou omissiva do Estado no tratamento dispensado ao paciente e nem há como ser atribuída diretamente a demora na transferência do mesmo para UTI como a causa de sua morte, afastando também por este ângulo a Responsabilidade Civil do DISTRITO FEDERAL.

Saliente-se que a pretensão autoral tem como um dos fundamentos a Teoria da Perda de Uma Chance, afirmando que a vida de seu filho poderia ter sido salva, caso tivesse sido atendido no referido Hospital.

A tutela indenizatória fundamentada na teoria da perda de uma chance, de acordo com Flávio Tartuce, “está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal”[5].

Ademais, acerca da aplicação da aludida teoria na seara médica, fixou o Colendo Supremo Tribunal Federal em julgado que analisou o tema que “A chance em si – desde que seja concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo – é considerada um bem autônomo e perfeitamente reparável. De tal modo, é direto o nexo causal entre a conduta (o erro médico) e o dano (lesão gerada pela perda de bem jurídico autônomo: a chance). Inexistindo, portanto, afronta à regra inserida no art. 403 do CC, mostrasse aplicável a teoria da perda de uma chance aos casos em que o erro médico tenha reduzido chances concretas e reais que poderiam ter sido postas à disposição da paciente” (STJ, REsp 1.254.141/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513)”.

Nesse diapasão, como acima destacado, para caracterizar a perda de uma chance, esta deve ser concreta, real e com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo. In casu, contudo, como acima explanado, não foi verificado que o resultado seria diverso, se houvesse sido empregado outro meio ou se o atendimento médico tivesse ocorrido ainda no primeiro Hospital onde o filho da autora procurou atendimento.

Logo, em que pese o lamentável óbito do filho autora, não há como ser atribuída ao DISTRITO FEDERAL a responsabilidade por tal evento danoso, tendo em vista a inexistência de nexo de causalidade.

Por outro lado, dada a situação clínica pré-existente do paciente que demandava atenção, não se pode desprezar que a evidente omissão do Estado em providenciar o atendimento no Hospital Regional de Sobradinho representa, em si, ato ilícito, o qual é fator suficiente para desencadear abalo aos direito de personalidade.

A propósito, é incontroversa a ausência de atendimento ao filho da requerente no mencionado hospital.

Com efeito, o Documento de ID nº 59439145, pág. 08, aliado ao Despacho exarado pelo Chefe do Núcleo de Recepção e Emergência do Hospital Regional de Sobradinho, juntado ao ID nº 59439145, pág. 06, evidenciam as alegações da autora de que chegou ao Hospital às 09h15min do dia 01/05/2019, tendo permanecido no nosocômio até às 21h17min, sem atendimento.

Ademais, a despeito de constar no Documento de ID nº 59439145, pág. 08 a designação de 21h17min como “Hora Alta”, o mencionado Despacho de ID nº 59439145, pág. 06, refere-se à “tentativa de atendimento médico pela Clínica Médica da Emergência do Hospital Regional de Sobradinho - HRS no dia 01/05/2019”, e corrobora a informação obtida com a análise da Guia de Atendimento em Emergência - GAE, acostada ao ID nº 59439145, pág. 09, na qual verifica-se apenas a observação “crise de asma”, sem haver qualquer informação adicional acerca de atendimento ou mesmo classificação de risco da situação do paciente.

Em relação à classificação de risco do paciente, inclusive, embora o réu alegue que não teria prestado atendimento prioritário ao mesmo devido a sua condição clínica não ter sido relatada quando do preenchimento da Guia de Atendimento em Emergência - GAE no Hospital Regional de Sobradinho, observa-se que ficou evidenciado nos autos que a informação quanto à condição de saúde do Sr, C. constava de seu prontuário unificado da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

É o que se nota da própria defesa do requerido, merecendo destaque as informações técnicas de ID nº 59436344, pág. 01, na qual foi consignado o seguinte: “Paciente 41 anos, tem história de etilismo e tabagismo. Segundo prontuário médico era desnutrido e já apresentava outras passagens por pancreatite aguda e hepatite alcoólica em 2014”.

Ademais, informou o médico V. D. S. P. em sua oitiva que a condição clínica pré-existente do paciente foi obtida no prontuário unificado da Secretaria de Saúde do DISTRITO FEDERAL, por atendimentos anteriores e também pelo relato da classificação de risco pela enfermeira da UPA. Ressaltou, ainda, que no Hospital Regional de Sobradinho a classificação de risco é feita com a abertura de ficha do paciente na recepção e, após, passa por uma classificação de risco, onde é triada a gravidade. Afirma que quando é aberta a ficha do paciente, a mesma cai no sistema do prontuário e todas as informações do paciente ficam vinculadas àquele prontuário, no qual constam todas as informações de atendimentos anteriores, podendo o sistema ser acessado por qualquer profissional

Esclareceu, ainda, o depoente que em 2014 consta no prontuário do paciente atendimento em nefrologia, no Hospital Regional de Sobradinho, havendo o relato de que o paciente já era etilista crônico há mais de 20 anos, apresentava quadro de desnutrição, teve um episódio de pancreatite aguda e teve uma hepatite alcoólica.  

Desse modo, resta demonstrada a negligência do Estado ao não prestar o atendimento ao paciente, não realizando, sequer a classificação de risco, quando possuía todos os meios para fazê-la.

A constatação da negligência estatal faz inferir o sofrimento da requerente ao assistir, impotente, a falta de atendimento médico adequado ao seu filho, o qual encontrava-se acometido de mal-estar que foi se agravando ao decorrer das horas, conforme relatado na inicial e evidenciado pela internação imediata na UPA de Sobradinho.

Com efeito, é notória a angústia e dor vivenciada por uma mãe que se depara com a impossibilidade de prover ao seu filho alternativa médica que poderia resguardar a vida do mesmo, ainda que potencialmente.

Em caso semelhante decidiu este Eg. TJDFT sobre a caracterização de danos morais. Confira-se:

DIREITO CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATENDIMENTO EM HOSPITAL PÚBLICO. UTI. PRESCRIÇÃO MÉDICA. OMISSÃO. ORDEM JUDICIAL. NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO MORAL CONFIGURADO. PENSIONAMENTO INDEVIDO.

I. As pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

II. A responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público funda-se no risco administrativo e não no risco integral, motivo por que dispensa apenas a prova da culpa do agente público, porém não elide a necessidade de demonstração de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão, dano e relação de causalidade.

III. A omissão cuja ocorrência deflagra a responsabilidade objetiva do ente estatal é aquela que a doutrina denomina de omissão específica ou omissão concreta, isto é, caracterizada pelo descumprimento de um dever previamente estabelecido, na medida em que a omissão genérica traz embutida o vazio obrigacional.

IV. Evidenciado pelo conjunto probatório que a falta de internação do paciente em leito de UTI, conforme prescrito pelo medico que o atendeu, suprimiu a possibilidade de que, uma vez assistido adequadamente, tivesse a chance de superar ou abrandar o problema de saúde, não há como ocultar a responsabilidade do ente estatal responsável pela prestação do serviço público omitido.

V. Aplica-se a teoria da perda de uma chance, surgida no direito francês justamente no contexto da prestação de serviços médicos, quando as provas dos autos denotam que a prestação do serviço médico-hospitalar adequado oportunizaria a convalescença, a melhoria ou a estabilização do estado de saúde do paciente.

VI. Caracteriza dano moral a aflição, a angústia e a indignação, com indiscutível sobrecarga emocional, resultante do quadro traumático da falta de atendimento médico ao ente querido gravemente enfermo que terminou por frustrar qualquer possibilidade da continuidade da vida e do convívio familiar.

VII. Não havendo como estabelecer o nexo de causalidade direto entre a omissão estatal e a morte do paciente, ao Distrito Federal não pode ser imputado o dever de indenizar prescrito no artigo 940 do Código Civil que tem como fundamento exatamente a responsabilidade pela supressão ilícita da vida.

VIII. Apelações conhecidas e desprovidas.  (Acórdão n.771365, 20090111819504APC, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Revisor: CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/03/2014, Publicado no DJE: 26/03/2014. Pág.: 225) (Grifei)

No tocante ao valor a ser arbitrado a título de danos morais, entendo como razoável o pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), atento ao fato de que a indenização deve recompor o dano experimentado e, ainda, reprimir a reiteração dos ilícitos, como função pedagógica, não devendo, entretanto, dar ensejo a enriquecimento sem causa.

Dispositivo

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido autoral para condenar o requerido ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de indenização por danos morais, com correção monetária pelo IPCA-E, desde o arbitramento[6], e juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, a partir do evento danoso[7], ou seja, a partir de 01/05/2019.

Em consequência, resolvo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC.

Considerando a sucumbência recíproca e não proporcional das partes, condeno a autora, na proporção de 20% (vinte por cento), e o réu, na proporção de 80% (oitenta por cento), ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, a teor do artigo 85, parágrafo 3º, inciso I, do CPC[8].

Condeno a autora, ainda, ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas processuais.

A exigibilidade das custas e dos honorários devidos pela autora fica, contudo, suspensa, uma vez que a mesma é detentora dos benefícios da gratuidade de justiça (ID nº 55407449).

O réu, por sua vez, é isento de custas processuais, nos termos do Decreto-Lei 500/69.

Certificado o trânsito em julgado e não havendo manifestação das partes, arquivem-se com a adoção das providências de estilo.

Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.

LIZANDRO GARCIA GOMES FILHO

Juiz de Direito

Jornal Jurid



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