quinta-feira, 22 de julho de 2021

Família denuncia morte de adolescente que teve AVC confundido com uso de drogas por médico: 'Descaso'

 

Prefeitura de Ilha Comprida, no litoral paulista, afirma que lamenta o falecimento da jovem, e que abriu procedimento administrativo investigatório. Polícia Civil investiga o caso.


Mãe de Sofia afirma que adolescente morreu por negligência médica; polícia investiga


A família de Sofia Aparecida da Cruz, de 12 anos, registrou um boletim de ocorrência por omissão de socorro, após a menina morrer depois de procurar atendimento médico em Ilha Comprida, no litoral de São Paulo. De acordo com a vendedora Tamires Aparecida da Cruz, de 33 anos, mãe da adolescente, o profissional negou atendimento por achar que a vítima havia feito uso de drogas ou álcool, quando, na verdade, Sofia estaria sofrendo um acidente vascular cerebral (AVC).

Em entrevista ao G1 nesta quinta-feira (22), Tamires relatou que a filha estava na casa de uma amiga, no dia 10 de julho, para comemorar o aniversário do irmão da colega. Por volta das 19h, a mãe da amiga de Sofia ligou para a casa dela, avisando que a menina estava passando mal e desmaiou. "A mãe da amiga dela faria um lanchinho só para a família do menino, que fazia aniversário, e minha filha foi convidada, mas lá ela passou mal", diz.

O padrasto da jovem, que atendeu a ligação, foi socorrê-la e a levou ao Pronto-Socorro de Ilha Comprida, avisando Tamires em seguida, que estava trabalhando e, ao saber, saiu o mais rápido que podia do trabalho e foi até o hospital.

"Cheguei lá cerca de uma hora depois que minha filha havia sido levada ao pronto-socorro, e ela continuava sem atendimento, apenas tomando soro. O médico disse que só iria examinar se a gente falasse se ela bebeu ou usou droga, porque, do jeito que ela estava, só podia ser uma dessas coisas. Achei um absurdo, expliquei que ela não fazia uso de nenhuma dessas coisas, mas não adiantou", diz a mãe.

A vendedora afirma que, em seguida, a equipe médica a informou que a menina só seria examinada se ela registrasse boletim de ocorrência, porque assim fariam exame toxicológico. Tamires conta que, então, já preocupada, foi até a delegacia. Mas, enquanto estava registrando o boletim, a avó da criança pediu que a enfermeira medisse a pressão de Sofia.

"A enfermeira constatou que a pressão da minha filha estava alta, 16x8, e a glicemia também estava alta, além de notar que os olhos dela estavam muito parados. Mas, isso só foi feito quando a minha mãe [avó da criança] pediu, e já tinham se passado quatro horas que minha filha estava no hospital. A Sofia já tinha até vomitado lá, e não tinha nenhum cheiro de bebida", relembra.

De acordo com a vendedora, nesse momento, a enfermeira constatou que Sofia estava sofrendo um AVC, e acionou a ambulância, para que a criança fosse levada às pressas ao Hospital Regional de Registro. "Minha filha nunca usou droga, e nunca deixei ela beber nada de álcool. Sempre foi ativa, fazia dança, era uma menina alegre. Chegando a Registro, já fizeram tomografia e a submeteram a uma cirurgia, que não teve sucesso. O médico me explicou que, devido à demora no atendimento, agravou a situação dela, e deu um AVC hemorrágico", diz.

Sofia ficou internada por três dias em Registro, até o dia 13, quando foi constatado que a menina teve morte cerebral. Tamires doou os órgãos da filha após a morte da adolescente. A vítima foi sepultada no dia 15 de julho, em Ilha Comprida.

"Minha filha morreu por negligência, por um pré-julgamento, um preconceito. E acredito que, mesmo que fosse um usuário de drogas, a obrigação do hospital era socorrer, e esse nem era o caso da minha filha. Está sendo muito dolorido, ainda mais pela forma como tudo aconteceu. Foi uma perda muito grande, muito difícil", lamenta a mãe.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Ilha Comprida. De acordo com a SPP, o médico responsável foi identificado, e testemunhas e funcionários do hospital são ouvidos pela autoridade policial. Diligências prosseguem visando ao esclarecimento dos fatos.

A Prefeitura de Ilha Comprida, também por meio de nota, afirma que o Departamento Municipal de Saúde se solidariza com a dor da família, e lamenta profundamente o falecimento da adolescente, vítima de aneurisma cerebral, no dia 13 de julho, no Hospital de Registro.

A administração ainda informa que abriu procedimento administrativo investigatório para apuração dos fatos. Segundo o município, o departamento reúne todos os documentos, exames e detalhes do caso para encaminhá-los às instâncias competentes, no devido tempo, para os esclarecimentos que se fizerem necessários.

Especialista explica o AVC hemorrágico


De acordo com o neurocirurgião João Luis Cabral, o acidente vascular cerebral hemorrágico nessa faixa etária é muito raro de acontecer, tem estatística muito baixa. "Pode acontecer quando ela é portadora de um aneurisma cerebral congênito, que pode romper e dar a hemorragia cerebral. Ou também, que é o caso mais frequente, se a menina é portadora de uma malformação arteriovenosa, ou seja, um novelo de veias e artérias, que se comporta igual a um aneurisma e pode romper em qualquer idade", explica.

De acordo com o especialista, os primeiros sinais de um AVC hemorrágico são cefaleia, agitação psicomotora, confusão mental e sonolência. "Pode até lembrar alguém que está alcoolizado, mas estatisticamente a gente sabe que uma adolescente de 12 anos não teria ingerido bebida alcoólica, a chance é quase 0. Então, a conduta correta seria, com indícios de um AVC, ou de confusão mental, chamar um neurocirurgião ou neurologista para avaliar o caso imediatamente. O profissional seria capaz de identificar, e pedir os exames e procedimentos corretos", diz João Luis Cabral.




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