segunda-feira, 5 de julho de 2021

Polícia indicia oito pessoas por homicídio após mortes por falta de oxigênio em hospital do RS

 

Seis funcionários do hospital e dois da fornecedora responderão por homicídio culposo. Outros dois empregados da empresa foram indiciados por falso testemunho. Seis pessoas morreram na manhã de 19 de março após interrupção no fornecimento de oxigênio em Campo Bom.


Polícia indicia oito pessoas por homicídio após mortes por falta de oxigênio em Campo Bom


Seis funcionários do Hospital Lauro Réus e dois da empresa Air Liquide foram indiciados por homicídio culposo após investigação de seis mortes ocorridas em 19 de março, na casa de saúde localizada em Campo Bom, Região Metropolitana de Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, os óbitos foram causados pela falha na suplementação de oxigênio registrada naquela manhã.

G1 e RBS TV entraram em contato com a administração da instituição, que afirmou que "até este momento o hospital não teve acesso ao inquérito e não irá se posicionar".

Já a Air Liquide, fornecedora do oxigênio, diz que "se manifestará somente após ter acesso ao relatório final das investigações, o que ainda não ocorreu". A empresa "reitera, no entanto, sua postura de total colaboração com as autoridades e investigações em curso", conforme comunicado enviado pela sua assessoria de imprensa.

Outros dois funcionários da Air Liquide foram indiciados por falso testemunho. O inquérito foi remetido ao Judiciário, e o Ministério Público avaliará se oferece denúncia ou não. O MP também investiga o caso, em um inquérito ainda em andamento.

A investigação apontou negligências que contribuíram para a falta de oxigênio, tanto pela diretoria do hospital quanto pela equipe de manutenção. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados.

Segundo nota divulgada pelo delegado Clóvis Nei da Silva, perícias concluíram que não houve falhas no fornecimento de energia elétrica, e que o sistema de telemetria enviou dados do tanque para a empresa regularmente. Na véspera do incidente, o tanque principal já demonstrava que estava com nível baixo.

Mesmo após solicitações de reabastecimento, a programação foi mantida para o dia 19. "A equipe de manutenção tinha ciência dos baixos níveis de oxigênio e do alto consumo", explica o delegado.

"Conclui-se que o oxigênio líquido não foi entregue em tempo, eis que sua entrega foi programada para o final da manhã do dia 19 de março. Na tarde de 18 de março às 14h o nível do tanque criogênico já estava em 30%, considerado nível crítico", aponta.

Hospital Lauro Reus, em Campo Bom

O oxigênio acabou no início da manhã de 19 de março, e ficou entre 1h52 a 2h25 indisponível. Por volta das 7h30, os respiradores começaram a falhar e o hospital iniciou o protocolo de catástrofe, utilizando ventilação manual. Os sinais luminosos e sonoros do sistema não funcionaram.

"A retomada do fornecimento de oxigênio ocorreu com a abertura da válvula de bloqueio da 2ª bateria, com a devida regulagem da pressão para acionamento dos respiradores mecânicos e conexão dos pacientes que continuaram vivos", explica a nota. Isso ocorreu às 8h30.

Seis pacientes de Covid que estavam internados no setor de emergência e na UTI, utilizando respiradores mecânicos, morreram por insuficiência respiratória e hipoxia (falta de oxigênio no organismo).

A polícia ainda concluiu que não havia equipe durante a noite entre os dias 18 e 19 para monitorar os níveis de oxigênio, e o colaborador que faria a conferência às 7h não fez o monitoramento no horário previsto. "Os servidores que detinham tal conhecimento não atuavam em tempo integral na instituição de saúde".

Peritos do IGP vistoriaram o tanque de oxigênio do Lauro Réus 

A Polícia ainda investiga outras mortes que ocorreram no hospital após o dia 19 de março, segundo o delegado, para saber se teriam relação com a falta de oxigênio.

Após sindicância interna, o hospital apontou a empresa como responsável pela falha, pois teria deixado "transcorrer o prazo do sistema central de backup [sistema reserva] de oxigênio gasoso medicinal". Em nota na época, a Air Liquide informou que foi contatada no dia do incidente, que auxiliou remotamente para iniciar o sistema de back up e ainda que forneceu novos cilindros de oxigênio para complementar.

Perícia e CPI


A perícia do Departamento de Criminalística do Instituto Geral de Perícias constatou que os sistemas eletrônico e mecânico da tubulação que leva o oxigênio a partir do tanque não apresentaram falhas.

Segundo o IGP, a interrupção do fornecimento do oxigênio ocorreu pelo término total do suprimento.

O caso também foi alvo de uma investigação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Câmara de Vereadores de Campo Bom. Os envolvidos no caso foram ouvidos, e a votação do relatório final será na próxima terça-feira (22).

Nota da Polícia Civil


A Polícia Civil, através da Delegacia de Polícia de Campo Bom, concluiu na data de hoje o Inquérito policial no 272/2021/100930, o qual versa sobre os seis óbitos ocorridos na manhã de 19/03/2021, no Hospital Lauro Réus, na cidade de Campo Bom. Foi apurado durante as investigações, segundo perícias criminais, que não houve falhas no fornecimento de energia elétrica e na Central de Oxigênio ( Tanque principal e Baterias de reserva). O sistema de telemetria, segundo Laudo de Informática, enviou os dados do tanque criogênico para Empresa com constância e regularidade. Constatou que o oxigênio desse tanque acabou entre 07h25min e 07h53min do dia 19 de março de 2021. Esse tanque ficou sem oxigênio entre 1 hora e 52 minutos e 2 horas e 25 minutos.

Pelos depoimentos de médicos e enfermeiros colheu-se que por volta das 07h30min os respiradores mecânicos dos pacientes que estavam internados na UTI e Emergência daquele nosocômio começaram a falhar, sendo que foi adotado protocolo de catástrofe e os pacientes começaram a ser socorridos por Ambu(dospositivo de ventilação manual) e posteriormente esses equipamentos acoplados a cilindros de 02. As equipes médicas, de enfermagem do hospital, servidores da SAMU, Pronto Atendimento e servidores administrativos deram apoio ao socorro. A falta de oxigênio na tubulação do hospital perdurou até às 08h30min.

A retomada do fornecimento de oxigênio ocorreu com a abertura da válvula de bloqueio da 2a bateria, com a devida regulagem da pressão para acionamento dos respiradores mecânicos e conexão dos pacientes que continuaram vivos. Consequência da queda no fornecimento de oxigênio, seis pacientes vieram a óbito, devido a insuficiência respiratória e hipoxia. Assim por todo apurado, conclui-se que o oxigênio líquido não foi entregue em tempo, eis que sua entrega foi programada para o final da manhã do dia 19 de março, não sendo justificado esse atraso. Na tarde de 18 de março às 14h o nivel do tanque criogênico já estava em 30 %, considerado nível crítico. Às 19 horas do dia 18/03, estava em 20 porcento. Em que pese a telemetria e as solicitações de abastecimento pelos funcionários do hospital, foi mantida a programação de entrega. A equipe de manutenção tinha ciência dos baixos níveis de oxigênio e do alto consumo, sendo que ficou ciente que o reabastecimento estava programado para o final da manhã do dia 19/03.

Não havia equipe de manutenção a noite para monitorar os níveis de oxigênio e funcionário capacitado para intervir em eventual situação de abrir a válvula de bloqueio da 2a bateria de reserva. Os servidores que detinham tal conhecimento não atuavam em tempo integral na instituição, com atividades em outras instituições de saúde. O funcionário que monitorava o nível de oxigênio às 07 horas da manhã, não o fez no horário previsto. O plano de ação da Casa de Saúde não foi implementado. As equipes médicas e de enfermagem não foram informadas dos baixos níveis de oxigênio e não tiveram condições de se preparar para o evento. O painel de alarme (Sonoro e luminoso) que avisaria sobre a queda de pressão na rede e mudança para o fornecimento de gás medicinal gasoso, pelo que consta em depoimentos colhidos não teria operado.

Em razão das várias negligências encontradas, as quais contribuíram para a falta do fornecimento no oxigênio na tubulação, tanto pela diretoria do hospital Lauro Réus, quanto pela equipe de manutenção, houve o indicamento de 6 pessoas ligadas a Casa de Saúde, por homicídio culposo em concurso formal (Artigo 121, parágrafos 3o e 4o, combinado com artigo 70 do CPB). Foram indiciadas também quatro pessoas ligadas a empresa fornecedora de oxigênio, duas pela mesma capitulação acima, o responsável pela programação da entrega do oxigênio líquido e um representante comercial que segundo se apurou poderia ter providenciado o abastecimento emergencial, ainda no dia 18/03, ou na madrugada do dia 19/03. Outros dois funcionários da empresa são indiciados por falso testemunho (artigo 342 do CPB). A Polícia Civil, por questões legais não divulga nomes e imagens.





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