O
erro médico é uma das principais causas de morte no Brasil, ficando atrás de condições crônicas, como as doenças cardiovasculares. No mundo, cinco pacientes morrem por minuto em decorrência do erro médico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde em relatório apresentado em 2019. Um painel apresentado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) ainda cita a contribuição de fatores como a sobrecarga nos serviços de saúde e a interrupção de tratamento de doenças crônicas como contribuintes para o excesso de mortes calculado em 2020, somando fatores ao impacto causado pela pandemia de covid-19. Tudo isso tem relação direta com falhas na qualidade do atendimento em saúde.
O Brasil ultrapassou a marca de 600 mil mortes decorrentes da Covid-19 e teve recentemente denúncias feitas por médicos sobre a coação de operadoras de saúde e hospitais para o uso de medicamentos por parte de seu corpo clínico. O colapso da saúde, visto não apenas no Brasil mas também em países como Estados Unidos, Itália e Inglaterra, intensificou a possibilidade de desvios nos padrões de atendimento por falta de insumos, sobrecarga de rotinas de trabalho e pressão da sociedade no enfrentamento à pandemia.
É indiscutível que a classe médica sofre um enorme e crescente desgaste, que coloca em questionamento, por parte dos hospitais e de pacientes, sua autonomia na escolha do tratamento. Por outro lado, também se ignora o entendimento de que o médico é um ser humano que tem suas particularidades e não pode ser visto como um super-herói livre de erros e dificuldades. A pandemia reforçou uma imagem de herói no profissional de saúde, que ao mesmo tempo romantiza e valoriza a profissão, mas cria uma pressão emocional e psicológica nesses profissionais, que se veem obrigados a cumprir com excelência todas as suas atividades.
Somado a isso, o cenário atual mostra que os médicos são despreparados para tratar de assuntos relacionados ao erro médico, não só pela pressão por manter a perfeição em seu trabalho, mas também pelo desconhecimento do Código de Ética Médica e ao tema de responsabilidade civil. O aumento do número de casos de erro médico pode refletir um despreparo e desentendimento dos profissionais de saúde, bem como representar um crescimento do número de denúncias feitas pela população.
Como o Brasil se aproxima ainda mais do cenário comum vivenciado nos Estados Unidos, onde os médicos e hospitais são muito mais preparados para responder a processos jurídicos envolvendo atendimentos e procedimentos, empresas voltadas a responsabilidade civil e treinamento de médicos para evitarem os erros estão surgindo.
O médico que comete alguma ação de negligência, imperícia ou imprudência tem sua profissão colocada em risco, porque, além de responder juridicamente, tem a fiscalização dos órgãos reguladores. O grande ponto de discussão é que os médicos não sabem sobre isso, assim como os erros não são reportados, por medo de punição ou por não entenderem a gravidade do ato, banalizado na cultura brasileira. Quem perde é sempre o paciente, que não tem seu problema resolvido, ou até mesmo se agrava após um procedimento médico inadequado, que influencia diretamente sua qualidade de vida e seu rendimento no trabalho.
A baixa qualidade de vida após condutas mal-resolvidas ou agravadas afeta diretamente a economia, com os altos números de atestados e funcionários afastados por longos períodos, incapacitados e sem perspectiva de reabilitação.
O fato é que o erro acontece em todas as profissões e não é diferente para os médicos, mas eles devem ser prevenidos. Nos Estados Unidos, existem comitês e reuniões científicas semanais nos hospitais para avaliação de processos, envolvendo médicos, enfermeiros e demais colaboradores, em que os erros são discutidos, para que não ocorram novamente. O entendimento e a segurança em relação à responsabilidade civil protegem os médicos e hospitais, devido tanto à cobertura jurídica, quanto à parte educacional, já que médicos e demais profissionais de saúde criam uma cultura de checagem de processos e autoproteção, o que beneficia diretamente o paciente.
Como sempre, o paciente é, e deve ser, o foco do cuidado. É necessário um esforço por parte das instituições médicas e dos órgãos reguladores para que o tema seja abordado na educação médica o mais precocemente possível e reforçado durante o cotidiano da profissão, a fim de que os erros médicos sejam cada vez menos vivenciados, mais fiscalizados e reportados.
Rafael Kenji Hamada é médico e CEO da FHE Ventures, uma Corporate Venture Builder cujo principal objetivo é desenvolver soluções inovadoras voltadas ou adaptadas para as áreas de saúde e educação
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